artigo de Roberto Nicolsky
"Exportamos cinco toneladas de soja ou quatro de minério de ferro pelo preço de um laptop, cuja produção gerou muito mais empregos e renda"
Roberto Nicolsky é físico e diretor-geral da Sociedade Brasileira Pró-Inovação Tecnológica (Protec). Artigo publicado no "Correio Braziliense":
Felizmente o Brasil superou os principais reflexos da recente crise econômica mundial. Mas mesmo assim a economia brasileira, que entre 2006 e 2008 cresceu a uma taxa média de cerca de 5% ao ano, em 2009 não repetirá esse desempenho e deverá até encolher um pouco, conforme as estatísticas irão mostrar. A questão a se discutir, portanto, é se o modo de crescer que o governo vem praticando é sustentável.
O crescimento brasileiro tem sido puxado pelos produtos agropecuários, extrativos e primários. São as chamadas commodities, de muito pouco valor por unidade física. Crescemos também produzindo para o mercado interno mediante a expansão do crédito, o que levou famílias a consumir mais, mas também a aumentar muito o seu endividamento.
O inconveniente desse tipo de crescimento é que ele se sustenta na ascensão econômica, bem mais acelerada, de outros países, como a China. Os preços de commodities são definidos pela demanda do mercado mundial, e se nos últimos anos têm estado elevados é porque a China compra muito. São fatores que fogem ao nosso controle e qualquer mudança pode paralisar o nosso crescimento, como aconteceu em 2009.
Esses fatores, em conjunto com a apreciação do real frente ao dólar, geram forte pressão de substituição da produção interna por produtos importados, principalmente aqueles de maior intensidade tecnológica e maior valor agregado. Ou seja, exportamos cinco toneladas de soja ou quatro de minério de ferro pelo preço de um laptop, cuja produção gerou muito mais empregos e renda.
A indústria brasileira de transformação, que agrega tecnologia e deixa o produto pronto para o consumidor final, está crescendo bem menos do que o PIB. A nossa economia é cada vez mais produtora de commodities agropecuárias e minerais, de produtos básicos e de serviços simples, como o comércio.
A indústria instalada no país, seja eletrônica, farmacêutica etc. importa mais componentes com os quais finaliza ou monta os produtos, sem que o governo aja na defesa da renda e dos empregos industriais. Já tivemos a quinta indústria de bens de capital do mundo e hoje temos apenas a 14ª, com muito menos conteúdo tecnológico próprio. Isso é a desindustrialização! Entre 2006 e 2008, o deficit do comércio exterior em produtos de maior valor agregado e alta intensidade tecnológica quadruplicou, alcançando US$ 51 bilhões, enquanto exportávamos cada vez mais commodities.
A consequência desse arremedo de política industrial é que o crescimento da indústria de transformação tem sido inferior ao do PIB. Só em 2008, enquanto a Produção Interna Bruta (PIB) total cresceu 5,08%, a indústria de transformação registrou um acréscimo de apenas 0,85%, perdendo quatro pontos percentuais de participação no PIB, o que significa menor oferta de empregos de qualidade nos centros urbanos e menor massa salarial na economia.
Mas é possível crescer mais do que vimos crescendo? Claro que sim, pois esse é o desempenho de países como China e Índia, que têm crescimento entre 9% e 11% ao ano, puxado pelas manufaturas. Durante a crise que acarretou a redução do nosso PIB no primeiro semestre, a China cresceu 8,9% e a Índia 6,5% ao ano.
Como seria possível termos desempenho semelhante? Colocando o foco no desenvolvimento rápido da indústria de transformação, mediante investimentos na acelerada agregação de inovações tecnológicas com preservação ambiental e sem reduzir as atividades agropecuárias e de mineração.
Ou seja, ao invés de apenas esburacarmos cada vez mais a nossa terra e desmatarmos as nossas florestas para fazer pastos ou plantar soja, devemos usar a nossa criatividade para desenvolver e agregar as inovações que o mercado mundial quer em nossos produtos, de maneira compatível com a sustentabilidade - as chamadas tecnologias verdes -, tornando-nos altamente competitivos e disputando esse mercado até com produtores asiáticos, que ainda não têm ação ambiental consistente.
Este é o caminho para o país crescer de modo sustentável: investir pesadamente no desenvolvimento de tecnologia nacional e na incorporação de inovações em nossos produtos para que eles atendam o mercado global, gerando empregos qualificados e renda bem distribuída, sem prejudicar o meio ambiente. Fala-se que podemos crescer mais de 5% em 2010. É possível, se o rápido crescimento da China deixar, pois, como visto, esse modelo é para nós um crescimento insustentável.
(Correio Braziliense, 27/1)/ Desemprego Zero
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