Escrito por Paulo Metri
O presidente Fernando Henrique Cardoso escreveu recentemente um artigo intitulado "Petróleo novamente", publicado em dois grandes jornais, um do Rio e outro de São Paulo. Concordo com o presidente que o petróleo "pode tornar-se uma das molas de nosso desenvolvimento futuro". Concordo, também, que "a chamada Lei do Petróleo, de 1997, preservou o monopólio da União sobre o subsolo". Aliás, devemos dar parabéns ao presidente por reconhecer, finalmente, que hoje o monopólio é só sobre o petróleo no subsolo, fato que era negado veementemente na época da discussão desta lei. Ainda atualmente, alguns dos correligionários do presidente dizem o eufemismo que "não houve quebra do monopólio e, sim, flexibilização do mesmo".
O presidente buscou enaltecer a Lei do Petróleo (9478), editada no seu governo, obviamente sem identificá-la como uma das iniciativas neoliberais do período, quando muitas estatais foram privatizadas, quase todas as barreiras alfandegárias foram retiradas, a proteção à empresa genuinamente nacional foi extinta, incentivo e crédito para o capital estrangeiro foram criados, a economia foi desregulamentada, todos os monopólios estatais, exceto o nuclear, foram quebrados, e foram obtidos como reflexos a falência de muitas empresas, a desnacionalização da economia, o aumento do desemprego, a diminuição do salário médio dos trabalhadores, a piora da distribuição de renda etc.
Descrito o pano de fundo deste governo, pode-se dizer, com relação à lei em pauta, que ela entrega a posse do petróleo para quem o descobre e produz, taxa pouco a produção petrolífera, não induz as compras locais, nem o desenvolvimento tecnológico do país, e gera poucos empregos. Além disso, no seu artigo primeiro, ela busca descrever os objetivos de uma política energética nacional, quando demonstra interesse em satisfazer ao consumidor e não menciona preocupação alguma para com o cidadão. A lei cria a Agência Nacional do Petróleo (ANP), que tem como incumbência principal não declarada satisfazer aos investidores estrangeiros. Cria também o Conselho Nacional de Política Energética (CNPE), órgão que é usado para transmitir à sociedade a impressão de seriedade nas atitudes do setor energético, o que ocorre, por exemplo, ao aprovar uma rodada de leilões de blocos para exploração e produção de petróleo, que, entretanto, significa uma entrega de patrimônio socialmente desinteressante.
O presidente FHC diz, em um passe de mágica, que outro aspecto importante da legislação atual é a existência de critérios que, nos leilões, favorecem as empresas que se comprometem a comprar produtos nacionais para os projetos de exploração. Existe, realmente, este critério de avaliação das propostas concorrentes nos leilões, ou seja, quem mais promete comprar localmente, melhor pontuação recebe. Contudo, o que o presidente não fala é que a multa por não cumprir o prometido é baixa, não sendo necessário cumprir a promessa. Às vezes, uma rápida verificação sobre o que está ocorrendo comunica de forma mais efetiva. Excetuando a Petrobrás, que, em todas as épocas, sempre procurou comprar ao máximo no Brasil, não é conhecida nenhuma empresa estrangeira que tenha comprado uma plataforma no Brasil ou tenha buscado resolver algum problema tecnológico de peso também no Brasil.
Continuando seu número de prestidigitação, o presidente FHC diz que a experiência de mais de dez anos de funcionamento do modelo é muito bem-sucedida. Segundo ele, em 1993, produziram-se 693 mil barris de petróleo por dia; em 2002, alcançou-se 1,5 milhão de barris; em 2009, atingiu-se 2 milhões de barris, sendo que o maior salto na produção se deu entre 1997 e 2002, dentro do seu período de governo. Um amigo do presidente precisa explicar para ele que, ao ver um céu estrelado, por exemplo, apesar de sua retina estar sendo sensibilizada no momento presente, ele vê luzes que saíram das suas origens a milhões de anos-luz atrás. Assim, os barris de petróleo que constam das produções anuais de petróleo até 2002 foram descobertos, na sua totalidade, durante o período do monopólio estatal. Mais de 95% dos barris da produção de 2009 foram descobertos antes da edição da Lei do Petróleo em 1997. Ou seja, qualquer que fosse o modelo estas produções já iam acontecer.
