domingo, 31 de janeiro de 2010

CHILE - Um empresário milionário à frente do Chile.

Um empresário milionário à frente do Chile criar PDF versão para impressão enviar por e-mail
29-Jan-2010
Sebastian PiñeraJá há quem chame ao novo presidente chileno, Sebastian Piñera, o "Berlusconi chileno". Um dos homens mais ricos do país, controla a cadeia de televisão Chilevisión, a companhia de aviação Lan Chile e o clube de futebol Colo Colo. Por Frank Gaudichaud, Centre Tricontinental


É um furacão histórico o que o Chile acaba de viver, no seguimento da segunda volta das eleições presidenciais no passado dia 17 de Janeiro. Pela primeira vez, há mais de cinco décadas, a direita conquista o governo "pelas urnas": o último presidente de direita eleito foi Jorge Alessandri, em... 1958. Referindo-se à transição democrática que pôs fim à ditadura do general Augusto Pinochet (1973-1989), alguns analistas não hesitam em falar de uma "segunda transição". Segundo eles, esta primeira alternância desde o fim da ditadura seria até prova de uma boa saúde democrática. Depois de dezassete anos de um terrorismo de Estado que pôs fim à experiência da Unidade Popular de Salvador Allende, e a duas décadas de uma democracia sob a tutela de uma "transição de pacto", conduzida pela Concertação dos Partidos para a Democracia - coligação de circunstância entre o Partido Socialista (PS) e o Partido Democrata Cristão (PDC) - o povo chileno conheceria daí em diante as alegrias da alternância.

No seu primeiro discurso, o vencedor, o empresário multimilionário Sebastian Piñera, apelou à "unidade nacional" e reiterou os seus argumentos de campanha favoritos, entre os quais a luta contra "a delinquência e o narcotráfico", a gestão de um "Estado eficaz" com "muito músculo e pouca gordura", ao mesmo tempo que se dizia preocupado com a sorte "dos mais fracos e da classe média". Prometeu durante a campanha criar um milhão de empregos...

Em quase sete milhões de votos expressos, o candidato eleito conquistou a segunda volta com 51,6% dos votos em nome da Coligação Para a Mudança que reúne a direita liberal - Renovação Nacional (RN), de onde ele vem - e os sectores católicos e conservadores da União Democrática Independente (UDI), herdeiros directos da ditadura. O antigo presidente democrata-cristão Eduardo Frei (1994-2000), que defendia as cores da Concertação, obtém 48,4%.

Esta eleição vem pôr fim a um ciclo de quatro executivos concertacionistas consecutivos: uma classe política indefinidamente instalada na máquina do estado e bem adaptada ao modelo económico herdado da ditadura, assim como à Constituição autoritária de 1980, várias vezes emendada mas nunca posta em causa. Para além da falta de carisma de Frei e da ausência de renovação geracional, a Concertação parece ter perdido o fôlego. Isto, apesar da grande popularidade da presidente cessante, a socialista Michelle Bachelet, e de um balanço, que contou com o apoio da maioria das elites do país, para o qual se conjugaram a abertura económica às multinacionais e a mercantilização dos serviços públicos, a partir de 2000, com uma política social destinada aos mais pobres.

Piñera apressou-se a anunciar que não fará "tábua rasa" do período anterior e que está aberto à "democracia dos acordos", tal como foi praticada até agora.

A eleição de 17 de Janeiro marca, sem dúvida, o fim da Concertação tal como ela existiu, e vai acelerar as tensões internas entre o pólo democrata-cristão e o PS. A dicotomia democracia-autoritarismo que estruturava o sistema político da "transição de pacto" e que permitia à Concertação invocar "um mal menor" em caso de segunda volta, ou justificar reformas feitas "na medida do possível", já não funciona. Nascida em 1988, a coligação teve como função essencial negociar uma saída da ditadura com os militares e as classes dominantes.

Este pacto significou a aceitação do modelo neoliberal dos "boys de Chicago", inúmeros acordos parlamentares com a direita, a manutenção de toda uma parte da herança institucional autoritária (Constituição, sistema eleitoral binominal, código do trabalho, lei da amnistia) e a garantia de uma ampla impunidade para os responsáveis por violação dos direitos do homem1.

Este escrutínio, o primeiro depois da morte do general Pinochet em 2006, inscreve-se num campo político cuja fluidez crescente, acentuada pelo renovar das lutas sociais, acelerou ao longo dos últimos meses. A crise dos partidos governamentais concretizou-se a partir da primeira volta, nomeadamente com a candidatura dissidente de Marco Enríquez Ominami (MEO)2, ele próprio saído da Concertação. O seu discurso crítico, alternando algumas medidas progressistas e um programa económico liberal de fundo desestabilizou as forças políticas tradicionais. Ominami soube atrair os votos de uma parte da juventude escolarizada, das classes médias urbanas e captou nada menos que 20% dos votos na primeira volta, para finalmente - pouco antes da segunda volta - apoiar publicamente Frei.

