Sobre verdades e venenos
CLÓVIS ROSSI – FOLHA SP
Episódio de envenenamento de opositores à ditadura de Augusto Pinochet no Chile tem pista brasileira revelada |
A COMISSÃO da Verdade, proposta pela Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, bem que poderia começar procurando a verdade nos argumentos contra ela esgrimidos pelos comandantes militares. Não vai encontrar.
O argumento mais popular, a julgar pelo Painel do Leitor de ontem desta Folha, é o de que a proposta quer investigar os abusos de um lado (o dos militares) e ignorar os do outro (os militantes da esquerda armada). Ou é desinformação ou má-fé.
Todos os abusos da esquerda armada foram punidos. Alguns, na forma da lei. Outros, muitos, à margem da lei, por meio de assassinatos, torturas, exílio, banimento, desaparecimentos.
Já os abusos praticados pelo aparato repressivo não foram nem investigados, com pouquíssimas exceções.
Para ficar apenas no âmbito mais próprio para este espaço, o internacional, está mais do que na hora de buscar a verdade sobre a Operação Condor, o mecanismo repressivo multinacional armado pelas ditaduras militares do Cone Sul, nos anos 70/80.
Deve haver, escondido em algum arquivo bem protegido, um documento assinado por chefes militares da época anulando a soberania de cada país para que militantes da oposição às ditaduras pudessem ser caçados livremente.
Eu mesmo andei atrás desse papel, quando estava para cair a ditadura boliviana da época (começo dos 80), a primeira brecha que se abriria para ter acesso a arquivos oficiais. Um coronel, que fazia a ligação entre o candidato presidencial Hernán Siles Zuazo e as Forças Armadas, me disse que teria, sim, que haver um documento oficializando, digamos assim, a Operação Condor.
Pena que um novo golpe adiou a vitória de Siles, e perdi a pista.
Ainda nesse terreno de repressão internacional, a nova comissão poderia procurar a verdade sobre o envenenamento de opositores à ditadura de Augusto Pinochet. No domingo, o jornal espanhol “El País” fez um belo levantamento sobre a morte, por aparente envenenamento, do ex-presidente Eduardo Frei Montalva, pai de Eduardo Frei Ruiz-Tagle, também ex-presidente e hoje candidato de novo.
A investigação indica que Frei foi assassinado com três doses de mostarda sulfúrica, tálio e um fármaco não identificado.
No percurso para chegar a essa suspeita surgiu o caso de quatro militantes políticos presos em uma cadeia de segurança máxima em Santiago. Todos foram também envenenados, juntamente com quatro presos comuns, mas Ricardo Aguilera, então com 28 anos, sobreviveu.
Para encurtar a história, descobriu-se que o agente venenoso era a bactéria “clorstridium botulinum”, que provoca botulismo, e chegara ao Chile “em um pacote letal enviado do Brasil por valise diplomática”, segundo “El País”.
Em vez de incomodar-se com uma “Comissão da Verdade” não seria mais lógico que os comandantes militares brasileiros se preocupassem com o uso do território nacional, pelo qual têm a obrigação de zelar, para um crime político?
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