“Esse negócio de direitos humanos é só para defender direitos de bandidos e não de humanos direitos”, cansei de ouvir no final dos 70 e início dos anos 1980, quando fazia parte da Comissão de Justiça e Paz, criada na Arquidiocese de São Paulo pelo cardeal Paulo Evaristo Arns, entidade que se dedicava a defender os perseguidos pela ditadura militar e a denunciar ao mundo seus atos arbitrários.
Um quarto de século depois do fim do regime dos generais, a terceira edição do Programa Nacional de Direitos Humanos, lançada pelo governo federal no final de 2009, que gerou uma enorme confusão ao ser apresentada como um projeto de política de governo, voltamos a ouvir os mesmos argumentos que pareciam sepultados junto com as lembranças tristes dos chamados anos de chumbo.
A única consequência prática do PNDH até agora foi radicalizar o debate político e ressuscitar as viúvas da ditadura, que invadiram as áreas de comentários da internet, como pudemos constatar aqui mesmo no Balaio. Não mudou e, pelo jeito, não mudará nada, pelo menos até onde a vista alcança, na vida da maioria das pessoas que hoje vivem num país muito melhor e mais justo.
São apenas propostas, muitas delas inexequíveis, que o Congresso Nacional pode discutir, a exemplo de tantas outras que lá já se encontram, tratando dos mesmos temas, sabe-se lá quando. Então, para quê tanto barulho?
A direita brasileira, que parecia adormecida, restrita ao grunhir de alguns nichos da mídia, do parlamento e do agronegócio, voltou com tudo, blasfemando como se estivéssemos às portas de uma guerra civil.
De uma hora para outra, é como se estivessem ameaçadas pelo PNDH conquistas garantidas pela Constituição, como a liberdade de expressão, a liberdade religiosa, o direito de propriedade, etc. Até a Lei de Anistia estaria ameaçada, o que não é verdade. Nada consta do texto que possa levar a esta conclusão.
A reação em cadeia provocada por um verdadeiro massacre na mídia, em boa parte pela descoordenação do governo ao produzir e divulgar às vésperas do Natal este texto extraído do Congresso Nacional de Direitos Humanos promovido no final de 2008, tem três origens diversas.
A daqueles que saem gritando “fogo na floresta!” toda vez que sentem seus interesses e privilégios ameaçados pela simples discussão de marcos regulatórios civilizados para suas atividades.
A dos que estavam à espreita de uma escorregada do governo para restabelecer a batalha ideológica entre esquerda e direita, e acenar com os perigos representados pelos “radicais do PT”.
Aos dois grupos ligaram-se, naturalmente, interesses político-partidários com objetivo puramente eleitoral num ano em que o país vai às urnas para escolher o sucessor de Lula.
O número dos comentários publicados esta semana sobre o assunto (fora as centenas que fui obrigado a deletar na moderação por conter ofensas e acusações graves não comprovadas contra terceiros) é uma pequena amostra do clima de Fla-Flu que nos espera quando a campanha eleitoral esquentar para valer entre os candidatos do governo e da oposição.
A oposição encontrou finalmente uma bandeira e um discurso, oferecidos gratuitamente por setores do próprio governo, que não mediram as consequências _ e muito menos a oportunidade _ de se mexer com tantas áreas sensíveis num mesmo texto, no último ano dos dois mandatos de Lula, exatamente quando o país vive seu melhor momento dos últimos tempos.
Para se ter uma idéia do radicalismo deflagrado pelo PNDH, reproduzo abaixo mensagem enviada pela leitora Norma, às 5h57 deste domingo:
“Trata-se da reedição do AI-5 disfarçado de direitos humanos. É um projeto de poder para instituir o comunismo no país”.
Nas voltas que a vida dá, de tanto ler e ouvir estas barbaridades espalhadas pela mídia, as pessoas acabam repetindo chavões dos tempos do inesquecível coronel Erasmo Dias, falecido dias atrás, símbolo da linha-dura que jogou o Brasil nas profundezas do inferno institucional, origem da luta pelos direitos humanos no país. Tudo tem seu tempo e sua hora.
Resgatemos a verdade sobre o que aconteceu nos anos da ditadura militar, como fez o livro “Brasil Nunca Mais”, trabalho do qual também participei, sem colocar em risco as conquistas da jovem democracia brasileira, finalmente pacificada, nem o futuro de uma nação que aprendeu a andar com as próprias pernas, sem tutores nem salvadores da pátria. Vida que segue.
Fonte: Balaio do Kotscho.
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