A ligação umbilical entre as potências imperiais e as corporações midiáticas ajuda a explicar a cobertura amplamente favorável dada a todas as guerras de rapina. No caso das recentes invasões do Iraque e do Afeganistão, a manipulação atingiu seu ápice e confirmou uma antiga máxima do senador ianque Hiram Johnson: “A primeira vítima, quando começa a guerra, é a verdade”. Para o jornalista José Arbex Jr., as emissoras de TV ocupam papel destacado nesta farsa. “A televisão adquiriu enorme poder de transformar quase tudo em show, espetáculo, diversão... Em nossas casas, vemos tudo pela TV e temos a impressão de estar testemunhando ‘a’ verdade dos fatos, e não apenas ‘uma’ verdade, isto é, uma simples versão que alguém filmou, editou e veiculou” [15].
A Fox, do direitista Rupert Murdoch, foi a mais agressiva no apoio ao genocídio no Iraque e até chegou fazer campanha de boicote aos produtos franceses em repúdio ao governo deste país que criticou a “guerra”. Já a CNN abandonou o seu falso ecletismo. No primeiro dia da ocupação, ela introduziu a vinheta “começou a libertação” e criou um sistema de script approval (aprovação do original), forçando seus repórteres a enviarem as matérias a Atlanta antes de serem transmitidas ao mundo. Oficiais militares, muitos deles ligados às empresas contratadas pelo governo do EUA – como a firma de mercenários Blackwater – foram usados como “articulistas” pelas TVs [16].
Nas rádios, a retórica belicista foi descarada. A principal emissora comercial dos EUA, a Clear Channel Wordwide, convocou manifestações favoráveis à invasão e orientou suas 1.200 estações filiadas em 50 estados a não transmitir música de protesto e a atacar os ativistas da paz, tachados de “comunistas e antiamericanos”. Em Atlanta, um radialista esbravejou: “Estamos rodeados de loucos, de mulheres que não raspam as axilas e de lésbicas” [17]. Já na mídia impressa, caiu a máscara de muitos jornais e jornalistas “independentes”. Não foram apenas os veículos ligados aos neocons, como o Washington Times, da seita Moon, ou o New York Post, de Murdoch, que reforçaram a onda belicista. O Washington Post e o New York Times também verteram sangue.
Da mesma forma como já ocultara os efeitos das bombas atômicas em Hiroshima e Nagasaki, a mídia silenciou sobre o genocídio de um milhão de iraquianos, num dos piores capítulos de sua história. Para o jornalista Argemiro Ferreira, “ela desistiu de qualquer resistência, ainda que tímida, à histeria belicista do governo Bush”. Antes mesmo da invasão, “a grande maioria da mídia, liderada pelos excessos patrioteiros do magnata Rupert Murdoch, já estava quase totalmente dedicada ao papel de veiculadora passiva da propaganda bélica... Nenhum dos grandes veículos achou que deveria cumprir o dever primário de checar as supostas provas levadas à ONU – fantasiosas e fraudadas. Foi, enfim, um capítulo à altura da nossa mídia tupiniquim ao tempo da ditadura” [18].
A promíscua relação com o poder
No auge da histeria estadunidense, a mídia chegou a justificar as piores atrocidades do governo – o que também lembra o Brasil. Num artigo intitulado “É hora de pensar a tortura”, o articulista Jonathan Alter, da revista semanal Newsweek, escreveu: “É um mundo novo e a sobrevivência pode muito bem requerer velhas técnicas que estavam fora de questão”. O jornal The Wall Street publicou o editorial “A segurança vem antes da liberdade”. Já na revista eletrônica Slate, Dahlia Lithwick escreveu que “torturar terroristas e os seus asseclas para obter informações é algo que funciona”. Na CNN, o comentarista Tucker Carlson afirmou que “a tortura é ruim. Mas algumas coisas são piores. E, em determinadas circunstancias, ela pode ser o menor dos dois males”.
