quinta-feira, 15 de outubro de 2009

A POLÍCIA MATA, A JUSTIÇA ENTERRA E A MÍDIA APLAUDE.

Copiado do Blog "Vi o Mundo".

por Marcelo Salles, na Caros Amigos

O desembargador Sérgio Verani, da 5a. Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio, é autor do livro “Assassinatos em nome da lei”, um estudo sobre dezenas de autos de resistência entre as décadas de 70 e 80. A obra faz duras críticas ao Ministério Público e ao Poder Judiciário: “O discurso sobre a neutralidade jurídica e a imparcialidade técnica apenas dissimula o seu caráter de classe”, escreve Verani, para quem tal ideologia se materializa numa política de extermínio levada a cabo por sucessivos governos, conforme explica nesta entrevista à Caros Amigos (o delegado Orlando Zaccone participou como entrevistador).

Caros Amigos - Como o senhor analisa os autos de resistência?

Sérgio Verani - Há muitos anos que são mais de cem autos de resistência, naquela estatística [divulgada pelo Instituto de Segurança Pública, órgão estadual]. Lembro que quando chegou a cem foi com o Garotinho, e aí ele disse assim: “Ah, então isso significa que a polícia está trabalhando”. Acho que é um escândalo.

Pode resumir como fica essa negação da Lei?

É uma morte, na verdade seria um homicídio qualificado, que exige um processo pra apurar a autoria, mas nada. Não há o processo. A lei aqui não se aplica, não funciona.

O que mudou da ditadura de 1964 para hoje?

Agora há mais autos de resistência do que na ditadura. Acho que agora é mais escancarado. Na ditadura havia um clamor “ah, a polícia apontou a arma!”. Agora aponta até para os professores. Pra outras pessoas aponta mais, mata muito mais. Não é que o auto seja forjado. É uma prática de extermínio. Forjadas talvez sejam as justificativas.

Para dissimular execuções?

É, porque a execução é evidente. Com dez tiros nas costas, como é que pode essa vítima estar se defendendo? Eu enxergo uma política de extermínio. Mais recrudescida nesse século 21, como consequência do próprio sistema político baseado no capital. Quando é que aparece o Estado? Só aparece na repressão. Eu acho que não tem saída no capital, só vai exacerbando essa repressão. E o extermínio faz parte, tem que matar as pessoas, é a lógica do capital, da sociedade fundada assim.

O que o senhor quer dizer com “capital”?

A constituição social, a estrutura econômica fundada no capital, a propriedade privada. Essa ideia da saída do Estado das políticas públicas. Não tem mais
médico no Estado, é tudo contratado. Aliás, não tem mais funcionário público. Tem toda a questão da mídia também, quando diz: “Dez traficantes foram
mortos”. Já com estudante é diferente. Pra quem lê o jornal também. As pessoas não ficam muito horrorizadas se dez traficantes são mortos. O discurso do governador interfere... Quando ele fala “vamos continuar enfrentando os traficantes”, alimenta o confronto, “aqueles são os inimigos, podem morrer”.

Como funciona a cabeça dos seus colegas?

Suponho que funcione como uma legitimação de que a pessoa pode morrer. Acho que é um desprezo pela vida do outro, porque é o cara que mora lá no morro, não faz parte da vida da pessoa, não tem relação, é um desprezo.

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