Serra lança candidatura ainda em busca de uma linha
Vencido o primeiro capítulo da novela presidencial tucana, o marco da candidatura Serra enfrenta agora o desafio de encontrar uma linha de campanha. Lideranças tucanas afirmam que chances de vitória não passam por um ataque frontal ao governo Lula e falam que Serra pregará um "ativismo estatal de teor moderado". Ex-presidente Fernando Henrique Cardoso é pedra no sapato de Serra, que não quer sua presença na campanha. O desconforto com FHC é tão presente que a sua participação no ato deste sábado chegou a ser questionada. O artigo é de Jonas Valente.
Jonas Valente - Especial para Carta Maior
Foram meses de tensão para os partidos de oposição. Candidato natural à disputa presidencial contra Dilma Rousseff, José Serra protagonizou uma verdadeira novela até assumir a disposição de concorrer ao Palácio do Planalto. Cobrado pelas lideranças do PSBDB e pelos outros partidos aliados dos tucanos, manteve a dúvida até o limite do prazo para a desincompatibilização do seu cargo de governador do Estado de SãoPaulo, no último dia 31. Neste sábado, a candidatura Serra terá seu lançamento oficial, em Brasília. São esperadas cerca de cinco mil pessoas para o evento, que acontece no Centro de Convenções Brasil 21. Vencido o primeiro capítulo da novela presidencial tucana, o marco da candidatura Serra enfrenta agora o desafio de encontrar uma linha de campanha que angarie votos em um pleito que envolve a candidata à sucessora de um presidente que beira a casa dos 80% de popularidade.
Os tucanos sabem que as chances de vitória em 2010 não passam por um ataque frontal ao governo Lula. “O brasileiro comum vê as melhoras como resultado de um processo cumulativo de muito tempo e quer alguém que dê continuidade e agregue coisas novas. Mudanças incrementais e não de ruptura”, reconheceu o ex-secretário da Casa Civil do governo de São Paulo Aloysio Nunes, em entrevista ao jornal o Estado de SãoPaulo, publicada no dia nove de abril.
Não basta repetir argumentos conhecidos de que a popularidade do atual presidente é proveniente de camadas “menos esclarecidas” ou“cooptadas” pelos programas sociais. As pesquisas mostram que o Executivo Federal goza de prestígio tanto nas classes mais baixas quanto nos segmentos recém-promovidos à classe média e até mesmo dentro do capital produtivo, que experienciou ondas intensas de investimentos estatais como há muito não se via. Resta à Serra e a seus apoiadores, então, encontrar o fio da meada de um projeto para o “pós-Lula” alternativo à continuidade proposta por Dilma. Mas qual é o programa?
Até agora, o candidato ainda não deixou claro. Segundo o atual governador de São Paulo, Alberto Goldmann, Serra deve pregar um “ativismo estatal” de teor moderado no evento deste sábado (10). No que consistiria tal termo e qual seriam as propostas concretas relativas a ele? As declarações das lideranças tucanas e do próprio Serra não evidenciam rastros que permitam uma conclusão com alguma solidez. A tomar pelo discurso do ex-governador paulista na sua despedida do Palácio dos Bandeirantes, é possível depreender três linhas argumentativas já elaboradas pelo candidato.
A primeira é o uso da gestão à frente do governo estadual como parâmetro. Serra classificou seu mandado como “popular”, termo associado ao “atendimento das necessidades do povo”. E ressaltou iniciativas nas áreas da saúde, educação, segurança pública e obras viárias, além, é claro, da tradicional bandeira da redução da carga tributária. “Vamos investir R$ 64 bilhões até o final deste ano. Sem compromissos com o espetáculo”, pontuou, numa referência ao“espetáculo do crescimento” prometido pelo presidente Lula.
Esta estratégia discursiva deve esbarrar em críticas contundentes contra o governo do candidato tucano em várias áreas. Na educação, sobram avaliações negativas à política de progressão continuada criada durante a gestão Alckmin, mas intensificada por Serra. Os problemas na educação levaram os professores da rede estadual a uma greve de mais de um mês. O lado “popular” do governo paulista transpareceu no uso sistemático da polícia como força de repressão às manifestações da categoria. Para as outras áreas, a equipe de Dilma Rousseff já prepara análises minuciosas a respeito das deficiências da condução do PSDB nos últimos anos, e, especialmente, na gestão serrista.
A segunda estratégia a ser usada na campanha serão as acusações no campo da ética. No discurso de despedida, Serra trouxe o tema à baila. “Estou convencido que o governo, como as pessoas, tem que ter honra. Assim falo não apenas porque aqui não se cultivam escândalos, malfeitos, roubalheira. Mas porque nunca incentivamos o silêncio da cumplicidade e da conivência com o malfeito”, disse, numa referência à postura do presidente Lula durante os escândalos desvelados em 2005 que vieram a ser conhecidos como o “mensalão”, quando se defendeu afirmando que não havia tomado conhecimento das irregularidades reveladas.
Caciques tucanos reforçam tal diretriz mas aventam a possibilidade dela ser operada pelas bordas, retirando Serra do foco dos ataques. “Deixa o Serra em casa, ele não precisa falar”, comentou o presidente do PSDB e coordenador da campanha tucana, Sérgio Guerra. “Vamos ressuscitar os aloprados”, cravou Guerra ao se referir aos membros do PT paulista envolvidos no escândalo do dossiê que explodiu nas eleições de 2006.