Os coelhos continuam a sair da cartola do presidente, quando diz: "Os recursos obtidos pela União foram substanciais e muito maiores do que os dividendos distribuídos aos acionistas privados". Esta afirmação é óbvia porque a União recebe 40% dos dividendos da Petrobrás e os acionistas privados 60%, mas a União recebe ainda uma boa parcela do royalty e da participação especial sobre o lucro da produção de todas as empresas. Mas, isso é o mínimo que poderia acontecer. E o presidente continua: "A União recebeu em 1999, como pagamento de bônus de assinatura, royalties ou participações especiais, cerca de R$ 2 bilhões. Em 2007, foram mais de R$ 17 bilhões, a maior parte deles decorrente de participações especiais, passíveis de serem aumentadas por um simples decreto". O presidente não diz que estas receitas se devem à concessão de blocos cujo valor esperado da receita do petróleo produzido é dezenas de vezes maior que estes valores. Finalmente, ele usa o argumento de que, se é desejado o aumento da arrecadação do pré-sal, bastaria mudar por decreto as alíquotas da participação especial, sem precisar mudar a lei 9.478. O presidente volta a se esquecer de dizer algo. No caso, que, se não mudar a lei, os usos da arrecadação terão que ser os existentes na lei, sendo impossível criar o Fundo Social.
O presidente continua pedindo mais discussão, com o apelo: "Então, por que mudar o regime agora?". Entendo a estratégia do presidente, pois, analisando a correlação de forças hoje no Congresso, a força dele é comparativamente fraca e há possibilidade de melhoria da sua posição em um novo Congresso. Sugiro isonomia de tratamento entre o pedido atual do presidente e o pedido análogo feito no passado pelas forças progressistas quando ele era o comandante das reformas constitucionais. Naquela época, ele atropelou e passou o trator na oposição.
Mas o espetáculo maior de ilusionismo do presidente está no parágrafo em que ele reclama do risco de politização, porque "o novo arranjo reduz ao mínimo o papel da ANP, cria uma outra estatal, ... e dá muitos poderes ao Ministério de Minas e Energia". Contudo, um risco abusivo de politização não ocorreu exatamente com a criação da ANP, que durante seu governo teve total liberdade para promover quantas rodadas de licitações quisesse, incluir em cada rodada quantos blocos de quaisquer regiões e com as dimensões que desejasse? Não é considerado por ele como interferência política colocar administradores na Petrobrás para prepará-la para sua privatização, mandando comprar plataformas em Singapura, querendo mudar seu nome, criando unidades de negócio, visando seu futuro fatiamento?
O presidente faz mais críticas específicas. No entanto, o que pode ser resumido e transmitido para o leitor é que, quando comparados estes dois modelos de organização do setor de petróleo, compostos pela Lei do Petróleo e pelos projetos de lei recém remetidos ao Congresso, o modelo proposto tem aspectos bem mais atrativos para a sociedade brasileira, que são mostrados a seguir.
Uma maior parcela do petróleo produzido terá sua comercialização exercida por entidade do Estado brasileiro, o que permitirá, se desejado, a realização de ações geopolíticas e estratégicas.
Devido a este modelo, o Estado terá o controle da gestão dos diversos consórcios, relacionados aos blocos, garantindo, além de uma velocidade de desenvolvimento e produção adequada aos interesses da nossa sociedade, a produção não predatória dos campos.
Uma maior parcela do lucro da atividade petrolífera será remetida para o Estado, que deverá aplicá-la principalmente na área social, através do Fundo Social.
A escolha da Petrobrás para ser a operadora única dos blocos remanescentes do pré-sal irá garantir a maximização das compras locais e a utilização de centros de pesquisas e universidades do país para a resolução de problemas tecnológicos.
O novo modelo recupera a soberania brasileira no setor de petróleo, no momento em que o pré-sal, com risco geológico consideravelmente menor e a rentabilidade definitivamente maior, foi descoberto pela Petrobrás, nossa empresa fruto do monopólio estatal.
Os instrumentos da mágica do presidente são a linguagem, a transfiguração de fatos diversos, incluindo aqueles relacionados ao modelo da Lei do Petróleo, o uso de conceitos neoliberais e de pouco interesse para nosso povo, que, entretanto, são amplamente divulgados nos meios de comunicação não comprometidos com a sociedade brasileira. Divulgados, inclusive, no limite da exaustão para tornarem-se verdades.
Paulo Metri é conselheiro da Federação Brasileira de Associações de Engenheiros.
Fonte:Correio da Cidadania.
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