As mentiras plantadas pelo presidente-terrorista George Bush – segundo recente estudo, um total de 935 [19] – foram difundidas no mundo como verdades absolutas pela mídia. Entre outras, a de que o Iraque teria armas de destruição em massa (ADM), de que Saddam Hussein seria aliado da Al-Qaeda e que teria planejado os atentados de 11 de setembro. Poucos veículos ou jornalistas se indignaram diante destes absurdos repetidos à exaustão. Robert Fisk, veterano correspondente de guerra, foi rotulado de “inocente útil de Saddam” pelo secretário britânico de Defesa, Geoff Honn, após mostrar que as “bombas inteligentes” atingiram um mercado em Bagdá, matando 62 civis.
A censura imperou nos EUA sem que nenhum veículo defendesse a “liberdade de imprensa”. A MSNBC cancelou o programa de Phil Donahue, acusando-o de entrevistar ‘pessoas que estão contra a guerra e o presidente Bush’. O jornalista Brent Flynn, do Lewisville Leader, foi proibido de redigir sua coluna. Já o repórter Kurt Kauglie, do Michigan’Hurón Daily Tribune, pediu demissão após seu editor vetar um artigo crítico. A página eletrônica Yellow Times foi retirada da internet após exibir imagens de prisioneiros de guerra e de vítimas civis iraquianas. O servidor que hospedava o sítio alegou que “nenhum canal de TV dos EUA permite a emissão dessas imagens”. O famoso correspondente de guerra Peter Arnett foi demitido da emissora NBC depois de conceder uma entrevista à televisão iraquiana, criticando a estratégia militar dos EUA [20].
A manipulação midiática, que iludiu milhões de pessoas no planeta, foi monitorada diretamente pelo Pentágono, como atesta o documento “Mapa do caminho sobre operações de informação”, assinado pelo secretário de Defesa Donald Rumsfeld. Ele deixa explícito que não haveria limites na guerra de propaganda e que seriam lançadas inúmeras “operações psicológicas” (psy-ops, em inglês). Entre outras medidas, o plano previa “a manipulação do pensamento do adversário” e “o ataque às redes de comunicação do inimigo”. “Devemos melhorar a nossa capacidade de ataque eletromagnético... As mensagens das psy-ops serão difundidas com freqüência pelos meios de comunicação para as maiores audiências, incluindo o público norte-americano” [21].
Antes mesmo da invasão, o New York Times informou que o Escritório de Influência Estratégica (OSI) do Pentágono desenvolvera “planos para fornecer informações, possivelmente até algumas falsas, para meios de comunicação estrangeiros no esforço para influenciar o sentimento público e os formuladores de políticas tanto em países aliados como inimigos”. Oficiais do 4º Esquadrão de Fort Bragg, especializados em operações psicológicas, trabalharam diretamente nas sedes da CNN e da AOL, adestrando inúmeros jornalistas. O coronel Christopher John, comandante do 4º Esquadrão, defendeu “a maior cooperação entre as Forças Armadas e os gigantes da mídia”. A mídia participou, “de maneira orgânica”, na campanha de informação e contra-informação [22].
Cúmplice da crise capitalista mundial
Mas não é somente nas guerras que a mídia cumpre papel nefasto. Ela também foi culpada pela ampla difusão dos valores destrutivos do neoliberalismo, que devastou o mundo a partir dos anos oitenta, jogando milhões de seres humanos no desemprego e na barbárie, e que acelerou a grave crise atual do capitalismo. Os aparatos de comunicação foram os responsáveis pela fabricação de consensos sobre a pretensa superioridade do mercado, pregando a desregulamentação financeira, as privatizações, a redução do papel do Estado nas áreas sociais e como indutor da economia, a “reengenharia” das empresas, com seus programas de demissões e precarizaçao do trabalho, etc.
