quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

FSM - A crise pode dar à luz o outro mundo possível.

Nas sociedades futuras, os jovens não trabalharão antes dos 25 anos de idade e terão educação plena com a graduação universitária como piso, e não como meta final, enquanto as jornadas de trabalho para todos poderão ser reduzidas para 12 horas semanais. A construção dessa “sociedade superior” imaginada por Marcio Pochmann, presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), seria financiada com fundos públicos provenientes do imposto sobre os lucros financeiros mundiais, que hoje correspondem a dez vezes a riqueza da economia real.

A reportagem é de Mario Osava, da IPS e publicada pela Agência Envolverde, 28-01-2010.

É que o adiamento da entrada dos jovens no mercado de trabalho, para permitir que estudem, já é uma prática comum nas famílias ricas e agora deve ser generalizada, reduzindo a oferta de mão-de-obra e o desemprego, disse este especialista em Economia do Trabalho. Essa reorganização social nascerá de lutas e pressões que exigem novas formas de associação além da sindical, acrescentou Pochmann, ao falar no seminário “Progresso para quê e para quem”, no Fórum Social Mundial Grande Porto Alegre, que começou segunda-feira e terminará amanhã em vários locais da região metropolitana da capital do Rio Grande do Sul.

De todo modo, a nova civilização será necessária porque o atual modelo de consumo é insustentável, disse, e deu como exemplo as novas moradias, maiores, mas onde vive um terço das pessoas que abrigavam há um século. “Em Barcelona, em um terço das casas vive uma única pessoa”, acrescentou Pochmann. Mas é esse consumo que se tenta manter com as medidas adotadas, liberando bilhões de dólares para salvar grandes corporações e bancos para evitar o aprofundamento da crise financeira internacional, que "é sistêmica mas não tão intensa como previsto" e será prolongada como a recessão japonesa dos anos 90, previu.

As variadas problemáticas, como a climática, a financeira e a hídrica, estão convergindo para uma crise global da civilização, que abre oportunidades e exigem mudanças, disse, por sua vez Ladislau Dowbor, professor de Economia da Universidade Católica de São Paulo. Dowbor assumiu as 12 propostas do estudo “Crises e oportunidades”, que escreveu em conjunto com o “ecossocioeconomista” franco-polonês Ignacy Sachs e o diretor-executivo do Instituto das Nações Unidas para a Formação Profissional e Pesquisas, Carlos Lopes, originário da Guiné-Bissau.

Entre as primeiras sugestões destes especialistas, que buscam alternativas “viáveis” à irracionalidade do atual sistema, estão o resgate da dimensão pública do Estado – mudando o sistema de eleição de governantes com dinheiro das grandes empresas –, bem como a possibilidade de revisar as contas do produto interno bruto, que cresce com o desmatamento e aumento da mortalidade infantil, já que madeira, remédios e serviços médicos são produtos de mercado. Também assegurar o direito à vida, com uma renda básica e fontes de renda para todos, mudar o estilo de vida, tomar o controle público das finanças taxando as operações especulativas, revisar a lógica tributária e orçamentária, facilitar o acesso a tecnologias sustentáveis.

Dowbor, autor do livro “Democracia econômica”, está ligado a um grupo de economistas de diferentes países que pensam o “pós-desenvolvimentismo”. A economia social, que no Brasil tem uma vertente mais limitada, chamada “solidária”, está crescendo e pode se fazer predominante logo, sucedendo a baseada na produção material, disse Dowbor à IPS. Saúde, educação e serviços variados, “intangíveis ou imateriais”, já representam grande parte da economia em muitos países, afirmou.

Por isso, entende que deixar o estilo de vida consumista é possível. Na França, foram desenvolvidos edifícios que consomem um décimo da energia de que necessitam os convencionais, disse como exemplo. Em Utah, Estados Unidos, o tempo semanal de trabalho diminuiu quatro dias, uma tendência que pode crescer sem que isso implique diminuir a economia, mas fazendo emigrar atividades para outras áreas, como a cultural, destacou.

Por sua vez, o indiano Prabir Purkayastha defendeu o “conhecimento livre”, abolindo a propriedade intelectual, porque deve “pertencer a todos e é infinito”, já que não se gasta com o uso. A reorganização da economia exige novas tecnologias adequadas, inclusive na pequena produção que deve ser fortalecida, no que China e Índia acumulam numerosas experiências, afirmou. Ao falar no debate “Progresso para quê e para quem”, este economista e ativista pela paz enfatizou o “consumo e desenvolvimento excessivos” de alguns países.

Destacou que a brutal desigualdade persistente no mundo também é insustentável. Na Índia, metade das casas não tem ligação elétrica e a pobreza absoluta afeta uma proporção semelhante da população, alertou. O desafio, então, é combater a pobreza sem promover o mesmo tipo de consumo adotado nos países industrializados.

Na Bolívia, o governo de Evo Morales, aproveitando o acúmulo de forças da sociedade, obteve avanços impressionantes, com a inclusão na Constituição do conceito de “bem viver”, originado na cultura indígena aymara, bem como dar poder aos povos com os princípios ambientalistas fundamentais. Mas suas políticas econômicas se baseiam na Iniciativa de Integração da Infra-Estrutura Regional Sul-Americana (IIRSA), do velho espírito “desenvolvimentista”, em frontal contradição com as conquistas constitucionais, questionou Gustavo Soto, do Centro de Estudos Aplicados em Direitos Econômicos, Sociais e Culturais da Bolívia.
Fonte:IHU

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