sábado, 8 de novembro de 2008

COMPORTAMENTO - Mais da metade dos brasileiros fura fila.

Filas em restaurantes, em cinemas, nas rodoviárias, nos aeroportos, em hospitais e até no trânsito. Há muito tempo o brasileiro passou a conviver com a cultura das filas e, conseqüentemente, com a tentação de furá-las. Alguns foram vítimas dos “furões”, já outros passaram a frente nas filas, mas a concordância é que pelo menos uma vez a hipótese de furar filas já foi cogitada. Pesquisa feita a pedido da Comissão de Ética Pública, órgão vinculado à Presidência da República, aponta que quase 52% dos brasileiros já furaram ou furam filas.

No Brasil, houve até quadrilhas que se especializassem em furar filas em bancos utilizando idosos para passar a frente. Em alguns países foram criadas, inclusive, leis para punir os “furões de fila”. A fila foi também tese de mestrado. O psicólogo Fábio Iglesias, por exemplo, do Instituto de Psicologia da Universidade de Brasília (UnB), pesquisou o comportamento de quem freqüenta filas na capital federal e, por meio da análise, Iglesias reuniu as estratégias mais adotadas por quem fura fila: a maioria finge distração e usa o celular. Todavia, o método mais usual é pedir uma informação e se infiltrar na fila, aos poucos.

O quantitativo dos “furões de fila” foi feito pelo professor Ricardo Caldas, da Universidade de Brasília, entre março e junho deste ano e consta do estudo “O padrão de conduta ética dos servidores públicos”. No total, foram ouvidas duas mil pessoas de todo o país, entre funcionários públicos e de várias outras profissões. Mas a pesquisa só foi de fato realizada com os 1.767 entrevistados que disseram já ter ouvido falar sobre a ética.

O estudo analisou a conduta dos servidores e brasileiros em geral. Para Ricardo Caldas, há um desconhecimento expressivo na sociedade sobre o significado de ser ou não ético. “Atos ilícitos são mais freqüentes e aceitos do que se poderia esperar na sociedade civil brasileira”, completou Caldas.

Furar filas é considerado uma atitude não ética. Mas para entender melhor o comportamento do brasileiro, especialmente do servidor público, é preciso primeiro definir o que é um perfil ético. A palavra ética, originada do grego ethos, está relacionada ao modo de ser. Para alguns, essa palavra significa o que é bom para o indivíduo e para a sociedade, e, por isso, pode ser utilizado como meio de se conseguir subsídios para a solução de conflitos na sua relação indivíduo-coletivo. Segundo Ricardo Caldas, a ética também pode ser considerada como a resposta para a pergunta “como devo agir perante os outros?”.

Quando questionados sobre onde haviam ouvido falar em ética, a maior parte dos entrevistados (26%) afirmou que seria em casa. Outros 21% disseram no trabalho e 11% ouviram falar em ética na rua ou no mercado. No caso dos servidores públicos, 24% disseram que ouviram falar em ética no trabalho e pouco mais de 19% em casa. A pesquisa também aponta que mais de 78% dos entrevistados já deixaram de seguir a lei em algum momento, fato que segundo Ricardo Caldas foi o que mais o surpreendeu. "É um número muito alto de pessoas que descumpriram a lei, ainda mais se consideramos a margem de erro esse número pode subir para 80%. Ainda pode ter os que omitiram o fato", argumenta. Apesar disto, 59,4% deles se consideram éticos. Quando a mesma pergunta é feita para servidores públicos, pouco mais de 22% disseram ter deixado de seguir a lei e 51% deles se considera ético. Para Ricardo Caldas,

Um em cada quatro entrevistados de profissões variadas discorda da lei – que regulamenta os padrões éticos da sociedade –, o que equivale a 25,7%, e atribuem a este descontentamento o fato de terem praticado determinado ato ilícito. Mais 19,2% dos entrevistados acham que as leis são muitos confusas, o que também dá margem ao ilícito. O resultado é que 44,9% divergem da lei ou a acham dúbia. No caso dos servidores públicos, 10,2% discordam das leis, 7% a acham confusa e outros 8% desacreditam no seu cumprimento.

Quatro em cada dez dos entrevistados, considerando aqueles de profissões diversas, o equivalente a 42%, não tiveram receio de serem punidos quando praticaram ato ilícito, descumprindo, a lei. E no caso dos servidores públicos, apenas 23,6% declararam que já tiveram receio de serem punidos ao deixarem de cumprir a lei.

Descrença no serviço público

A pesquisa também apontou que, na opinião dos entrevistados, 44% acham que o servidor público atua disciplinarmente apenas para cumprir sua jornada diária de trabalho. A maioria dos entrevistados, quase 58% acredita que o serviço público no país é amador ou semi-profissional. E mais 49,7% acham que os servidores públicos não estão preparados para o trabalho deles.

Para 42,4% dos entrevistados, os servidores atuam para agradar os políticos que os indicaram, para beneficiar os amigos e para agradar a si mesmo ou a sua família (nepotismo). Os servidores estão mais preocupados com o Estado ou com o governo, é o que afirma 56,6% dos entrevistados. Para os escutados na pesquisa, a preocupação com a sociedade obteve 33,3% da pontuação.

Outros 41% responderam que caso façam um pedido à administração pública e não sejam atendidos, depois de terem também tentado sem êxito o “jeitinho brasileiro”, recorrem as opções de oferecer um agrado (presente), oferecer dinheiro ou oferecem um favor para conseguir que o pedido seja atendido.

O estudo também revelou que 50,3% dos entrevistados são tolerantes com o nepotismo, pois afirmaram que contratariam parentes se fossem servidores públicos ou políticos. Os resultados completos da pesquisa devem ser publicados pela Comissão de Ética Pública em dezembro.

Amanda Costa
Do Contas Abertas

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