Do blog "Vi o Mundo", do Luiz Carlos Azenha.
NÓS E OS ÁRABES (O MURO DE FERRO)
The Iron Wall
(We and the Arabs)
(1923)
Vladimir Jabotinsky, um dos muitos ideólogos do sionismo
Publicado em russo com o título O Zheleznoi Stene, em Rassvyet, 4 de Novembro de 1923
Publicado em inglês no Jewish Herald (África do Sul), 26 de Novembro de 1937
Contrariando a excelente regra de ir direto ao ponto, preciso começar esse artigo com uma introdução pessoal. O autor dessas linhas é considerado um inimigo dos árabes, um proponente de sua expulsão, etc. Isso não é verdadeiro. Minha relação emocional com os árabes é a mesma que tenho com todos os outros povos -- de indiferença educada. Minha relação política é caracterizada por dois princípios. Primeiro: a expulsão dos árabes da Palestina é absolutamente impossível.
Sempre haverá duas nações na Palestina -- o que é suficientemente bom para mim, desde que os judeus se tornem a maioria. Segundo: tenho orgulho de ser membro do grupo que formulou a Plataforma Helsingfors [1]. Nós o formulamos não apenas para os judeus, para todos os povos, e é a base da igualdade de todas as nações. Estou preparado para jurar, por nós e nossos descendentes, que nunca destruiremos essa igualdade e nunca tentaremos expulsar ou oprimir os árabes. Nosso credo, como o leitor pode ver, é completamente pacífico. Mas é absolutamente outra questão se será possível atingir nossos objetivos pacíficos através de meios pacíficos. Isso depende não de nossa relação com os árabes, mas exclusivamente da relação dos árabes com o Sionismo.
Depois da introdução posso ir ao ponto. Que os árabes da Terra de Israel pretendem chegar voluntariamente a um acordo conosco está além de toda a esperança e os sonhos do presente e do futuro próximo. A convicção pessoal que expresso categoricamente não é resultado de uma tentativa de desestimular a facção moderada dos sionistas mas, ao contrário, é uma tentativa de evitar que eles se sintam desestimulados. Além daqueles que são "cegos" desde a infância, todos os sionistas moderados já entenderam que não há qualquer esperança de obter um acordo com os árabes da Terra de Israel de que a Palestina vai se tornar um país de maioria judaica.
Todo leitor tem uma idéia da história de outros países que foram colonizados. Sugiro que ele rememore. Mesmo que ele tente lembrar-se de um só caso em que o país foi colonizado com o consentimento daqueles que nasceram lá ele não vai conseguir. Os habitantes (não importa se civilizados ou selvagens) sempre partiram para uma luta teimosa. Além disso, a forma de ação do colonizador nunca importou.
Os espanhóis que conquistaram o México e o Peru, ou nossos próprios ancestrais nos dias de Joshua ben Nun se comportaram, poderíamos dizer, como saqueadores. Mas os "grandes exploradores", os ingleses, escoceses e holandeses que foram os pioneiros de fato na América do Norte tinham um alto padrão ético: não só pretendiam deixar os peles vermelhas em paz mas tinham pena até mesmo das moscas; pessoas que em toda a sua sinceridade e inocência acreditavam que aquelas florestas virgens e planícies amplas eram suficientes para abrigar o homem branco e o pele vermelha. Mas os nativos resistiram tanto aos colonizadores bárbaros quanto aos civilizados com o mesmo grau de crueldade.
Outro ponto que nunca afetou o comportamento dos nativos é se existia ou não a suspeita de que os colonizadores pretendiam remover os habitantes de suas terras. As vastas áreas dos Estados Unidos nunca contiveram mais de um ou dois milhões de indígenas. Os nativos lutaram com os colonizadores brancos não por medo de que seriam expropriados, mas pelo fato de que nunca houve em qualquer lugar um nativo em qualquer tempo que aceitou a colonização alheia de seu país. Qualquer povo nativo -- tanto faz ser civilizado ou selvagem -- vê seu país como seu lar, do qual será sempre o chefe. Ele nunca vai permitir voluntariamente um novo chefe, nem mesmo um parceiro.
E assim é com os árabes. Os negociadores em nosso meio tentam nos convencer de que os árabes são tolos que podem ser enganados por uma versão mais amena de nossos objetivos, ou uma tribo de adoradores de dinheiro que vai abandonar seu lugar de nascença na Palestina por vantagens culturais ou econômicas. Eu rejeito claramente essa avaliação dos árabes palestinos. Culturamente eles estão 500 anos atrasados em relação a nós, espiritualmente não têm nossa resistência ou força de vontade, mas são apenas essas as diferenças. Podemos falar o quanto quisermos sobre nossas boas intenções; mas eles entendem tanto quanto nós que elas não são boas para eles.
