Depois de invadir a África com projetos de investimentos vultosos, levando pelo menos um milhão de operários, a China agora avança a passos largos sobre a América do Sul. O dragão chinês mais que dobrou sua participação nas importações realizadas pelos países sulamericanos desde 2003. A parcela aumentou de 5,38% para 12,07% em 2008, segundo a Federação das Câmaras de Comércio e Indústria da América do Sul. O total importado subiu mais de 700%, de US$ 6,5 bilhões para US$ 54,6 bilhões.
A reportagem é de Eliane Oliveira e Gustavo Paul e publicada pelo jornal O Globo, 02-08-2009.
Esse cenário já é visto com preocupação por governo e empresários brasileiros, que estariam enfrentando ferrenha competição com a indústria chinesa pelo mercado regional. Afinal, nos últimos seis anos, as exportações brasileiras para a América do Sul cresceram apenas 282,8%. A participação desses mercados no total exportado pelo Brasil cresceu de 13,8% para 19,6%.
A presença da China também é percebida nos investimentos: a América Latina é o segundo maior receptor de recursos do país asiático, com 18% do total, perdendo apenas para a própria Ásia, com 63%, segundo dados apurados em 2007. Naquele ano, os investimentos chineses diretos (sem contar os financeiros) no mundo somaram US$ 26,5 bilhões, saltando em 2008 para US$ 52,1 bilhões.
— A América do Sul é a menina dos olhos da China hoje — atesta Charles Tang, presidente da Câmara de Comércio e Indústria Brasil-China.
Infraestrutura em Argentina e Peru, carros no Uruguai
A China anunciou, recentemente, investimentos da ordem de US$ 12,8 bilhões no Brasil, em setores como telecomunicações, mineração, siderurgia, metalurgia, farmacêutico e eletroeletrônico.
Um grupo chinês estuda atualmente investir no setor sucroalcooleiro para produção de ácidos, como o cítrico e o lático, via caldo de cana.
No desindustrializado Uruguai, a China está produzindo carros, via a montadora Chery, maior marca de automóveis chinesa.
São inicialmente dez mil unidades do esportivo Tiggo por ano, a serem distribuídas no Brasil e na Argentina. A intenção é ampliar esse número para 25 mil ao ano até 2010. A fábrica está em Montevidéu, mas neste semestre será aberta uma planta definitiva na Brasil, para produzir 150 mil unidades do A3, um investimento em torno de US$ 700 milhões.
Os chineses invadem ainda indústrias e obras de infraestrutura nos países andinos, como Venezuela e Peru, investem em pescados no Chile e querem ser sócios de um importante oleoduto na Colômbia. Ao mesmo tempo, afigura-se como o estopim de uma briga comercial entre Brasil e Argentina.
Segundo queixas do setor privado, os argentinos desrespeitam acordos setoriais que levaram empresários brasileiros a reduzirem suas exportações para o país e, ao mesmo tempo, aumentaram as importações da China. Considerando os mais de 30 setores aos quais foram impostas licenças não automáticas de importação, a participação dos brasileiros no mercado argentino recuou de 42% para 31,5%, enquanto a da China subiu de 21,5% para 30,5%.
A China representava 4,4% do total de importações realizadas pela Venezuela em 2008. Até abril deste ano, a fatia chinesa era de 11,5%.
Abdib vê ameaça à liderança brasileira na região O diretor do escritório brasileiro da Comissão Econômica para América Latina e Caribe (Cepal), Renato Baumann, diz que a ameaça é ainda maior: junto com a China, os demais países asiáticos aproveitam a onda e se inserem nos processos produtivos, fornecendo insumos e manufaturados — principal categoria de itens que o Brasil vende para a região.
— Há um tsunami asiático na América Latina — diz Baumann.
Para o presidente da Associação Brasileira da Infraestrutura e Indústrias de Base (Abdib), Paulo Godoy, aproveitando mercados pouco maduros, como África e América Latina, a China começa a fazer uma nova redefinição da estrutura de poder econômico e político.
— O Brasil, especialmente no nosso continente, precisa estar atento para manter uma trajetória que foi se consolidando nos últimos tempos rumo à liderança regional — disse Godoy.
— A China está agora alinhando seu componente financeiro e tem uma capacidade competitiva enorme, em função da mão de obra barata, ampla.
Em defesa do ingresso da Venezuela no Mercosul, o presidente da Federação das Câmaras Sul-americanas, Darc Costa, alerta que o caminho é a integração:
— Precisamos nos integrar, se não quisermos perder mercado e a própria liderança na região.
Em contato direto com empresários venezuelanos, o presidente da Câmara de Comércio Brasil-Venezuela, José Francisco Marcondes, afirma que no país andino as relações são cada vez mais estreitas. Segundo ele, os chineses estão emprestando dinheiro à Venezuela, num momento em que o país inicia um processo de industrialização.
Entram em setores estratégicos, como eletroeletrônico e automobilístico.
— Está sendo criada uma plataforma chinesa na América do Sul — alertou Marcondes.
— O nosso setor, certamente, é um dos mais afetados — confirmou o presidente da Abinee, Humberto Barbato.
Para o economista-chefe do Bradesco, Octavio de Barros, um ponto que merece atenção é a instalação de um escritório do Banco de Desenvolvimento da China em São Paulo, coração da América do Sul. Essa estratégia de facilitar a presença financeira no país vem se repetindo em nações como Rússia e Egito.
Fonte:IHU
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