As vozes críticas à ofensiva neoliberal simplesmente foram excluídas ou neutralizadas nos meios de comunicação. Conforme aponta o jornalista Pascual Serrano, com base em estudos realizados na Europa, a mídia “silenciou os especialistas críticos. Cada cidadão pôde comprovar como, em seu país, os analistas que alertaram sobre o risco das políticas de especulação e descontrole financeiro foram ignorados nos grandes meios... Muitos especialistas advertiram, mas foram impedidos de acessar a opinião pública. Também as organizações sociais que criticaram a deriva financeira foram ignoradas pelos meios de comunicação” [23].
Economistas heterodoxos, keynesianos ou marxistas, foram banidos da televisão, rádios, revistas e jornais. Agentes do “mercado”, especuladores convictos, passaram a dar a tônica no noticiário econômico, reforçando o “pensamento único neoliberal”. As corporações midiáticas, várias delas associadas ao capital financeiro, aproveitaram-se do boom especulativo para iludir os incautos e auferir altos rendimentos. As vozes críticas ao “deus-mercado” foram censuradas, inclusive no cinema. O premiado filme “Tiros em Columbine”, de Michael Moore, que denunciou o mercado de armas nos EUA, foi sabotado pela cadeia Blockbuster, pertencente ao conglomerado Viacom, que não comercializou o vídeo e o DVD em suas 8.500 lojas espalhadas em 29 países.
Para difundir seus dogmas, a mídia inclusive adulterou o sentido de certas palavras. Como afirma o sociólogo Atílio Boron, “em vastos territórios do globo a palavra ‘reforma’ foi exitosamente usada para designar o que qualquer análise minimamente rigorosa não vacilaria em qualificar de ‘contra-reforma’. As propaladas ‘reformas’ se materializaram em políticas tão pouco reformistas como o do desmantelamento da seguridade social, a redução dos investimentos sociais, o corte de verbas para saúde, educação e habitação, a legalização do controle oligopólico da economia” [24].
Agora, diante da crise mundial detonada pelo neoliberalismo, ela esconde a sua culpa e ainda faz terrorismo midiático para justificar novos ataques aos direitos dos trabalhadores, o que confirma a tese da escritora Naomi Klein de que o capitalismo encara os “acontecimentos catastróficos como estimulantes oportunidades de mercado”. Foi o próprio Milton Friedman, mentor das idéias neoliberais, que argumentou que as crises seriam propícias ao “tratamento de choque econômico. Desde então, sempre que os governos decidem impor programas radicais de livre mercado, o tratamento de choque imediato, ou a ‘terapia de choque’, tem sido o seu método preferido” [25].
NOTAS
15- José Arbex Jr. O jornalismo canalha. Editora Casa Amarela, RJ, 2003.
16- Jeremy Scahill. Blackwater. A ascensão do exército mercenário mais poderoso do mundo. Editora Companhia das Letras, São Paulo, 2008.
17- David Brooks e Jim Cason. “Medios eletctrónicos estadunidenses, outra columna bélica”. Jornal La Jornada, abril de 2003.
18- Argemiro Ferreira. “Outra vergonha: a mídia sobre Powell”. Maiores detalhes sobre os crimes dos EUA estão no livro O império contra-ataca. Editora Paz e Terra, São Paulo, 2004.
19- Em janeiro de 2008, a ONG “Integridade Pública” divulgou levantamento com 935 mentiras alardeadas por George Bush e outros sete altos funcionários de seu governo.
20- “Guerra ao Iraque: manipulação e censura de informações”. Sítio Oficina Informa, 07/04/03.
21- “Les plans du Pentagone pour contrôler l’information”. Sítio Voltairenet, 02/02/06.
22- Roberto Della Santa Barros. “Informação e contra-informação”. Sítio do PSTU, 09/02/06.
23- Pascual Serrano. “Los medios e la crisis mundial”. Exposição apresentada no Fórum Mundial de Mídia Livre em Belém do Pará, em janeiro de 2009.
24- Atílio Boron. Império e imperialismo. Uma leitura crítica de Michael Hardt e Antonio Negri. Clacso, Buenos Aires, 2002.