Eles olham para a Palestina com o mesmo amor instintivo e fervor verdadeiro com os quais os aztecas olhavam para o México ou os sioux para as planícies. Pensar que os árabes vão voluntariamente consentir com a realização do Sionismo em troca de benefícios culturais e econômicos é infantil. Essa fantasia de nossos "arabistas" resulta de algum tipo de desprezo pelo povo árabe, de algum tipo de visão infundada de que eles estão prontos a serem comprados, a trocar a pátria por uma rede ferroviária.
É uma visão sem qualquer base. Os árabes individualmente podem até ser comprados mas isso não singifica que todos os árabes de Eretz Israel [2] estão prontos a vender o patriotismo que nem os moradores da Papua comerciam. Todo povo nativo vai resistir aos colonizadores enquanto tiver a esperança de se livrar do perigo da colonização estrangeira.
É o que os árabes na Palestina estão fazendo e o que vão continuar fazendo enquanto houver uma centelha de esperança de que conseguirão evitar a transformação da "Palestina" em "Terra de Israel".
Alguns de nós acreditávamos que tinha havido um engano, que os árabes se opunham a nós por não entender nossas intenções, que se demonstrássemos como nossas aspirações são modestas e limitadas eles nos esticariam os braços em paz. Isso também é uma falácia e já foi provado mais de uma vez. Só preciso relembrar de um incidente.
Três anos atrás, durante uma visita aqui, Sokolow fez um grande discurso sobre esse "engano", demonstrando que os árabes estavam errados ao supor que pretendíamos tomar a propriedade deles ou expulsá-los do país, ou reprimí-los. Não era isso. Nem queríamos um estado judeu. Tudo o que queríamos era um regime representativo na Liga das Nações. Uma resposta ao discurso foi publicada no jornal árabe Al Carmel cujo conteúdo vou citar de memória, estou certo de que refletindo a realidade.
Nossos grandes sionistas estão desnecessariamente perturbados, o autor escreveu. Não há qualquer engano. O que Sokolow fala do sionismo é verdadeiro. Os árabes já sabem disso. Obviamente que os sionistas hoje nem podem sonhar em expulsar ou reprimir os árabes, nem mesmo em um estado judeu. Claramente nesse período eles estão interessados só em uma coisa -- que os árabes não interfiram com a imigração judaica. Além disso, os sionistas prometem controlar a imigração de acordo com a capacidade de absorção da economia. Mas os árabes não têm ilusões.
O editor do jornal chegou a dizer que a capacidade de absorção do Eretz Israel é grande e que é possível trazer um grande número de judeus sem afetar os árabes. "E é isso o que os sionistas querem e que os árabes não querem. Desse jeito os judeus, aos poucos, vão se tornar a maioria de fato, um estado judeu será formado e o destino da minoria árabe vai depender da boa vontade dos judeus. Mas não foram os próprios judeus que nos disseram como é 'prazeroso' ser minoria? Não existe engano. Os sionistas querem uma coisa -- liberdade de imigração -- e imigração judaica é o que não queremos".
A lógica empregada por esse editor é tão simples e clara que deveria ser decorada e fazer parte essencial de nossa noção da questão árabe. Não é importante se citamos Herzl ou Herbert Samuel para justificar nossas atividades. A colonização em si tem a sua própria explicação, integral e inescapável, e é entendida por todo árabe e todo judeu que tenha juízo. A colonização só pode ter um objetivo. Para os árabes palestinos esse objetivo é inadmissível. É a natureza das coisas. Mudar essa natureza é impossível.
Um plano que parece atrair muitos sionistas funciona assim: é impossível obter apoio para o sionismo dos árabes palestinos, então precisa ser obtido dos árabes da Síria, Iraque, Arábia Saudita e talvez Egito. Mesmo que fosse possível, não mudaria a situação básica. Não mudaria a postura dos árabes da terra de Israel em relação a nós. Setenta anos atrás, a unificação da Itália foi obtida, com a retenção pela Áustria de Trent e Trieste. Mas os habitantes destas cidades não só não aceitaram a situação, mas lutaram com redobrado vigor contra a Áustria.
Se fosse possível (e eu duvido) discutir a Palestina com os árabes de Bagdá ou Meca como se fosse uma terra desprezível, imaterial, ainda assim para os palestinos a Palestina continuaria sendo o seu lugar de nascimento, o centro e base de sua existência nacional. Seria necessário assim mesmo fazer a colonização contra a vontade dos árabes palestinos, sob as mesmas condições existentes agora.
Mas um acordo com os árabes de fora da Terra de Israel também é uma ilusão. Para os nacionalistas em Bagdá, Meca e Damasco concordar com uma contribuição tão expressiva (concordar em abrir mão da preservação do caráter árabe de um país localizado no centro de sua futura "federação") teríamos que oferecer a eles algo tão valioso quanto. Poderíamos oferecer apenas duas coisas: dinheiro ou assistência política ou ambos. Mas não podemos oferecer.
