terça-feira, 18 de novembro de 2008

WALL STREET E O NATAL DE 2006.

Argemiro Ferreira.


A desproporção entre o que faturam executivos de corporações, em especial corretoras e bancos de investimento de Wall Street, e o que ganham os empregados nunca fora tão grande como naquele Natal de 2006. O detalhe escabroso era que os executivos passaram a roubar mais - precisamente porque depois das manchetes de 2001-2002 sobre os escândalos deles, tinham consciência de que podiam ser apanhados e pegar cadeia.

Registrei o fato dia 28 de dezembro, há dois anos, nesta coluna. Alguns notórios executivos-ladrões estavam cumprindo pena, como Ken Lay e Jeffrey Skilling, ex-presidentes da Enron (um morreu antes, no início da a pena, o outro ainda está na cadeia), Bernie Ebbers da WorldCom, Dennis Kozlowski da Tyco e alguns outros. As fraudes em corporações gigantes como Arthur Andersen, Tyco, Global Crossing, Adelphia, Halliburton, Qwest, Xerox e outras também tiveram conseqüências.

Mas se sabia que muitos se safaram, impunes. Entre as corretoras e bancos de investimento de Wall Street, um punhado enfrentou investigações, mas não dos organismos federais que deviam fazê-lo (o governo Bush escolhera "raposas para cuidar do galinheiro") e sim do Procurador Geral de Nova York, Eliot Spitzer, que reuniu provas contundentes e obrigou-os a pagar US$ 1,5 bilhão em multas e compensações pela ladroagem.
Um ano de trabalho, US$ 54 milhões

Na lista de Spitzer, que se elegeu governador de Nova York em 2006 graças em parte à ação vigorosa contra os "colarinho-branco" da elite financeira (acabaria por renunciar, pilhado num escândalo com prostitutas), estavam gigantes como Goldman Sachs, JP Morgan Chase, Salomon Smith Barney (leia-se: Citigroup), Merril Lynch, Lehman Brothers, Bear Stearns, Credit Suisse First Boston, Deutsche Bank, Morgan Stanley, UBS Warburg.

Eram as mesmas corporações que escandalizaram o país (e o mundo) às vésperas daquele Natal de 2006 com as informações sobre bônus de fim de ano de executivos - entre eles, à frente do pelotão, o presidente e CEO da Goldman Sachs, Lloyd C. Blankfein, que se deu de presente nada menos de US$ 53,4 milhões, perfazendo (com o salário anual de US$ 600 mil) nada menos de US$ 54 milhões por um ano de trabalho.

No final do ano anterior Blankfein já se dera US$ 38 milhões. Claro que se pretende ter sido decisão "soberana" do "Comitê de Compensação", mas a gente envolvida em tais tramóias sabe bem o que significa. O CEO manobra e, com o poder que tem, arranca o que quer e como quer, até porque outros tantos milhões de dólares são distribuídos a mais alguns cúmplices.

Vi na época uma explicação no programa de economia de Neil Cavuto, que se orgulha, na notória rede Fox News, de ser tendencioso - como o falecido Henry Luce - a favor de Deus, do capitalismo e do Partido Republicano (não necessariamente nessa ordem). Desta vez nem parecia tanto. Botou a boca no trombone: ao embolsar a grana, disse, os executivos impediam que ela chegasse a acionistas e investidores.
Ferrari de US$ 250 mil: em falta

Os executivos deviam servir aos clientes, mas fazem o contrário - tiram dos que confiaram neles e botam no próprio bolso. Spitzer descobriu memorandos internos mostrando o desprezo dos larápios pelos que cometeram a temeridade de confiar neles. Os clientes são ridicularizados. E o combustível em Wall Street, como todo mundo sabe, é a cocaína. No fundo diferem pouco dos assaltantes de banco.

Assim, quando é maior o lucro de bancos e corretoras os executivos se apressam a botar a mão da mufunfa. Em 2006 o ranking foi assim: 1. Goldman Sachs; 2. Morgan Stanley; 3. Blackstone Group; 4. Lehman Brothers; 5. JP Morgan; 6. Citigroup Investment; 7. Merrill Lynch; 8. Lazard; 9. Credit Suisse; 10. JP Morgan Chase; 11. UBS; 12. Citigroup; 13. Deutsche Bank; 14. Bear Stearns. Já se sabia do subprime, mas eles enfiaram a mão assim mesmo.

Basta ler lista para notar a presença de alguns que ruiram em 2008 (como Lehman Bros e Bear Stearns). Sem fazer qualquer crítica, o "New York Times" publicou em 2006 - apropriadamente, no próprio dia de Natal - uma sugestiva reportagem sobre o caso dos "bônus" dos executivos. O título foi: "Tanto dinheiro e tão poucas Ferraris". Explicava que não houve Ferrari 599 GTB Fiorano (US$ 250 mil cada) em número suficiente na revendedora de Greenwich (Connecticut) para atender às encomendas dos executivos de Wall Street.
Apartamentos de US$ 20 milhões

Contou ainda que uma aeromoça vendia, em frente à sede da Goldman Sachs, vôo fretado (a US$ 30 mil). "É como se fosse seu jato particular", explicou a um executivo que se mostrava interessado. Ao mesmo tempo, um corretor de imóveis, de olho na gorda comissão, lamentava não ter conseguido encontrar em Manhattan duas propriedades de US$ 20 milhões encomendadas por altos executivos.

Explicação do jornal: financistas já instalados em multimilionários apartamentos e "town houses", estão agora comprando apartamentos de US$ 5 milhões para os filhos. E mais: casas de férias, em geral compradas e vendidas na primavera, são muito procuradas em pleno inverno, inclusive em resorts privados (como o Yellowstone Club, perto do Parque Nacional de Yellowstone em Montana).

Nas três semanas anteriores àquele Natal, segundo o "Times", uma imobiliária vendera seus quatro últimos apartamentos em Greenwich Village. A venda final fora um de dois quartos e dois banheiros, com uns 200 metros quadrados. Preço: US$ 7 milhões. Uma agente imobiliária contou: os executivos queriam consumar a compra imediatamente, com medo de aparecer outro executivo dando mais dinheiro.

Qualquer um que leia hoje o texto do "Times" de dois anos atrás entende tudo: os ladrões de Wall Street se apropriavam do que fosse possível. Sabiam que a lambança deles ia estourar a qualquer momento - como de fato aconteceu neste ano de 2008.
Fonte: Tribuna da Imprensa.

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