25- Naomi Klein. A doutrina do choque. A ascensão do capitalismo de desastre. Editora Nova Fronteira, Rio de Janeiro, 2008.
- Extraído do primeiro capítulo do livro “A ditadura da mídia”, publicado em julho passado pela Associação Vermelho e Editora Anita Garibaldi. Os interessados em adquirir o livro podem entrar em contato com Eliana Ada no endereço eletrônico – livro@vermelho.org.br
A Fox, do direitista Rupert Murdoch, foi a mais agressiva no apoio ao genocídio no Iraque e até chegou fazer campanha de boicote aos produtos franceses em repúdio ao governo deste país que criticou a “guerra”. Já a CNN abandonou o seu falso ecletismo. No primeiro dia da ocupação, ela introduziu a vinheta “começou a libertação” e criou um sistema de script approval (aprovação do original), forçando seus repórteres a enviarem as matérias a Atlanta antes de serem transmitidas ao mundo. Oficiais militares, muitos deles ligados às empresas contratadas pelo governo do EUA – como a firma de mercenários Blackwater – foram usados como “articulistas” pelas TVs [16].
Nas rádios, a retórica belicista foi descarada. A principal emissora comercial dos EUA, a Clear Channel Wordwide, convocou manifestações favoráveis à invasão e orientou suas 1.200 estações filiadas em 50 estados a não transmitir música de protesto e a atacar os ativistas da paz, tachados de “comunistas e antiamericanos”. Em Atlanta, um radialista esbravejou: “Estamos rodeados de loucos, de mulheres que não raspam as axilas e de lésbicas” [17]. Já na mídia impressa, caiu a máscara de muitos jornais e jornalistas “independentes”. Não foram apenas os veículos ligados aos neocons, como o Washington Times, da seita Moon, ou o New York Post, de Murdoch, que reforçaram a onda belicista. O Washington Post e o New York Times também verteram sangue.
Da mesma forma como já ocultara os efeitos das bombas atômicas em Hiroshima e Nagasaki, a mídia silenciou sobre o genocídio de um milhão de iraquianos, num dos piores capítulos de sua história. Para o jornalista Argemiro Ferreira, “ela desistiu de qualquer resistência, ainda que tímida, à histeria belicista do governo Bush”. Antes mesmo da invasão, “a grande maioria da mídia, liderada pelos excessos patrioteiros do magnata Rupert Murdoch, já estava quase totalmente dedicada ao papel de veiculadora passiva da propaganda bélica... Nenhum dos grandes veículos achou que deveria cumprir o dever primário de checar as supostas provas levadas à ONU – fantasiosas e fraudadas. Foi, enfim, um capítulo à altura da nossa mídia tupiniquim ao tempo da ditadura” [18].
A promíscua relação com o poder
No auge da histeria estadunidense, a mídia chegou a justificar as piores atrocidades do governo – o que também lembra o Brasil. Num artigo intitulado “É hora de pensar a tortura”, o articulista Jonathan Alter, da revista semanal Newsweek, escreveu: “É um mundo novo e a sobrevivência pode muito bem requerer velhas técnicas que estavam fora de questão”. O jornal The Wall Street publicou o editorial “A segurança vem antes da liberdade”. Já na revista eletrônica Slate, Dahlia Lithwick escreveu que “torturar terroristas e os seus asseclas para obter informações é algo que funciona”. Na CNN, o comentarista Tucker Carlson afirmou que “a tortura é ruim. Mas algumas coisas são piores. E, em determinadas circunstancias, ela pode ser o menor dos dois males”.
As mentiras plantadas pelo presidente-terrorista George Bush – segundo recente estudo, um total de 935 [19] – foram difundidas no mundo como verdades absolutas pela mídia. Entre outras, a de que o Iraque teria armas de destruição em massa (ADM), de que Saddam Hussein seria aliado da Al-Qaeda e que teria planejado os atentados de 11 de setembro. Poucos veículos ou jornalistas se indignaram diante destes absurdos repetidos à exaustão. Robert Fisk, veterano correspondente de guerra, foi rotulado de “inocente útil de Saddam” pelo secretário britânico de Defesa, Geoff Honn, após mostrar que as “bombas inteligentes” atingiram um mercado em Bagdá, matando 62 civis.
