Bruno Maia
A igreja faz escolhas. O papa faz escolhas. Todos escolhemos de que forma queremos olhar o mundo. Todos escolhemos estratégias e discursos para o transformar. O papa, este Natal, escolheu o ódio: ódio estratégico, ódio discursivo.
O recente discurso de Ratzinger, no qual se referia aos homossexuais e à emancipação da mulher, não deixa dúvidas sobre o teor da sua mensagem: "[A Igreja] deverá proteger o homem de se destruir a ele mesmo. É preciso uma espécie de ecologia do Homem". Para o papa o "homem" e a "mulher" e todos os papéis que desempenham na sociedade segundo o seu género são pré-definidos "naturalmente". Até aqui nada de novo, é uma velha discussão sobre essencialismo e construtivismo, que nas últimas décadas tem ganho novos patamares ao passo que a antropologia vai descobrindo novas culturas e novas sociedades em que esta "naturalidade" se encontra alterada e, em alguns casos, invertida. Conhecemos hoje tribos matriarcais e estamos cientes das diferenças que o género feminino representa no ocidente e no oriente, no norte e no sul e mesmo dentro do ocidente, entre o mundo rural e o mundo urbano. Para além disso também sabemos hoje, que os papéis de "homem" ou "mulher", para além desta variação no espaço, também se modificaram ao longo dos tempos - a "mulher" ocidental de hoje não representa o mesmo papel da "mulher" ocidental há 2 séculos atrás.
Também no mundo animal esta divisão de género é tão diversa quanto possível. Na maioria das aves são os "machos" que usam a beleza natural nos contactos sexuais - penas extravagantemente coloridas, longas asas e bicos "enfeitados" - cuidando de uma forma obsessiva da sua aparência exterior, ao passo que as fêmeas são mais "descuidadas". Veja-se o caso do pavão com a sua vaidade. Os cavalos-marinhos "machos" engravidam, isto é, são "eles" que transportam o feto. E em muitas outras espécies são os "machos" que cuidam dos recém-nascidos, ao passo que "elas" vão à caça. Toda a assumpção dogmática sobre o "feminino" e o "masculino" esbarram no conhecimento e nesta diversidade intra e inter-espécies. A sociedade da informação e a massificação do conhecimento colocaram-nos novos desafios e trouxeram todas estas realidades para debates seculares.
O papa pode achar que a mulher é naturalmente "isto" ou "aquilo", mas ao fazê-lo demonstra a sua ignorância porque rejeita este conhecimento sobre a diversidade. Mas o que torna as declarações do papa realmente graves é a conclusão que tira do seu dogmático e fraco raciocínio: a necessidade de proteger a heterossexualidade, combatendo os desvios. O apelo que o papa faz, abertamente, é o apelo ao ódio, à diversidade e à diferença. Ao impor a necessidade de "combater" algo, não está a limitar-se a veicular dogmas e preconceitos usurpados mas a incentivar atitudes de discriminação. Já há alguns meses, quando a França tentou aprovar nas Nações Unidas uma resolução que incentivasse alguns países a abolirem sanções criminais a homossexuais, o Vaticano opôs-se. Não discutimos aqui direitos legais como o casamento ou a adopção, o que está em causa (o que o papa e o vaticano põem em causa) é a simples existência da homossexualidade e o direito à não discriminação e à não violência. "Combater a homossexualidade" é afirmar perante o mundo que os homossexuais não devem existir - e isso é espalhar o ódio.
O ódio à diferença sempre fez parte da nossa história e a justificação para a sua existência, na grande maioria dos casos, esteve ligada à religião. Em Abril de 1933, Adolf Hitler afirmava: "Durante 1500 anos, a igreja católica considerou os judeus pestilentos, colocou-os em guetos, etc. porque reconhecia os judeus como eles realmente são… Eu vejo os representantes de tal raça como pestilentos para o Estado e para a igreja e, talvez, eu esteja por isso a praticar um grande serviço ao cristianismo ao tirá-los das escolas e dos serviços públicos" - Haverá muita diferença entre aquilo em que Hitler acreditava e aquilo que o papa hoje defende?
Defender a floresta tropical é defender a diversidade ecológica. Defender a heterossexualidade, enquanto expressão única de sexualidade é destruir a diversidade humana. O mundo nunca esteve tão super-povoado como hoje, o crescimento da população mundial foi exponencial desde a revolução industrial e já passamos a barreira dos 6 biliões, com uma maioria destes seres humanos a viverem em condições de pobreza extrema - face a esta realidade não é possível acreditar que a humanidade está em perigo por causa dos homossexuais ou por causa das mulheres emancipadas - é ser demagógico até ao tutano
Para acabar, gostaria de ajudar o papa a clarificar o seu discurso! Quando diz que "As florestas tropicais merecem a nossa protecção. Mas o homem, enquanto criatura, também a merece", na verdade o que quer dizer é "As florestas tropicais merecem a nossa protecção. Mas o homem do género masculino heterossexual branco católico, enquanto criatura dominante, deve continuar a merecê-la". O papa tem o direito de defender uma "ecologia para o homem" nos termos que a defende. Mas então terá que ser consequente com as suas palavras e defender a destruição de todas as culturas tribais não-patriarcais e de todas as aves, pavões e cavalos-marinho deste mundo, quais "invertidos pestilentos" que subvertem o papel da fêmea submissa, tal como deus a criou!
Já não há pachorra para tanta imbecilidade e tanto ódio à mistura.
Fonte: Site Informação Alternativa.
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