quinta-feira, 11 de dezembro de 2008

GOLPE DE 68?

Emir Sader.

Na ótica retrospectiva, quem saiu vencedor pinta sua trajetória de glórias. Quando se cumprem aniversários redondos de 1964, de 1968, por exemplo, parece que ninguém das elites estava a favor do golpe e da ditadura militar. Parece que nós éramos reconhecidos pela Folha, pelo Estadão, pelo Globo, como lutadores da liberdade, da democracia, contra a tirania militar.

É que é bem pouco glorioso ter concitado o golpe, ter apoiado o golpe militar que terminou com a democracia política no Brasil, ter compactuado com a tortura, as desaparições, as execuções, pelo silêncio, pela reprodução das versões mentirosas da ditadura.

A fabricação a posteriori dos fatos é tal, que o Estadão chega a falar do “golpe militar de 1968”, como se o que aconteceu em 1964 fosse a substituição de um presidente que teria fugido, deixando vago o cargo de presidente, que foi suavemente ocupado por um general de 4 estrelas, Castello Branco. O suposto caráter liberal deste militar golpista faria com que o golpe, para a imprensa solidária à ditadura, viria apenas com o AI-5. Para o povo e para a democracia, a ditadura tinha começado no primeiro dia do golpe e seguiu assim por 21 anos.

“As favas os pruridos de consciência”: com essas palavras o então coronel Jarbas Passarinho justificou sua assinatura do AI-5, a autorização para que todas as arbitrariedades fossem postas em prática, do seqüestro e desaparecimento à tortura, chegando aos chamados “decretos secretos”, a que o povo passou a estar submetido, sem sequer ter o direito de saber do seu conteúdo. Tudo em nome da “defesa da liberdade e da democracia”.

Como ele, tantos políticos da ditadura militar – além dos jornais que apoiaram o golpe militar -, como Marco Maciel, José Sarney, Jorge Bornhausen – seguem posando de democratas, como se não tivessem sido adeptos da maior violência contra a democracia cometida na história brasileira.

Todos esses políticos, os responsáveis nas FFAA pelos monstruosos ataques à democracia e ao povo brasileiro, os empresários que lucraram com o regime de terror e as empresas midiáticas que apoiaram o golpe e a instauração da ditadura – deveriam estar no banco dos réus, pelo mais brutal crime cometido contra o Brasil em toda sua história.

As versões mentirosas que difundem agora não podem apagar o papel que tiveram. Se tivessem coragem, os jornais deveriam republicar os editoriais e as manchetes em que chamavam ao golpe e apoiaram o movimento militar. Tratam de deslocar o debate para a censura posterior que sofreram, sem dizer como se constituiu o regime ditatorial e que papel tiveram na sua instauração, na deposição de um governo legitimamente eleito, na destruição dos sindicatos, das entidades sociais e culturais democráticas, na liquidação do único jornal que não apoiou o golpe - Última Hora.

O silêncio sobre o que publicavam naquele período confirma sua culpa e os condena a nunca poder falar de democracia e de liberdade antes de fazerem sua autocrítica do papel nefasto que tiveram.
Fonte:Agência Carta Maior.

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