A censura imperou nos EUA sem que nenhum veículo defendesse a “liberdade de imprensa”. A MSNBC cancelou o programa de Phil Donahue, acusando-o de entrevistar ‘pessoas que estão contra a guerra e o presidente Bush’. O jornalista Brent Flynn, do Lewisville Leader, foi proibido de redigir sua coluna. Já o repórter Kurt Kauglie, do Michigan’Hurón Daily Tribune, pediu demissão após seu editor vetar um artigo crítico. A página eletrônica Yellow Times foi retirada da internet após exibir imagens de prisioneiros de guerra e de vítimas civis iraquianas. O servidor que hospedava o sítio alegou que “nenhum canal de TV dos EUA permite a emissão dessas imagens”. O famoso correspondente de guerra Peter Arnett foi demitido da emissora NBC depois de conceder uma entrevista à televisão iraquiana, criticando a estratégia militar dos EUA [20].
A manipulação midiática, que iludiu milhões de pessoas no planeta, foi monitorada diretamente pelo Pentágono, como atesta o documento “Mapa do caminho sobre operações de informação”, assinado pelo secretário de Defesa Donald Rumsfeld. Ele deixa explícito que não haveria limites na guerra de propaganda e que seriam lançadas inúmeras “operações psicológicas” (psy-ops, em inglês). Entre outras medidas, o plano previa “a manipulação do pensamento do adversário” e “o ataque às redes de comunicação do inimigo”. “Devemos melhorar a nossa capacidade de ataque eletromagnético... As mensagens das psy-ops serão difundidas com freqüência pelos meios de comunicação para as maiores audiências, incluindo o público norte-americano” [21].
Antes mesmo da invasão, o New York Times informou que o Escritório de Influência Estratégica (OSI) do Pentágono desenvolvera “planos para fornecer informações, possivelmente até algumas falsas, para meios de comunicação estrangeiros no esforço para influenciar o sentimento público e os formuladores de políticas tanto em países aliados como inimigos”. Oficiais do 4º Esquadrão de Fort Bragg, especializados em operações psicológicas, trabalharam diretamente nas sedes da CNN e da AOL, adestrando inúmeros jornalistas. O coronel Christopher John, comandante do 4º Esquadrão, defendeu “a maior cooperação entre as Forças Armadas e os gigantes da mídia”. A mídia participou, “de maneira orgânica”, na campanha de informação e contra-informação [22].
Cúmplice da crise capitalista mundial
Mas não é somente nas guerras que a mídia cumpre papel nefasto. Ela também foi culpada pela ampla difusão dos valores destrutivos do neoliberalismo, que devastou o mundo a partir dos anos oitenta, jogando milhões de seres humanos no desemprego e na barbárie, e que acelerou a grave crise atual do capitalismo. Os aparatos de comunicação foram os responsáveis pela fabricação de consensos sobre a pretensa superioridade do mercado, pregando a desregulamentação financeira, as privatizações, a redução do papel do Estado nas áreas sociais e como indutor da economia, a “reengenharia” das empresas, com seus programas de demissões e precarizaçao do trabalho, etc.
As vozes críticas à ofensiva neoliberal simplesmente foram excluídas ou neutralizadas nos meios de comunicação. Conforme aponta o jornalista Pascual Serrano, com base em estudos realizados na Europa, a mídia “silenciou os especialistas críticos. Cada cidadão pôde comprovar como, em seu país, os analistas que alertaram sobre o risco das políticas de especulação e descontrole financeiro foram ignorados nos grandes meios... Muitos especialistas advertiram, mas foram impedidos de acessar a opinião pública. Também as organizações sociais que criticaram a deriva financeira foram ignoradas pelos meios de comunicação” [23].
