Rui Martins – Ao admitir bombardear a Síria, o socialista François Hollande humilha a França
Por Rui Martins(*)
O que diria o velho De Gaulle ao ver a
França, governada pelo socialistas, se ter colocado na humilhante
posição de bombardear a Síria se o Congresso americano assim decidir ?
Mesmo se 64% da população francesa se declara contra qualquer tipo de
ataque, seja o pretensamente cirúrgico, ou francamente destrutivo como
acabaram sendo os ataques contra a Líbia.
Não tenho nenhuma simpatia pelo ditador
Assad, nessa Síria onde o poder político é transmitido de pai para
filho. Muito menos pelos grupos rebeldes importados de diversos países,
composto em grande parte de jovens treinados no Afeganistão, islamitas
seguidores da Al Qaida.
Uma rápida análise nos leva à seguinte conclusão - já
está ruim e poderá ficar pior, porque os islamitas da Al Qaida e outros
fundamentalistas significam o fim de uma série de avanços da humanidade
em termos de direitos humanos e o retorno das mulheres à cozinha, à
situação de objeto com o fim de todas as conquistas, inclusive no vestir.
Nesse caso do “pode ficar ainda pior”, a
melhor solução é a de se deixar a ONU encontrar uma saída. A própria
Suíça, que sempre foi neutra, saiu da sua tradição, se pronunciando por
uma solução diplomática e oferecendo Genebra para um encontro entre as
partes beligerantes.
Alguns dirão que isso não vai levar a nada, pois existem países
irredutíveis por trás da guerra-civil na Síria : Rússia, China e Irã a
favor de Assad; Estados Unidos, Inglaterra, França e Arábia Saudita
contra Assad.Seria, então, o caso de se jogar bombas na Síria, provocando a morte de centenas ou milhares de civis, sabendo-se que provavelmente isso em nada ajudará a acabar com o conflito ?
Ao contrário, depois da guerra contra o
Iraque, causadora de uma mudança total no equilíbrio de forças no
Oriente Médio, destruindo um país laico e favorecendo os xiitas
iranianos, uma guerra contra a Síria poderá detonar reações inesperadas e
equivaler à abertura de outra Caixa de Pandora, cujas consequências são
imprevisíveis mesmo para a Europa.
Nestes últimos dias, entrou um novo
fator nos ataques à Síria, até então considerados como inevitáveis – o
Parlamento inglês desmoralizou o “guerreiro” David Cameron
desautorizando-o de jogar bombas na Síria, depois dos resultados
desastrosos dos ataques à Líbia de Kadhafi, em parceria com a França de
Sarkozy.
O Parlamento inglês nada mais fez que
espelhar o sentimento da população inglesa, cansada da submissão do
trabalhista Tony Blair ao chefe de guerra George Bush, e agora de uma
nova parceria Cameron-Obama. Ou seja, de repente o povo pôde dar sua
opinião através de seus representantes. E o povo, em qualquer parte do
mundo, não quer guerras, insufladas na maioria das vezes pelas
indústrias armamentistas, que precisam rodar e modernizar o estoque de
armas dos países clientes.
Cameron foi desmascarado e engoliu seus
discursos de mais mortes para vingar mortes. Sumiu de cena, mas sua
derrota obrigou Obama a rever sua estratégia – se a Inglaterra tem de
ouvir o Parlamento para declarar ações de guerra, por que os Estados
Unidos dariam carta branca ao seu presidente? E Obama foi obrigado a
modificar seu discurso, já não querendo arcar sozinho com os
assassinatos de civis sírios. Democratas e republicanos decidirão por
maioria se os Estados Unidos continuam sua missão de policiais do
planeta.
E isso criou uma situação grotesca para
não se dizer ridícula envolvendo o presidente socialista François
Hollande da França. Na França a Constituição não exige aprovação
parlamentar no caso de ataques bélicos à Síria, porém o discurso
guerreiro do presidente Hollande não pode ser levado à prática de
maneira isolada e solitária. Hollande tinha certeza de poder fazer uma
parceria européia com a Inglaterra.
Ora, com a Inglaterra descartada pelo
Parlamento criou-se uma situação nunca imaginável na época de De Gaulle –
a França só atacará a Síria se assim decidir o Congresso americano. Uma
parceria quase tão absurda quanto é o apoio de Obama aos rebeldes
“sírios”, na verdade contingentes de combatentes islamitas da Al Qaeda,
que partem dos países europeus e dos países vizinhos da Rússia para
engrossar as fileiras de combatentes treinados pelos talibans no
Afeganistão.
Para os evangelistas, adventistas e
testemunhas de Jeová tudo parece indicar estar próxima a profetizada
Batalha do Armagedon no Apocalipse, a última das batalhas, o fim do
mundo que conhecemos. Não será, mas poderá provocar convulsões
inesperadas dentro da própria Europa e, sem dúvida, estaremos perto de
uma guerra mundial, caso Rússia e China tomem as dores de Assad. E para
os franceses e europeus socialistas e de esquerda uma enorme decepção
com o governo francês de François Hollande (foto).
Longe está a posição de independência da
França, com seu ministro das relações exteriores Dominique de Villepin,
se opondo no Conselho de Segurança da ONU ao ataque de Bush ao Iraque.
Paradoxo, o presidente era Jacques Chirac, golista, mas de direita. E
onde está hoje a França socialista ?
*Rui Martins é jornalista e colabora com o “Quem tem medo da democracia?“, onde mantém a coluna “Estado do Emigrante“.
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