Emir Sader.
Na ótica retrospectiva, quem saiu vencedor pinta sua trajetória de glórias. Quando se cumprem aniversários redondos de 1964, de 1968, por exemplo, parece que ninguém das elites estava a favor do golpe e da ditadura militar. Parece que nós éramos reconhecidos pela Folha, pelo Estadão, pelo Globo, como lutadores da liberdade, da democracia, contra a tirania militar.
É que é bem pouco glorioso ter concitado o golpe, ter apoiado o golpe militar que terminou com a democracia política no Brasil, ter compactuado com a tortura, as desaparições, as execuções, pelo silêncio, pela reprodução das versões mentirosas da ditadura.
A fabricação a posteriori dos fatos é tal, que o Estadão chega a falar do “golpe militar de 1968”, como se o que aconteceu em 1964 fosse a substituição de um presidente que teria fugido, deixando vago o cargo de presidente, que foi suavemente ocupado por um general de 4 estrelas, Castello Branco. O suposto caráter liberal deste militar golpista faria com que o golpe, para a imprensa solidária à ditadura, viria apenas com o AI-5. Para o povo e para a democracia, a ditadura tinha começado no primeiro dia do golpe e seguiu assim por 21 anos.
“As favas os pruridos de consciência”: com essas palavras o então coronel Jarbas Passarinho justificou sua assinatura do AI-5, a autorização para que todas as arbitrariedades fossem postas em prática, do seqüestro e desaparecimento à tortura, chegando aos chamados “decretos secretos”, a que o povo passou a estar submetido, sem sequer ter o direito de saber do seu conteúdo. Tudo em nome da “defesa da liberdade e da democracia”.
Como ele, tantos políticos da ditadura militar – além dos jornais que apoiaram o golpe militar -, como Marco Maciel, José Sarney, Jorge Bornhausen – seguem posando de democratas, como se não tivessem sido adeptos da maior violência contra a democracia cometida na história brasileira.
Todos esses políticos, os responsáveis nas FFAA pelos monstruosos ataques à democracia e ao povo brasileiro, os empresários que lucraram com o regime de terror e as empresas midiáticas que apoiaram o golpe e a instauração da ditadura – deveriam estar no banco dos réus, pelo mais brutal crime cometido contra o Brasil em toda sua história.
As versões mentirosas que difundem agora não podem apagar o papel que tiveram. Se tivessem coragem, os jornais deveriam republicar os editoriais e as manchetes em que chamavam ao golpe e apoiaram o movimento militar. Tratam de deslocar o debate para a censura posterior que sofreram, sem dizer como se constituiu o regime ditatorial e que papel tiveram na sua instauração, na deposição de um governo legitimamente eleito, na destruição dos sindicatos, das entidades sociais e culturais democráticas, na liquidação do único jornal que não apoiou o golpe - Última Hora.
O silêncio sobre o que publicavam naquele período confirma sua culpa e os condena a nunca poder falar de democracia e de liberdade antes de fazerem sua autocrítica do papel nefasto que tiveram.
Fonte:Agência Carta Maior.
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