Blog do Sakamoto, por Leonardo Sakamoto
Senado aprova acordo que beneficia a Igreja Católica
O Senado Federal aprovou ontem o tratado assinado entre o governo brasileiro e o Vaticano em novembro de 2008 que dita as bases do relacionamento da igreja católica com o Estado. A Santa Sé havia pedido mais vantagens ao presidente Lula, o que resultou em um texto que inclui liberdade (e isenção tributária) religiosa, respeito a templos e patrimônios, ou seja, alguns direitos já existentes. Mas, também algumas aberrações, como o reconhecimento de que não há vínculo empregatício entre padres e a igreja. O acordo agora segue para Câmara dos Deputados.
Já disse neste espaço que apesar do trabalho dos padres ser uma atividade bastante específica que demanda dedicação integral de corpo e alma, literalmente, ainda assim é um emprego. Há uma cadeia de comando, superiores hierárquicos, necessidade de presença no local de trabalho, tarefas a cumprir e salário. Considerando que o empregador em questão é uma instituição de quase dois mil anos que possui um dos maiores patrimônios financeiros do planeta à custa da contribuição dos fiéis, rendimentos financeiros, valorização de propriedades rurais e urbanas e de obras de arte, digamos que é uma solicitação um tanto quanto sovina.
Nos últimos anos, trabalhadores brasileiros foram às ruas para protestar contra a famigerada “Emenda 3” – aquela proposta parlamentar, vetada por Lula, defendida pelo empresariado e repudiada por movimentos sociais e associações de trabalhadores, que pretendia tirar dos auditores fiscais o poder de verificar a existência de vínculo entre patrões e empregados, facilitando a precarização do emprego. Dessa forma, o pedido do antigo cardeal Ratzinger vai ao encontro dos interesses do capital e não do trabalho. O que mostra que ele está antenado com as necessidades do empresariado em um mundo em que o mercado se torna global e a religião cada vez mais midiática.
Vale lembrar que o Brasil também criou um novo modelo de fusão entre o setor empresarial e a fé, exportando-o para diversos país, modelo bem definido em casos como o da Igreja Universal. Com o acordo do Vaticano, a bancada evangélica no Congresso Nacional quer os mesmos direitos e já propõe um “Lei Geral das Religiões”.
Imaginem padres tendo que se tornarem pessoas jurídicas e abrirem micro-empresas para prestarem serviços espirituais para que o Vaticano economize nos impostos? Ou evitando que a Santa Sé seja processada por seus ex-funcionários que largaram a batina ou por outras pessoas que se sentirem prejudicadas por um deles. Vale lembrar as indenizações milionárias movidas contra a igreja pelos fiéis que sofreram abusos por padres norte-americanos. Em um mundo assim, qual seria a justificativa? De que não foi um representante da igreja, mas sim a “Espírito Santo – Serviços Religiosos e Afins ME” que fez a besteira?
Tudo isso é especulação, pois creio que não chegaríamos ao ponto de ver padres passando notas fiscais no final de cada mês para receber o ordenado. Mas se já vemos entregadores de gás, que ganham uma mixaria, recebendo por pessoa jurídica, nada é impossível nesta terra de Deus.
Outro ponto polêmico é o que prevê “ensino religioso católico em instituição pública de ensino fundamental”. O Ministério da Educação estrilou.
Em um momento em que discute-se abertamente a importância da separação simbólica entre religião e Estado esse tipo de ação no currículo escolar é, no mínimo, anacrônica. Muito mais importante seria discutir a retirada de adornos e referência religiosas de edifícios públicos, como o Supremo Tribunal Federal e o Congresso Nacional. Não é porque o país tem uma maioria de católicos que espíritas, judeus, muçulmanos, enfim, minorias, precisem engolir um símbolo cristão. Além disso, as denominações cristãs são parte interessada em várias polêmicas judiciais – de pesquisas com célula-tronco ao direito ao aborto. Se esses elementos estão escancaradamente presentes nos locais onde são tomadas as decisões sem que ninguém se mexa para retirá-las, como garantir que as decisões serão isentas?
Justificam como tradição. Aquela coisa do “Ué! Mas sempre foi assim, por que mudar?”, a que sempre se recorre quando se confronta algo do passado, nem sempre justo, com um argumento racional.
Por fim, o Estado deve garantir que todas as religiões tenham liberdade para exercer seus cultos. Mas não pode se envolver, positiva ou negativamente, em nenhuma delas. Estado é estado. Religião é religião. É simbólico. E, por isso, imprescindível.
Fonte:Blog do Sakamoto.
Nenhum comentário:
Postar um comentário