terça-feira, 13 de outubro de 2009

MST - entrevista com Stedile.

Adital

1) Entrevista com Stedile: ‘Propomos uma comissão que investigue a verdade’

12 de outubro de 2009

O integrante da coordenação nacional do MST João Pedro Stedile desmente as acusações de vandalismo na área da Cutrale, denuncia as consequências da exploração da empresa sobre os agricultores e cobra a apuração dos fatos.

"As famílias acampadas nos disseram que não roubaram nada, não depredaram nada. Depois da saída das famílias, e antes da entrada da imprensa, o ambiente foi preparado para produzir imagens que impactaram a população. Propomos a constituição urgente de uma comissão independente que investigue a verdade", afirmou.

João Pedro também ressalta as diferenças entre o modelo de produção do agronegócio e da pequena agricultura: enquanto 98% do suco de laranja do país é exportado, o MST reitera seu compromisso com a produção de alimentos que cheguem à mesa do povo brasileiro.

Leia na íntegra as respostas da entrevista, concedida por e-mail ao jornal Folha de S. Paulo neste sábado (10/10) e publicada nesta segunda-feira (12/10).

-Independente da situação legal da propriedade (o MST diz que é grilada), a ação em Iaras chama a atenção pela destruição deliberada de alimentos. Foi um erro destruir aqueles pés de laranja?

-Stedile: O fato de a área ser grilada, confirmado pelo Incra, não é algo secundário. Esse é o fato. Um dos princípios que o MST respeita é a autonomia das famílias de nossa base tomar suas decisões, a partir das circunstâncias que vivem. As famílias estão acampadas há mais de cinco anos. Entendemos a indignação daquelas famílias. À distância, a população pode achar que derrubar pés de laranjas foi uma atitude desnecessária. A direita, por meio do serviço de inteligência da PM, soube utilizar as imagens contra a Reforma Agrária, se articulando com a Rede Globo para usá-las insistentemente. Nunca a Globo denunciou a grilagem, nem a superexploração que a Cutrale impõe aos agricultores.

-Ao destruir alimentos, o MST não teme perder o apoio das camadas mais pobres da população, como das 12 milhões de famílias que dependem do Bolsa Família para comprar sua própria comida?

Stedile: Cerca de 98% da produção de suco no pais é exportada. Esse suco não vai para a mesa dos pobres, com ou sem Bolsa Família. Já o nosso modelo para a agricultura brasileira quer assegurar a produção de alimentos, a geração de emprego e renda no meio rural. Queremos produzir comida e, inclusive, suco de laranja, para chegar à mesa de todo o povo brasileiro. Não para o mercado externo. Mesmo assim, a área de exploração da laranja diminuiu em 400 mil hectares nesses dez anos, pela exploração que a Cutrale impõe aos agricultores.

-O presidente Lula chamou a ação de "vandalismo". O movimento ainda o enxerga como um aliado dos trabalhadores sem terra?

Stedile: Nós também condenamos todos os vandalismos. Usar 713 milhões de litros de venenos agrícolas por ano, que degradam o meio ambiente, envenenam as águas e os alimentos também é um vandalismo. Nesse caso, o presidente está mal informado. Pois as famílias acampadas nos disseram que não roubaram nada, não depredaram nada. Depois da saída das famílias, e antes da entrada da imprensa, o ambiente foi preparado para produzir imagens que impactaram a população. Propomos a constituição urgente de uma comissão independente que investigue a verdade.

-É correto hoje dizer que a conjuntura nacional, principalmente de estabilidade econômica e de assistência oficial aos milhões de pobres do país, é desfavorável ao MST?

Stedile: Os dados do censo agropecuário do IBGE revelam que menos de 15 mil latifundiários são donos de mais de 98 milhões de hectares. Cerca de 30% dos moradores do meio rural não sabem ler e escrever! E 80% não terminou o ensino fundamental. A renda média dos assalariados do campo é menos do que um salário mínimo. Diante dessa realidade, reafirmamos que é fundamental democratizar a propriedade da terra, como manda a Constituição, e mudar o modelo agrícola, para priorizar a produção de alimentos sadios - em equilíbrio com o ambiente e sem agrotóxicos - para o mercado interno. Os que acham que a Reforma Agrária não é mais necessária estão completamente alheios aos problemas e aos interesses do povo brasileiro.

-Essa conjuntura deixa o MST sem foco?

-Stedile: Ao contrário. Nunca antes na conjuntura brasileira foram tão necessárias essas mudanças. Os grandes proprietários de terra se misturaram com o grande capital financeiro. Bancos e empresas transnacionais controlam a agricultura. E quando ocupamos uma terra para pressionar a aplicação da Reforma Agrária, enfrentamos todo esse mundão de interesses. O Brasil precisa de um projeto popular de desenvolvimento voltado para o povo, que de fato combata as causas estruturais da desigualdade social e garanta o acesso à terra, educaçao, moradia e saúde a todos os brasileiros, e nao apenas a uma minoria. E essa é a bandeira do MST.

-Algum nome colocado para as eleições de 2010 anima o movimento? Dilma? Marina?

Stedile: O MST sempre preservou sua autonomia. Nossos militantes participam das eleições como qualquer cidadão brasileiro. Infelizmente, cada vez que chega o período eleitoral, a direita se assanha para enquadrar as candidaturas contra o MST e a Reforma Agrária. Esse pedido de CPI tem apenas motivação eleitoral. O Roberto Caiado [líder do DEM na Câmara e fundados da UDR] confessou que o objetivo da CPI é provar que o governo repassa dinheiro para o MST fazer campanha para a Dilma. Essa afirmação no mínimo é ridícula para qualquer sujeito bem informado, se não viesse de uma mente improdutiva como todo latifúndio.


