sábado, 3 de janeiro de 2009

TRANSGÊNICOS - Você sabe o que os seus filhos estão comendo?

Publicado no blog "Vi o Mundo", do Luiz Carlos Azenha.


Acabo de ler O Mundo Segundo a Monsanto, da jornalista francesa Marie-Monique Robin. Fartamente documentado, o livro é um soco no estômago: mostra como a aprovação dos transgênicos resultou muito mais de um lobby poderoso das empresas de biotecnologia do que de pesquisas científicas que tenham comprovado que os transgênicos não fazem mal à saúde. Tem toda a pinta de casos que estamos fartos de conhecer, como os do DDT, do agente laranja e de outros produtos "seguros" como o cigarro, que só foram identificados como cancerígenos ou causadores de outros males décadas depois de terem chegado ao mercado.

Juro que não sou fresco quanto à alimentação. Porém, conheço a lógica do governo Bush, sob o qual vivi seis anos. Desde Ronald Reagan, que decidiu "tirar o governo das costas" das empresas, os Estados Unidos diluiram o poder das agências federais encarregadas de monitorar o meio ambiente, as drogas e alimentos e a produção agrícola. Se a crise econômica já deixou claro o efeito da desregulamentação no mercado financeiro, ninguém fez ainda um balanço desse mesmo efeito no meio ambiente e na saúde pública. Sabemos, no entanto, que a lógica das grandes corporações venceu, nos Estados Unidos e no Brasil. E que, no passado, isso sempre rendeu melhores resultados para elas do que para a população.

O que posso fazer é suscitar um debate que acho essencial e isso só se faz com informação. Começo com um artigo do pessoal do IDEC publicado na Folha de S. Paulo:

Ciência ou cartório?

VIDAL SERRANO JUNIOR e ANDREA LAZZARINI SALAZAR

DESCONSIDERANDO os argumentos de 87 organizações, de 88 parlamentares e da ministra do Meio Ambiente, o presidente Lula aceitou mudar a Lei de Biossegurança para facilitar a liberação de transgênicos.

Antes, eram necessários 18 votos dos 27 membros da CTNBio (Comissão Técnica Nacional de Biossegurança) para autorizar o plantio em grande escala, a comercialização e o consumo de uma espécie transgênica. Agora, são necessários apenas 14.

Significa que, ainda que 13 cientistas -quase a metade do grupo- justifiquem tecnicamente a rejeição, sustentando, por exemplo, haver riscos graves à saúde, o produto será aprovado para consumo humano. Será que o Congresso Nacional e o presidente Lula sabem mesmo o que fizeram?

As notas taquigráficas das reuniões da CTNBio têm revelado a forma simplista como os trabalhos são conduzidos, e as decisões, tomadas.

Os processos que estão na iminência de aprovação impressionam pela falta de referências a estudos independentes e submetidos à "peer review". A fragilidade dos argumentos apresentados pelas empresas ficou patente em audiência pública nesta semana. Os questionamentos feitos não foram respondidos, tornando inaceitável qualquer decisão.

O Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor) acompanha esse assunto há mais de uma década e vem questionando a existência de benefícios associados a essa tecnologia. O certo é que os transgênicos que estão na pauta de liberação só interessam às grandes empresas de biotecnologia, sem nenhum benefício para a sociedade. Mesmo para os agricultores, que hoje acreditam no marketing da indústria, os aparentes benefícios imediatos escondem os impactos óbvios da maior dependência em relação às empresas devido à compra de sementes patenteadas e de mais agrotóxicos no futuro próximo.

O Idec defende a avaliação rigorosa de riscos à saúde e ao meio ambiente.

A falta de estudos científicos independentes tem sido a tônica. Alimentos transgênicos têm sido autorizados baseados na falsa premissa de que são substancialmente equivalentes aos convencionais. Assim, a soja transgênica Roundup Ready seria o mesmo que a soja natural, o milho transgênico Liberty Link seria equivalente ao milho natural e assim por diante.

Parece, mas não é. Por exemplo, o milho Liberty Link carrega consigo um gene de resistência a antibiótico, contrariando recomendações de OMS/FAO, Comissão Européia, Royal Society, Academia Nacional de Ciências, entre outros. Usa também um gene extraído de uma bactéria que não faz parte da nossa cadeia alimentar e pertence a um gênero que causa doenças em plantas e animais.

A ausência de efetiva avaliação de risco com fundamento na equivalência substancial é uma omissão perigosa que pode causar danos irreversíveis. O Idec acredita que a nova dinâmica de liberações comerciais recém-definida transformará a CTNBio num cartório de liberação de transgênicos.

Para minimizar as pressões de um setor poderosíssimo, é necessária a construção de uma sólida política de biossegurança, sedimentada em princípios que regem o Estado democrático de Direito, como a soberania nacional, o bem-estar da população, a precaução, a transparência e o respeito a bens maiores, a saúde, o meio ambiente e a vida das presentes e futuras gerações -consagrados e protegidos pela Constituição Federal de 1988.

Em dois anos da lei, houve intensa produção da comissão em estímulo à pesquisa. Foram elaboradas normas, aprovados 155 experimentos, autorizados CQBs e relatórios. Mesmo assim, as empresas conseguiram convencer de que "nada funciona", pois seus pedidos de liberação comercial não foram autorizados ainda. Retrocedemos ao mudar o quórum.

Mas, para o governo Lula, cego pela bandeira do crescimento a qualquer custo, a biossegurança parece ser um entrave. Assim, de governo em governo, ano após ano, ficamos mais distantes da concretização da tão necessária política de biossegurança.

VIDAL SERRANO JUNIOR, promotor de Justiça, é membro do Conselho Diretor do Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor) e ex-membro da CTNBio.

ANDREA LAZZARINI SALAZAR é advogada e consultora do Idec.

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