"Os trabalhadores rurais sem-terra acabam de invadir uma propriedade no Pontal do Paranapanema", gritou um dos produtores da emissora, que ainda hoje captura a atenção de três dos cinco brasileiros que têm TV no país. Era abril de 2001. (O Abril Vermelho) Imediatamente, a editora-chefe encomendou uma nota para mim.
Por Marco Aurélio Mello, no blog Doladodelá
Liguei para a “praça”, para apurar a notícia. Não teríamos imagens, porque o local era distante demais da emissora daquela região. Quanto aos fatos, sabíamos apenas que não houve uso da força e não havia ninguém na área, apenas um bosque e um enorme pasto, sem uso. O MST informava que tratava-se, não de invasão, mas de ocupação da área, que pertencia à União, era terra devoluta.
Devoluta? Lá fui eu ao dicionário pesquisar direito o que era isso. Descobri que o termo derivava de uma lei de D. Pedro I, de 1850. Eram as terras devolvidas ao Reino de Portugal, caso não se tornassem produtivas no prazo de seis anos. Atualmente, a terra é considerada devoluta quando é possível comprovar que não é registrada, nem possuída por ninguém e está desabitada.
Escrevi a nota dizendo mais ou menos isso (em 30 segundos!). No dia seguinte havia uma determinação do Rio (nunca dizem quem determinou, mas instintivamente a gente sabe...). A ordem era para que, a partir daquele dia, tratássemos as ações do MST de forma padronizada. No lugar de ocupação, teríamos que grafar invasão. Não falaríamos em 'terras devolutas, porque o povão não entenderia'. E acompanharíamos a decisão da justiça sobre a reintegração, ou não, da posse.
Era um ponto de inflexão, se é que me permitem a licença poética. Aos poucos, e sem alarde, estávamos criminalizando um dos mais legítimos movimentos reivindicatórios da história do país. Aquele que, em 1996/97 marchou para Brasília e à força incluiu o tema na pauta do Governo de plantão.
Hoje, quem diria, até o Kotscho faz coro contra os sem-terra. Ele se esquece dos “provocadores”, dos “infiltrados”, dos “policiais a serviço dos grileiros”, das “demandas sociais de outros excluídos”, que encontram refúgio no MST e, às vezes, excedem. Mas, mais do que isso, Kotscho se esquece do saldo de 1.600 mortos em conflitos agrários. Que mundo é possível, vendo a realidade por lentes assim. Sinceramente, eu não sei...
Site: O Vermelho
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