Marginalizado na onda de um imenso show político televisivo, o Partido Comunista e os seus aliados - ao som de "Juntos Podemos" - tentaram defender a candidatura de Jorge Arrate (também ele saído do PS e ex-ministro), com um programa que propunha reformas sociais, um regresso dos serviços públicos, uma mudança da Constituição e uma aliança «instrumental» ao nível das eleições legislativas com a Concertação, visando romper "a exclusão institucional" da esquerda extraparlamentar. O PC e a sua coligação Juntos Podemos - 6,2% dos votos na primeira volta e três deputados - apelaram ao voto em Frei a troco de "doze pontos de compromisso" do candidato concertacionnista.3

No seio da esquerda, a fragmentação continua a dominar, mas são muitos os militantes, como o Movimento dos Povos e dos Trabalhadores (MPT) - reunindo várias pequenas organizações anticapitalistas - que fizeram campanha para "o voto nulo", denunciando a ausência de candidatos "independentes do sistema" e, por conseguinte, de alternativa. Apesar de tudo, uma parte importante do movimento sindical, entre ela a Central Unitária dos Trabalhadores (CUT), uniram-se à candidatura centrista contra uma direita considerada "perigosa" para os direitos dos trabalhadores.

Entretanto, a campanha de Frei não propôs perspectivas reais face à imensidade das desigualdades sociais de que o Chile é um dos campeões da América Latina... Contrariamente a uma direita que modernizou a sua imagem com grande investimento na comunicação, Frei insistia demasiado na continuidade dum governo marcado, durante o seu mandato, por novas privatizações, pelo encerramento da maioria dos média independentes ou ainda pela recusa de ver Pinochet ser extraditado pelo juiz Garzón.

Quanto aos jovens, são mais de dois milhões os que não estão recenseados, por não se reverem numa representação nacional que consideram afastada das suas preocupações quotidianas4. Esta saturação é também a de certos intelectuais de renome, como o historiador Sergio Grez, que afirmava: "Qualquer que seja o resultado da eleição presidencial, os habitantes deste país continuarão a sofrer do modelo neoliberal que os dois candidatos à presidência da república - com algumas nuances - pretendem consolidar."

Neste país, que conheceu, ao longo dos últimos 30 anos, uma verdadeira "revolução capitalista", para pegar na expressão do sociólogo Tomás Moulian, a cidadania dá muitas vezes lugar a uma forte despolitização. A constatação do jornalista Mauricio Becerra é amarga: "O fim do cenário estava à vista: dando tanto poder ao grande capital, foi o patronato que acabou por tomar o controlo do Estado (...). Pouquíssimas empresas públicas estão ainda por privatizar. A subjectividade individualista neoliberal molda os protótipos de identidade. A concentração de todos os medos sobre os delitos contra a propriedade, mais do que sobre a insegurança social ou a falta de participação, instalou-se no imaginário colectivo5"

Por vezes apelidado de "Berlusconi Chileno", Piñera é um dos homens mais ricos do país, com uma fortuna avaliada em 840 milhões de euros (setecentésima fortuna do mundo na classificação da Forbes 2009). Enriqueceu durante a ditadura - em parte de forma fraudulenta, segundo revelam os jornais La Nación et El Siglo - e controla uma das principais cadeias de televisão - Chilevisión -, a companhia de aviação Lan Chile e um importante clube de futebol (Colo Colo).

Os investidores não se enganaram: no dia seguinte à eleição, as acções na Bolsa das empresas tiveram uma alta de 13,8%... Para além disso beneficia do apoio directo dos grandes meios de comunicação, o que lhe permitiu conduzir uma campanha mediática ofensiva e demarcar-se da sombra da ditadura que continua a pairar sobre a direita chilena. Piñera, que recorda o seu voto "não" no referendo de 1989 contra o general Pinochet, não hesita, porém, em afirmar que contará com a colaboração de antigos membros do regime militar se as suas qualidades puderem servir o país. Os parlamentares ultraconservadores da UDI aguardam também do novo governo o que lhes é devido: já que a direita controla metade das câmaras, a UDI possui por si só 40 deputados (um terço dos lugares) e oito senadores (em igualdade com a RN).

Nesta base, são seguramente quatro anos difíceis que aguardam as famílias dos presos desaparecidos durante a ditadura, o povo Mapuche mobilizado no sul do país, os cidadãos que aguardam uma Assembleia Constituinte e, mais amplamente, o movimento social e sindical, verdadeiras ovelhas negras de Piñera. Mas este furacão político vai também pesar no plano regional. É por trás dos Estados unidos, ao lado do Peru, da Colômbia (o presidente Alvaro Uribe é um dos exemplos a seguir, segundo Piñera) e face ao eixo "boliviano" (Venezuela, Equador, Bolívia, Cuba) que se situará o Chile, a partir de Março próximo, no plano geopolítico. Esta chegada de uma direita descomplexada à Moneda, o palácio presidencial que viu a morte do presidente Allende a 11 de Setembro de 1973, terá agora um impacto bem para além da Cordilheira dos Andes, no momento em que os povos da América Latina tentam afirmar a sua independência face aos gigantes do Norte.

(22 de Janeiro de 2010)

Tradução de Deolinda Peralta

1 Felipe Portales, Chile, una democracia tutelada, Editorial Sudamericana, Santiago, 2000.

2 Marco Enríquez Ominami é o filho do revolucionário Miguel Enríquez, assassinado pelos militares em 1974.

3 O PC deixa porém transparecer uma aliança de mais longo prazo com o PS e certos sectores progressistas da Concertação no Parlamento.

4No total, são menos os cidadãos que participam nas eleições desde 1988: 31% dos chilenos em idade de votar, isto é, 3,8 milhões de pessoas, não estão sequer recenseados (no Chile, o voto é obrigatório).

5 "Se van los capataces y vuelve el patrón", El Ciudadano. http://www.cetri.be/spip.php?article1520
Fonte:Esquerda.net

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