Economistas heterodoxos, keynesianos ou marxistas, foram banidos da televisão, rádios, revistas e jornais. Agentes do “mercado”, especuladores convictos, passaram a dar a tônica no noticiário econômico, reforçando o “pensamento único neoliberal”. As corporações midiáticas, várias delas associadas ao capital financeiro, aproveitaram-se do boom especulativo para iludir os incautos e auferir altos rendimentos. As vozes críticas ao “deus-mercado” foram censuradas, inclusive no cinema. O premiado filme “Tiros em Columbine”, de Michael Moore, que denunciou o mercado de armas nos EUA, foi sabotado pela cadeia Blockbuster, pertencente ao conglomerado Viacom, que não comercializou o vídeo e o DVD em suas 8.500 lojas espalhadas em 29 países.
Para difundir seus dogmas, a mídia inclusive adulterou o sentido de certas palavras. Como afirma o sociólogo Atílio Boron, “em vastos territórios do globo a palavra ‘reforma’ foi exitosamente usada para designar o que qualquer análise minimamente rigorosa não vacilaria em qualificar de ‘contra-reforma’. As propaladas ‘reformas’ se materializaram em políticas tão pouco reformistas como o do desmantelamento da seguridade social, a redução dos investimentos sociais, o corte de verbas para saúde, educação e habitação, a legalização do controle oligopólico da economia” [24].
Agora, diante da crise mundial detonada pelo neoliberalismo, ela esconde a sua culpa e ainda faz terrorismo midiático para justificar novos ataques aos direitos dos trabalhadores, o que confirma a tese da escritora Naomi Klein de que o capitalismo encara os “acontecimentos catastróficos como estimulantes oportunidades de mercado”. Foi o próprio Milton Friedman, mentor das idéias neoliberais, que argumentou que as crises seriam propícias ao “tratamento de choque econômico. Desde então, sempre que os governos decidem impor programas radicais de livre mercado, o tratamento de choque imediato, ou a ‘terapia de choque’, tem sido o seu método preferido” [25].
NOTAS
15- José Arbex Jr. O jornalismo canalha. Editora Casa Amarela, RJ, 2003.
16- Jeremy Scahill. Blackwater. A ascensão do exército mercenário mais poderoso do mundo. Editora Companhia das Letras, São Paulo, 2008.
17- David Brooks e Jim Cason. “Medios eletctrónicos estadunidenses, outra columna bélica”. Jornal La Jornada, abril de 2003.
18- Argemiro Ferreira. “Outra vergonha: a mídia sobre Powell”. Maiores detalhes sobre os crimes dos EUA estão no livro O império contra-ataca. Editora Paz e Terra, São Paulo, 2004.
19- Em janeiro de 2008, a ONG “Integridade Pública” divulgou levantamento com 935 mentiras alardeadas por George Bush e outros sete altos funcionários de seu governo.
20- “Guerra ao Iraque: manipulação e censura de informações”. Sítio Oficina Informa, 07/04/03.
21- “Les plans du Pentagone pour contrôler l’information”. Sítio Voltairenet, 02/02/06.
22- Roberto Della Santa Barros. “Informação e contra-informação”. Sítio do PSTU, 09/02/06.
23- Pascual Serrano. “Los medios e la crisis mundial”. Exposição apresentada no Fórum Mundial de Mídia Livre em Belém do Pará, em janeiro de 2009.
24- Atílio Boron. Império e imperialismo. Uma leitura crítica de Michael Hardt e Antonio Negri. Clacso, Buenos Aires, 2002.
25- Naomi Klein. A doutrina do choque. A ascensão do capitalismo de desastre. Editora Nova Fronteira, Rio de Janeiro, 2008.
- Extraído do primeiro capítulo do livro “A ditadura da mídia”, publicado em julho passado pela Associação Vermelho e Editora Anita Garibaldi. Os interessados em adquirir o livro podem entrar em contato com Eliana Ada no endereço eletrônico – livro@vermelho.org.br
Nenhum comentário:
Postar um comentário