Ignacio Ramonet
A chegada ao poder do presidente Hugo Chávez na Venezuela no dia 2 de fevereiro de 1999 coincidiu com um acontecimento militar traumático para os Estados Unidos: o fechamento de sua principal instalação militar na região, a base Howard, situada no Panamá, e fechada em virtude dos Tratados Torrijos-Carter (1977).
Em substituição, o Pentágono elegeu quatro localidades para controlar a região: Manta, no Equador; Comalapa, em El Salvador; e nas ilhas de Aruba e Curaçao (de soberania holandesa).
A suas -por assim dizer- “tradicionais” missões de espionagem adicionou novos cometidos oficiais a estas bases (vigiar o narcotráfico e combater a imigração clandestina para os Estados Unidos); além de outras tarefas encobertas, tais como lutar contra os insurgentes colombianos; controlar os fluxos de petróleo e minerais, os recursos de água doce e a biodiversidade.
Porém, desde o início, seus principais objetivos foram: vigiar a Venezuela e desestabilizar a Revolução Bolivariana. Depois dos atentados de 11 de setembro de 2001, o Secretário norteamericano de Defesa, Donald Rumsfeld, definiu uma nova doutrina militar para enfrentar o “terrorismo internacional”.
Modificou a estratégia de deslocamento exterior, fundada na existência de enormes bases dotadas de numeroso pessoal. E decidiu substituir essas megabases por um número muito mais elevado de Foreing Operating Location (FOL, Lugar Operacional Preposicionado) e de Cooperative Security Locations (CSL, Lugar de Segurança Compartilhado), com pouco pessoal militar, porém equipado com tecnologias ultramodernas de detecção.
Resultado: em pouco tempo, a quantidade de instalações militares estadunidenses no exterior se multiplicou, alcançando a insólita soma de 865 bases de tipo FOL ou CSL localizadas em 46 países. Jamais na história, uma potência multiplicou de tal modo seus postos militares de controle para implantar-se através do planeta.
Na América Latina, o redesdobramento de bases permitiu que a de Manta (Equador) colaborasse no falido golpe de Estado de 11 de abril de 2002 contra o presidente Chávez. A partir de então, uma campanha midiática dirigida por Washington começa a difundir falsas informações sobre a pretendida presença nesse país de células de organizações como Hamás, Hezbolá e até Al Qaeda.
Com o pretexto de vigiar tais movimentos e em represália contra o governo de Caracas, que pôs fim, em maio de 2004, a meio século de presença militar estadunidense na Venezuela, o Pentágono amplia o uso de suas bases militares nas ilhas de Aruba e Curaçao, situadas muito próximas das costas venezuelanas, onde, ultimamente, têm sido incrementadas as visitas de navios de guerra dos Estados Unidos.
Isso tem sido denunciado recentemente pelo presidente Chávez: “É bom que a Europa saiba que o império norteamericano está armado até os dentes; enchendo as ilhas de Aruba e Curaçao com aviões e navios de guerra. (…) Estou acusando o Reino dos Países Baixos de estar preparando, junto com o império yanqui, uma agressão contra a Venezuela” (1).
Em 2006, em Caracas se começa a falar em “socialismo do século XXI”; nasce a Aliança Bolivariana para os Povos de Nossa América (Alba) e Hugo Chávez é reeleito presidente. Washington reage impondo um embargo sobre a venda de armas para a Venezuela sob o pretexto de que Caracas “não colabora suficientemente na guerra contra o terrorismo”. Os aviões F-16 das Forças Aéreas venezuelanas ficam sem peças de reposição.
Diante dessa situação, as autoridades venezuelanas estabelecem um acordo com a Rússia para dotar sua força aérea de aviões Sukhoi. Washington denuncia um suposto “rearmamento massivo” da Venezuela, omitindo recordar que os maiores orçamentos militares da América Latina são os do Brasil, da Colômbia e do Chile. E que, a cada ano, a Colômbia recebe uma ajuda militar estadunidense de 630 milhões de dólares (uns 420 milhões de euros). A partir daí, as coisas se aceleram.
No dia 1º de março de 2008, ajudadas pela base de Manta, as forças colombianas atacam um acampamento das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc), situado no interior do território do Equador.
Quito, em represália, decide não renovar o acordo sobre a base de Manta que venceu em novembro de 2009. Washington responde, no mês seguinte, com a reativação da IV Frota (desativada em 1948, há 60 anos…), cuja missão é vigiar a costa atlântica da América do Sul. Um mês mais tarde, os Estados sulamericanos, reunidos em Brasília, respondem criando a União das Nações Sulamericanas (Unasul); e, em março de 2009, criaram o Conselho de Defesa Sulamericano.
Umas semanas depois, o embaixador dos Estados Unidos em Bogotá anuncia que a base de Manta será relocalizada em Palanquero, na Colômbia. Em junho, com o apoio da base estadunidense de Soto Cano acontece o golpe de Estado em Honduras contra o presidente Manuel Zelaya, que havia conseguido integrar seu país a Alba.
Em agosto, o Pentágono anuncia que estabeleceria 7 novas bases militares na Colômbia. E, em outubro, o presidente conservador do Panamá, Ricardo Matinelli, admite que cedeu aos Estados Unidos o uso de quatro novas bases militares.
Desse modo, a Venezuela e a Revolução Bolivariana se veem rodeadas por nada menos que 13 bases estadunidenses, situadas na Colômbia, no Panamá, em Aruba e em Curaçao. Bem como pelos porta-aviões e navios de guerra da IV Frota.
O presidente Obama parece ter deixado mãos livres ao Pentágono. Tudo anuncia uma agressão iminente. Os povos consentirão que um novo crime contra a democracia seja cometido na América Latina?
Nota:
(1) Discurso no Encontro da ALBA com os Movimentos Sociais, Dinamarca, Copenhague, 17 de dizembro de 2009.
[Publicado originalmente no Le Monde Diplomatique em espanhol nº 171 Janeiro de 2010 Publicação mensal. http://www.monde-diplomatique.es
* Le Monde Diplomatique/ADITAL
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