Quanto a dinheiro, é ridículo pensar que poderíamos financiar o desenvolvimento do Iraque ou da Arábia Saudita, quando não temos o suficiente nem para a Terra de Israel. Dez vezes mais ilusório é dar assistência política. O nacionalismo árabe tem o mesmo objetivo que o nacionalismo italiano de antes de 1870 e do nacionalismo polonês de antes de 1918: unidade e independência. Essas aspirações significam a erradicação de todo traço de influência britânica no Egito e Iraque, a expulsão dos italianos da Líbia, a remoção do domínio francês da Síria, Tunísia, Argélia e Marrocos. Para nós apoiarmos tal movimento seria suicídio e traição. Não podemos falar em remover os britânicos do Canal de Suez e do Golfo Pérsico ou da eliminação dos governos de franceses e italianos em territórios árabes. Esse jogo duplo nunca poderia ser considerado.
E assim concluímos que não podemos prometer qualquer coisa para os árabes da Terra de Israel ou dos outros países árabes. O acordo voluntário deles está fora de questão. Assim, aqueles que acham que o acordo com os nativos é uma condição essencial para o sionismo devem dizer "não" e deixar o sionismo. A colonização sionista, mesmo a mais restrita, deve ser suspensa ou levada adiante apesar da resistência da população nativa. Essa colonização, assim, só pode continuar e ser desenvolvida sob a proteção de uma força independente da população local -- um muro de ferro que a população nativa não possa romper. Essa é nossa política diante dos árabes. Formulá-la de qualquer outra forma seria hipocrisia.
Não só tem de ser assim, será assim a gente admita ou não. O que a declaração de Balfour [3] ou o Mandato [4] significam para nós? O fato de que um poder desinteressado se comprometeu a criar as condições de segurança para impedir que a população local interfira com nosso esforço.
Todos nós, sem exceção, pedimos que esse poder cumpra estritamente as suas obrigações. Nesse sentido, não há diferenças significativas entre os nossos "militaristas" e nossos "vegetarianos". Um prefere um muro de ferro de baionetas judias, outro propõe um muro de ferro de baionetas britânicas, o terceiro propõe um acordo com Bagdá, e parece satisfeito com as baionetas de Bagdá -- um gosto estranho e arriscado, mas nós aplaudimos, noite e dia, o muro de ferro.
Nós destruiríamos nossa causa se proclamassemos a necessidade de um acordo, e enchessemos a cabeças dos Mandatários com a crença de que não precisamos de um muro de ferro, mas conversas sem fim. Tal proclamação só pode nos prejudicar. Sendo assim é nosso dever sagrado expor essa conversa e provar que é uma ilusão.
Duas afirmações breves: em primeiro lugar, se alguém disser que este ponto-de-vista é imoral, eu respondo: não é verdade; ou o sionismo é moral e justo ou é imoral e injusto. Mas essa é uma questão da qual deveríamos ter tratado antes de nos tornarmos sionistas. E já obtivemos uma reposta e ela é afirmativa.
Sustentamos que o sionismo é moral e justo. E já que é moral e justo, a justiça tem de ser feita, não importa se Joseph, Simon, Ivan ou Achmet concordam ou não.
Não há outra moralidade.
Isso não significa que qualquer tipo de acordo é impossível, só um acordo voluntário é impossível. Enquanto houver uma centelha de esperança de que eles podem se livrar de nós, eles não vão vender essa esperança, não por palavras doces ou saborosas, já que não são um bando mas uma nação, talvez um pouco abatida, mas ainda viva.
Um povo vivo só faz enormes concessões em questões tão primordiais quando não tiver mais esperança. Só quando não houver uma só abertura no muro de ferro: só assim os grupos extremos perdem poder e a influência se transfere para grupos moderados. Só então esses grupos moderados virão até nós para concessões mútuas. E só então os moderados vão oferecer sugestões de acordo em questões práticas como a garantia contra expulsão, ou igualdade, ou autonomia nacional.
Estou otimista de que eles receberão garantias satisfatórias e de que os dois povos, como bons vizinhos, podem viver em paz. Mas o único caminho para tal acordo é o muro de ferro, ou seja, reforçar o governo da Palestina sem qualquer influência árabe, ou seja, um governo contra o qual os árabes vão lutar. Em outras palavras, para nós o caminho para um acordo no futuro é a rejeição absoluta de qualquer tentativa de acordo agora.
[1] Plataforma elaborada em 1906 pela qual os sionistas russos aceitaram participar do governo em troca de concessões políticas.
[2] Termo sagrado para "Terra de Israel"
[3] A declaração de Balfour, de 1917, batizada com o sobrenome do então ministro britânico das Relações Exteriores, deu apoio do governo britânico ao estabelecimento de um "national home" para os judeus na Palestina, sem prejuízo dos direitos civis e religiosos das comunidades não judaicas da Palestina.
[4] Mandato dado pela Liga das Nações, a predecessora da ONU, para que os britânicos assumissem a administração de territórios do extinto Império Otomano, cabendo a Palestina à Grã-Bretanha.
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