Vi o Mundo, por Luiz Carlos Azenha
por Barbara Probst Solomon*, no El Pais
Sua postura excessivamente conciliadora com a direita política e o mundo financeiro mais seu apoio à reeleição do prefeito de Nova York estão provocando críticas entre os democratas
Enquanto o premio Nobel da Paz é concedido a Obama, nos Estados Unidos o presidente se meteu em uma disputa com seus eleitores progressistas por sua inatividade frente a grande problemas e por cortejar demasiadamente os republicanos. Durante um discurso apaixonado no Congresso, o jovem advogado da Flórida Alan Grayson fascinou a Câmara com um estilo cinematográfico realmente parecido com o de James Stewart em Cavaleiro sem espada.
Em primeiro lugar, rechaçou a desagradável reação dos republicanos ao Nobel concedido ao presidente: "Se Obama promover a paz no mundo, os republicanos vão acusá-lo de arruinar o setor da defesa; se Obama comer sanduíche de baicon com tomate, proibirão o baicon". Na continuação, lançou ataques a companheiros democratas pela ineficácia demonstrada na reforma da saúde: os atacou por terem passado mais de seis meses buscando o possível voto de Olympia Snowe, [republicana] eleita pelo estado do Maine, assinalando que ela não havia sido eleita presidente, que não tem poder de veto e que representa um estado que tem unicamente 0,5% da população do país e que, como os republicanos só sabem dizer não, os democratas podem e devem aprovar uma boa lei de assistência de saúde sem eles.
Expressava assim o que a maioria dos estadunidenses realmente deseja: uma autêntica reforma da saúde, não a aprovação pura e simples de uma lei ineficaz. Neste momento desesperado, em que muitos estadunidenses carecem de emprego e perderam suas casas, as contas de saúde tem muito a ver com seu endividamento. Segundo um informe da Universidade de Harvard, mais de 44 mil estadunidenses morrem anualmente por falta de assistência médica.
Grayson apóia Obama, mas seu discurso assinalou o calcanhar de Aquiles do presidente: a necessidade de demonstrar sempre que está acima da disputa política e sua postura excessivamente conciliadora com os republicanos e o mundo financeiro. Até o momento, suas políticas recompensaram os bancos, Wall Street e as empresas de saúde privadas. Não fez o que Roosevelt não tardou em fazer durante a depressão da década de 30: criar empregos, empregos e mais empregos. Tampouco demonstrou a audácia de Lyndon Johnson, que mandou o seu próprio Sul passear e se enfiou na Câmara para aprovar as leis dos direitos civis. Alguém se mostra conciliador quando negocia a paz no Oriente Médio, não quando o Partido Republicano está colocando em perigo o bem estar nacional. Eu também aprovo Obama, mas reconheço que ele se preocupamente excessivamente com a imagem de ficar acima do bem e do mal.
Bill gostava demasiado das saias, George W. de seu Deus interior e agora nos damos conta de que com o brilhante Obama se passa o mesmo em relação à sua própria imagem.
Entretanto, o presidente se meteu em uma confusão em Nova York, ao dar praticamente seu apoio, ativo e passivo, ao prefeito multimilionário Bloomberg nas eleições municipais, deixando de lado o candidato democrata. Apesar dos pedidos dos democratas, Bloomberg, que alguns dias acorda republicano e em outros levemente independente, apoiou a candidatura de John McCain e Sarah Palin. Desse modo, Obama comete uma dupla heresia, porque está jogando seu partido aos pés dos cavalos e, sendo presidente, está se metendo em política municipal; um tiro que, como até Roosevelt teve que aprender na década de 30, sempre sai pela culatra.
O New York Times quase não se conteve. Sua manchete fulminante dizia: "Obama, democrata em chefe, não é de muita ajuda ao partido nas eleições municipais". Os democratas da cidade e do estado, o senador Chuck Schumer, líder do partido, a senadora Kirsten Gilibrand, o governador Patterson e os sindicatos iniciaram imediatamente sua campanha em favor do aspirante democrata Bill Thompson que, por certo, participou ativamente da campanha em favor de Obama. Por acaso o presidente está se deixando cegar pelo poder de Bloomberg, pela capacidade que ele teve de mudar o limite de reeleições para os prefeitos, algo que daria a ele vitória certa nas próximas eleições?
Tudo isso vem depois de vários erros: o presidente irritou os novaiorquinos ao tentar (sem resultado) que a inexperiente Caroline Kennedy ocupasse o posto que a senadora Hillary deixou vago e voltou a irritá-los quando pediu ao governador Patterson que se retirasse do páreo, acrescentando que talvez ele não ganhasse as eleições enfrentando um republicano de peso.
Chicago é uma cidade de arquitetura surpreendente, intelectuais brilhantes, sem-vergonhas, níveis inimagináveis de pobreza e crime, e máquinas políticas terrivelmente enraizadas. Mas Nova York é diferente, não somos Chicago, que dá a seus políticos lições de comportamento errôneas e, acrescento, tampouco somos Washington. Como mostra o filme Gangues de Nova York, de Martin Scorsese, aqui temos um passado brutal e corrupto. No começo do século 20, o que dominava a nossa política era a máquina de Tammany que, composta sobretudo por irlandeses, contava com alguns italianos e judeus. Na limpeza, que possibilitou o enfraquecimento de Tammany, teve influência a aparição de um Partido Republicano progressista, dominado por empresários. Durante as campanhas eleitorais, as grandes instituições financeiras e as pequenas empresas, para se proteger, fazem doações tanto a democratas como a republicanos, mas Obama não compreende os limites políticos dessa coexistência.
Os Estados Unidos se encontram em situação peculiar. Evidentemente, em todo o país são impopulares as posições atuais do Partido Republicano, que caiu em um caos populista propiciado por Sarah Palin, que carece de liderança. Se nos convertermos em um país de partido único, em que só haja democratas, corremos o risco de incorrer em debilidade moral. Mas a transformação do Partido Republicano, se ocorrer, e espero que assim seja, não é um problema dos democratas, mas dos próprios republicanos. Na costa Leste, os republicanos são uma espécie quase em extinção e sobrevivem principalmente graças ao sul e ao sudoeste, entre um punhado de lunáticos que, além de não ter capacidade de ganhar eleições, demonstram seus preconceitos, ignorância e ódio no amplo território da internet e nas revistas televisivas.
Está claro que Bloomberg não é dessa classe de republicanos e há que reconhecer que fez coisas boas para a cidade. Mas seu dinheiro também permitiu a ele fazer mudanças ditatoriais. No dia em que Obama recebeu o Nobel da Paz, quando um repórter do New York Daily News pediu ao porta-voz de Obama que deixasse claro quem o presidente apóia para a prefeitura de Nova York, a primeira declaração de Gibbs, de um jeito ruim, foi: "Vocês, repórteres, só pensam em Nova York". Depois, pressionado e consciente do impacto negativo do incidente, reconheceu que na cidade Obama apoiaria "o candidato democrata", mas não mencionou o nome de Thompson (com amigos como esse, quem precisa de inimigos?). Depois, acompanhou esse aval fraco com comentários afáveis sobre Bloomberg. Obama não foi eleito para representar nem os grandes interesses financeiros, nem os republicanos. E não deve enfrentar seus próprios eleitores. Ted Kennedy deveria ter explicado isso a ele.
*Barbara Probst Solomon é jornalista e escritora
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