As ameaças, contudo, não assustam as lideranças petistas. “Se os tucanos quiserem trazer o debate para a ética, ótimo. O PSDB e o DEM não têm moral para falar do termo ética. Temos muito o que mostrar no combate à corrupção. Se os tucanos vierem fazer o debate, vamos enfrentar o debate”, prometeu o ministro das Relações Institucionaisdo governo Lula, Alexandre Padilha, na matéria “Oposição não tem moral para falar em ética”, publicada pelo Jornal do Brasil no dia seis de abril.
Uma terceira estratégia já em fase de adoção pela candidatura de oposição será a comparação de currículos. Serra será apresentado não como um homem que representa uma novidade radical, mas como um político com experiência e competência para conduzir o país na fase do pós-Lula. Sua trajetória na máquina estatal será usada como elemento diferenciador em relação à sua opositora. Enquanto Serra foi secretário do governo paulista na gestão de Franco Montoro, ministro por duas vezes de Fernando Henrique Cardoso, prefeito de São Paulo e governador do mesmo estado, Dilma será pintada como quadro de pouca experiência. No seu currículo, constam apenas uma secretaria na gestão de Olívio Dutra e os ministérios das Minas e Energia e da Casa Civil no governo Lula.
Palanques, vice e FHC
As preocupações de Serra vão além da caçada por uma linha consistentede campanha. O tucano precisa garantir, em primeiro lugar, palanques para que possa disputar com Dilma nos estados. Até o presente momento, a coalizão que apóia o candidato tucano ainda não garantiu concorrentes no Amazonas e no Ceará. No Rio de Janeiro, a aliança PSDB, PPS, DEM e PV encontra dificuldades para se consolidar, dada a resistência do último ao Democrata César Maia, que será lançado ao Senado. A aposta da coordenação da campanha está nas duas principais Unidades da Federação controladas pelo PSDB: São Paulo e Minas Gerais. No estado mais rico do país, os tucanos querem ampliar a diferença obtida no primeiro turno das eleições de 2006, quando Geraldo Alckmin conseguiu 11,9 milhões de votos e Lula, 8,09 milhões. Já em Minas Gerais, o desafio é potencializar ao máximo o peso de Aécio Neves, minando a dobradinha “Lulécio” operada durante o último pleito.
Em 2006, a estratégia garantiu a vitória do atual presidente no estado, apesar do governo ser dirigido pelo partido do opositor Alckmin. Outro obstáculo ainda presente é o nome que ocupará o posto de vice na chapa. A expectativa dos partidos que integram a coalizão era em torno do nome de Aécio Neves. As chances desta chapa pura com os dois principais nomes do PSDB no plano nacional são poucas. Líderes tucanos já admitem que o ex-governador mineiro deve se dedicar às eleições para o Senado Federal. Interlocutores de Aécio dizem que ele irá anunciar sua decisão entre o final de abril e o início de maio. O Democratas, abalado pelo escândalo causado por uma operação que escancarou um pesado esquema de corrupção no governo do Distrito Federal, se vê em posição fragilizada mas ainda almeja ocupar o vácuo da recusa de Aécio. O nome cotado mais recentemente foi o da senadora Kátia Abreu (TO), também presidente da Confederação Nacional da Agricultura (CNA) e principal expoente da bancada ruralista no Congresso Nacional. A decisão, contudo, não está na pauta dos partidos aliados, que temem ofuscar o lançamento da candidatura de Serra com a polêmica da definição de seu companheiro de chapa.
O último problema a ser equacionado é a presença de Fernando Henrique Cardoso. O desconforto com o ex-presidente é tão presente que a sua participação entre os expositores do lançamento deste sábado foi rejeitada e retomada apenas há alguns dias. “Triste figura a do FHC. Rejeitado por seus correligionários, considerado como alavanca para a oposição pela rejeição que sofre do povo brasileiro, funciona como clown, como personagem folclórica, lembrança de um passado que o governo luta para terminar de superar e a oposição para tentar esquecer e apagar da recordação dos brasileiros”, observou o sociólogo e colunista da Carta Maior, Emir Sader, no artigo “FHC: oneoliberalismo dos jardins”. As lideranças tucanas contemporizaram. O presidente do partido, Sérgio Guerra, chegou a dizer que não existe “PSDB sem FHC”. No entanto, as sucessivas indisposições e a ausência do “pai do Real” dos discursos dos candidatos oposicionistas indicam o desconforto com a herança do mandato estrelado por estas forças entre 1995 e 2002.
As coisas são mais complicadas, porém. Pois o ex-presidente não aceita tal condição. Em seu blog, o jornalista Rodrigo Vianna chamou atenção para como uma coluna da comentarista Dora Kramer no Estado de São Paulo, de sugestivo título “Gente insolente”, praticamente reproduzia uma espécie de “pito” do sociólogo naqueles que pretendiam relegá-lo às estantes neste pleito eleitoral. Listados estes desafios iniciais, é possível afirmar que o lançamento da candidatura de Serra, independente da pirotecnia e do tom mais ou menos duro para com o governo Lula, terá uma dura caminhada se quiser ser de fato vencedora nas eleições deste ano.
Não foi à toa que o presidente Lula, cuja aguçada sensibilidade política é reconhecida inclusive por seus adversários, chegou a classificar esta disputa de “a mais fácil” para o PT. Descontado o otimismo pouco recomendado em início de campanha, a expressão de Lula traduz, de forma simples, a situação favorável do projeto de sucessão expresso na crescente candidatura Dilma.
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