2) Esclarecimentos sobre os últimos episódios veiculados pela mídia

Diante dos últimos episódios que envolvem o MST e vem repercutindo na mídia, a direção nacional do MST vem a público se pronunciar.

1. A nossa luta é pela democratização da propriedade da terra, cada vez mais concentrada em nosso país. O resultado do Censo de 2006, divulgado na semana passada, revelou que o Brasil é o país com a maior concentração da propriedade da terra do mundo. Menos de 15 mil latifundiários detêm fazendas acima de 2,5 mil hectares e possuem 98 milhões de hectares. Cerca de 1% de todos os proprietários controla 46% das terras.

2. Há uma lei de Reforma Agrária para corrigir essa distorção histórica. No entanto, as leis a favor do povo somente funcionam com pressão popular. Fazemos pressão por meio da ocupação de latifúndios improdutivos e grandes propriedades, que não cumprem a função social, como determina a Constituição de 1988.

A Constituição Federal estabelece que devem ser desapropriadas propriedades que estão abaixo da produtividade, não respeitam o ambiente, não respeitam os direitos trabalhistas e são usadas para contrabando ou cultivo de drogas.

3. Também ocupamos as fazendas que têm origem na grilagem de terras públicas, como acontece, por exemplo, no Pontal do Paranapanema e em Iaras (empresa Cutrale), no Pará (Banco Opportunity) e no sul da Bahia (Veracel/Stora Enso). São áreas que pertencem à União e estão indevidamente apropriadas por grandes empresas, enquanto se alega que há falta de terras para assentar trabalhadores rurais sem terras.

4. Os inimigos da Reforma Agrária querem transformar os episódios que aconteceram na fazenda grilada pela Cutrale para criminalizar o MST, os movimentos sociais, impedir a Reforma Agrária e proteger os interesses do agronegócio e dos que controlam a terra.

5. Somos contra a violência. Sabemos que a violência é a arma utilizada sempre pelos opressores para manter seus privilégios. E, principalmente, temos o maior respeito às famílias dos trabalhadores das grandes fazendas quando fazemos as ocupações. Os trabalhadores rurais são vítimas da violência. Nos últimos anos, já foram assassinados mais de 1,6 mil companheiros e companheiras, e apenas 80 assassinos e mandantes chegaram aos tribunais. São raros aqueles que tiveram alguma punição, reinando a impunidade, como no caso do Massacre de Eldorado de Carajás.

6. As famílias acampadas recorreram à ação na Cutrale como última alternativa para chamar a atenção da sociedade para o absurdo fato de que umas das maiores empresas da agricultura - que controla 30% de todo suco de laranja no mundo - se dedique a grilar terras. Já havíamos ocupado a área diversas vezes nos últimos 10 anos, e a população não tinha conhecimento desse crime cometido pela Cutrale.

7. Nós lamentamos muito quando acontecem desvios de conduta em ocupações, que não representam a linha do movimento. Em geral, eles têm acontecido por causa da infiltração dos inimigos da Reforma Agrária, seja dos latifundiários ou da policia.

8. Os companheiros e companheiras do MST de São Paulo reafirmam que não houve depredação nem furto por parte das famílias que ocuparam a fazenda da Cutrale. Quando as famílias saíram da fazenda, não havia ambiente de depredações, como foi apresentado na mídia. Representantes das famílias que fizeram a ocupação foram impedidos de acompanhar a entrada dos funcionários da fazenda e da PM, após a saída da área. O que aconteceu desde a saída das famílias e a entrada da imprensa na fazenda deve ser investigado.

9. Há uma clara articulação entre os latifundiários, setores conservadores do Poder Judiciário, serviços de inteligência, parlamentares ruralistas e setores reacionários da imprensa brasileira para atacar o MST e a Reforma Agrária. Não admitem o direito dos pobres se organizarem e lutarem.
Em períodos eleitorais, essas articulações ganham mais força política, como parte das táticas da direita para impedir as ações do governo a favor da Reforma Agrária e "enquadrar" as candidaturas dentro dos seus interesses de classe.

10. O MST luta há mais de 25 anos pela implantação de uma Reforma Agrária popular e verdadeira. Obtivemos muitas vitórias: mais de 500 mil famílias de trabalhadores pobres do campo foram assentados. Estamos acostumados a enfrentar as manipulações dos latifundiários e de seus representantes na imprensa.

À sociedade, pedimos que não nos julgue pela versão apresentada pela mídia. No Brasil, há um histórico de ruptura com a verdade e com a ética pela grande mídia, para manipular os fatos, prejudicar os trabalhadores e suas lutas e defender os interesses dos poderosos.

Apesar de todas as dificuldades, de nossos erros e acertos e, principalmente, das artimanhas da burguesia, a sociedade brasileira sabe que sem a Reforma Agrária será impossível corrigir as injustiças sociais e as desigualdades no campo. De nossa parte, temos o compromisso de seguir organizando os pobres do campo e fazendo mobilizações e lutas pela realização dos direitos do povo à terra, educação e dignidade.

São Paulo, 9 de outubro de 2009

DIREÇÃO NACIONAL DO MST

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