Aversão à memória, oportunismo e covardia
A polêmica criada em torno da proposta de criação de uma comissão especial para investigar casos de tortura e desaparecimentos ocorridos durante a ditadura militar (1964-1985) mostra que a democracia brasileira ainda é tutelada. Uma tutela exercida sob várias formas, entre elas, as da aversão à memória e da negação do passado. A reação dos ministros militares e do ministro da Defesa, Nelson Jobim (PMDB) não expressa propriamente uma “divergência no governo” ou uma “crise no governo”, mas uma atitude de desrespeito ao direito do povo brasileiro conhecer sua própria história. Eles estão se opondo à criação de uma Comissão Nacional da Verdade, “com a tarefa de promover esclarecimento público das violações de Direitos Humanos por agentes do Estado na repressão aos opositores”, conforme afirma o texto apresentado pelo governo.
Jobim e os militares reclamam que essa comissão teria o objetivo de revogar a lei de Anistia, de 1979. A proposta não chega nem perto disso, rebate o Secretário Especial de Direitos Humanos, Paulo Vannuchi: “O programa não é contra a Lei da Anistia. Não se trata nem de revisão e nem de anular a Lei. Está lá, no item que propõe a ação 23, que propõe a elaboração de um projeto de lei, até abril, instituindo uma Comissão Nacional da Verdade, nos termos definidos pela Lei da Anistia”. Essa comissão teria as seguintes funções: requisitar documentos; reconstituir a história dos casos de violação de direitos humanos e dar assistência às vítimas; localizar e identificar corpos e restos mortais de desaparecidos políticos; tornar públicas as estruturas utilizadas para a prática de violações durante a ditadura; e esclarecer as circunstâncias de torturas, mortes e desaparecimentos.
Ao encenar um pedido de demissão, juntamente com os chefes militares, o ministro da Defesa mostrou a natureza de seu compromisso com a democracia e com o governo ao qual pertence. Jobim quer apoiar seu amigo José Serra (PSDB) na disputa presidencial e aproveita o episódio para criar as condições de uma saída ruidosa. Um oportunismo covarde. Covardia, aliás, foi uma das palavras utilizadas pelo presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Cezar Britto, ao criticar a postura de Jobim: “O Brasil não pode se acovardar e querer esconder a verdade. Anistia não é amnésia. É preciso conhecer a história para corrigir erros e ressaltar acertos. O povo que não conhece seu passado, a sua história, certamente pode voltar a viver tempos tenebrosos e de triste memória como tempos idos e não muito distantes”.
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