Enviado por: Rodrigo
Difícil imaginar uma semana tão representativa dos elementos políticos ambíguos e multifacetados do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e seu governo quanto a que se inicia hoje. Amanhã, Lula comparece ao Décimo Forum Social Mundial (FSM), em Porto Alegre, onde deve ser aclamado por militantes e simpatizantes petistas de mais ou menos vagas inspirações ideológicas socialistas como o presidente que, além de adotar um dos maiores programas de transferência de renda do mundo, soube, como poucos, nos períodos mais nebulosos e turbulentos da crise mundial, demonstrar a importância do Estado como indutor da atividade econômica. Apenas dois dias depois, o presidente brasileiro viaja para a montanhosa Suíça, mais precisamente para Davos, tradicional sede do Forum Econômico Mundial, onde vai receber da nata financeira mundial, da cúpula dirigente da globalização à qual o FSM se diz opor, o prêmio de Estadista do Ano. Uma agenda nunca foi tão reveladora.
Se o slogan do Forum Social está correto, e um “outro mundo é possível”, Lula sabe transitar nessa realidade alternativa esbanjando popularidade ao mesmo tempo que mantém firmes os laços com o outro mundo, o das finanças globais e dos grandes investidores e conglomerados empresariais, que não deixam de aplaudir os governantes capazes de manter, com segurança e sem surpresas de heterodoxia elevada, a lucratividade de suas empreitadas, mesmo naqueles momentos em que as bolsas de valores do globo parecem estar mergulhadas em espirais de volatilidade. O passaporte que qualifica Lula para atravessar as fronteiras entre os dois mundos é tão generoso que o máximo de constrangimento enfrentado em um dos eventos foi ter ficado de fora do conchavo de presidentes da Alternativa Bolivariana para as Américas (Alba), organizado pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra no FSM do ano passado, em Belém.
Os poderes de Lula, no entanto, não são ilimitados. Se, para o presidente, o trânsito entre os dois fóruns é livre, é porque a distância entre os jovens de aparência desleixada de Porto Alegre e os engravatados elegantes de Davos não é tão grande assim. Uma evidência disso é a aparente incerteza que toma conta dos rumos do FSM. O evento surgiu em 2001 para ser uma espécie de desafio à hegemonia reinante do neoliberalismo, como os próprios organizadores costumam definir. Desde que a crise econômica levou a maior parte dos líderes mundiais que ainda se apegavam à ideologia de Friedman e Hayek a deixá-la um pouco de lado, o FSM está desnorteado. Seus dirigentes não param de se gabar lembrando que a crise, causada em última instância pela desregulamentação dos mercados tão apregoada pelo neoliberalismo, é a prova de que eles, e não os arautos de Davos e das instituições financeiras multilaterais, “estavam certos”. O problema é que o FSM nunca chegou a condensar uma proposta para a humanidade de qual seria, então, o “outro mundo” que é possível. A razão de existir do forum era opor-se a um determinado conjunto de diretrizes econômicas. Agora que elas não estão mais em voga, os organizadores lutam para encontrar uma nova motivação que integre seus participantes.
Se, como preconizam os guias por trás do gigantesco evento em Porto Alegre, o novo desafio for justamente construir outro modelo de desenvolvimento sustentável, o FSM esbarrará na ausência de uma maior organização política capaz de transformar a possibilidade vislumbrada em seu slogan em realidade. Desenhado para ser amplo e descentralizado, o forum funciona como um aglomerado difuso de organizações não governamentais e entidades da sociedade civil das mais variadas esferas de atuação. Incapaz de se colocar como uma alternativa de poder, de conquista de governos, ou de incluir suas reivindicações nos programas de administrações já existentes, os integrantes do FSM têm muitas iniciativas isoladas e pontuais para demonstrar, em geral cada uma na sua respectiva área de atuação, mas nada de efetivo e articulado a nível global como pretendem. É esse tipo de vácuo que possibilita, entre outras coisas, que premiados de Davos como Lula possam ser recebidos com alguma dose de entusiasmo em Porto Alegre.
Fonte:JB online
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