sexta-feira, 9 de outubro de 2009

AFEGANISTÃO - O massacre de Kunduz.

Por Marc W. Herold*

«Quantos civis que não sejam de raça branca têm que morrer para que os EUA se dignem informar essas mortes?»

Em resposta à minha pergunta em epígrafe, foi-nos dito que o limite está nos 30-40 mortos. A revelação deste facto diz muito mais do que as simples palavras. Há alguns anos, Marc Garlasco, da organização Human Rigths Watch, quando estava ao serviço da Agência de Inteligência de Defesa dos EUA e tinha de tomar decisões relacionadas com os ataques aéreos estadunidenses, era obrigado a procurar um superior no momento de decidir os ditos ataques, se pensava que as possíveis mortes de afegãos («danos colaterais») ultrapassavam o número de trinta [1].
Enterro dos restos mortais de vítimas do massacre de Kunduz
Nos últimos anos, as autoridades e os meios dominantes estadunidenses apenas tem referido os mortos afegãos quando o seu número excede os 30. No entanto, quando uma bomba artesanal taliban mata transeuntes inocentes, começam inocentemente a aparecer metros e metros de papel de imprensa, frequentemente acompanhados de fotografias das vítimas. Torna-se demasiado evidente que para a imprensa estadunidense , para a Human Rights Watch e para a cidadania dos EUA há cadáveres que são dignos de atenção e outros que não merecem qualquer interesse. Como escrevi há já algum tempo:
Para o Pentágono e os seus papagaios no “media”, há corpos bons (civis assassinados pelo «nosso inimigo») e corpos maus (civis assassinados pelo nosso exército), respectivamente, danos colaterais acidentais, ou «militantes» e «insurrectos», transformando assim os civis com o clic de um teclado. Durante o conflito jugoslavo, a Human Rights Watch destacava exagradamente os civis assassinados pelos sérvios, esquecendo-se, em contrapartida, dos civis assassinados pelos não sérvios. Actualmente, no Afeganistão os media dominantes estadunidenses, com a Associated Press à cabeça, descrevem detalhes das vítimas civis dos ataques suicidas «talibans» disponibilizando amiúde fotografias, mantendo-se em contrapartida muito circunspectos em relação às vítimas dos ataques aéreos dos EUA e da NATO, de que jamais publicam fotografias [2].
A matança em Kunduz de muitos civis afegãos executada na noite de 3 para 4 de Setembro por um avião F-15E Strike Eagle das Forças Aéreas dos EUA, ao lançar duas bombas de alta «precisão» de 250 kilos cada, sobre um numeroso grupo de pessoas, revela (pelo menos) duas coisas: sabemos que esse ataque letal teve lugar numa zona onde a carnificina (já não) não podia ser ocultada, e a causa da amplitude da matança (demasiado grande para poder ser ocultada). Mas alguém soube alguma coisa da rapariguinha assassinada e da sua irmã ferida por um míssil da NATO, quando esse míssil de «precisão» caiu na sua casa na noite do passado dia 1 de Setembro, na aldeia de Narizi, no distrito de Tani, a sudoeste da cidade de Khost? Alguém se recorda de ter ouvido alguma coisa sobre um massacre idêntico ao de Kunduz, que teve lugar no distrito de Panjwaji, em 24 de Outubro de 2006? Ou sobre o massacre de Haydarabad, Helmand, em Junho de 2007 [3]?
O contexto para compreender o que sucedeu em Kunduz, engloba uma larga sucessão de ataques letais estadunidenses de que os media dominantes não deram qualquer informação, mas que consegui reconstituir na página web do Projecto para o Memorial das Vítimas Afegãs [AVMP na sua sigla em inglês]. A crueldade dessas matanças tem a ver, e muito, com o pequeníssimo valor que se atribui a uma vida afegã [4]. Reproduzo a página de AVMP em que se descreve o ataque a Panjwayi que provocou um número de vítimas idêntico ao de Kunduz:
«Ao fim do dia de terça-feira, 24 de Outubro de 2006, em aldeias como Sperwan Ghar, Lay Kundi, Laknai, etc. situadas no distrito de Panjwayi, na província de Kandahar, as forças da NATO deslocadas no Afeganistão assassinaram dezenas de civis numa única operação, bombardeando-as nas suas próprias casas, quando se encontravam a celebrar o fim do Ramadão.
Fonte:Diário.info.

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