quarta-feira, 6 de janeiro de 2010

UM ANO QUE COMEÇA MAL.

Por Mauro Santayana

Ainda que esqueçamos as tragédias, naturais ou não, que sempre perturbam as festas de fim de ano – como as que nos atingiram em Angra e outras partes do país – o ano começa mal no mundo. Os Estados Unidos se preparam para ampliar a sua presença no Oriente Médio, como resposta ao atentado frustrado de Detroit. Desta vez no Iêmen, que tem, ainda inexploradas, grandes jazidas de petróleo e gás.

É a guerra mais estranha da História: de um lado, a nação mais poderosa do mundo, com a solidariedade efetiva ou simbólica de muitas nações, e, do outro, a Base, a organização islamita criada e comandada por Osama bin Laden, homem rico, jovem (fará 53 anos em março), de notórias e antigas ligações com os Estados Unidos.

O líder da Al Qaeda não defende uma ideologia. Não é homem de esquerda, nunca foi marxista. Foi aliado dos Estados Unidos, no apoio aos talibãs, para o combate aos soviéticos no Afeganistão. Sua bandeira parece ter sido (se já deixou de ser) a da ortodoxia islâmica contra a opulência da dinastia saudita. O Ocidente se tornou seu alvo, por proteger os descendentes de Ibn Saud, no poder desde 1933. Além disso, há, ainda não claramente explicadas, suas relações mercantis com os Bush. O fato é que, não obstante os grandes interesses econômicos e estratégicos dos Estados Unidos e seus aliados, a guerra, como os Estados Unidos a mostram, parece ser, nesta fase, a de um homem, em algum lugar do mundo, contra um grande império. Não se sabe onde esse homem se encontra, nem mesmo se está vivo, e não seria surpresa se estivesse comandando tudo de um apartamento de Manhattan. Seu nome passou a ser um símbolo. Odiá-lo é fácil, encontrá-lo está sendo difícil; vencê-lo parece improvável. Hitler foi vencido em menos de seis anos: há nove anos, Bin Laden passou a ser o inimigo número 1 dos Estados Unidos e, em seguida, de seus aliados europeus.

Excluído todo o juízo moral, religioso e ideológico do conflito, sobra a lição de que todos os poderes temporais têm limites, e esses limites não se submetem às razões de natureza ética ou teológica. Osama bin Laden continua a ser, é quase certo, se estiver vivo, um dos homens mais ricos do mundo. Não consta, tampouco, que pretenda construir uma sociedade igualitária teológica na Terra. Sua visão de sociedade é obscurantista, reacionária; isso o distanciava de Saddam Hussein, que abrira as universidades às mulheres, permitia-lhes andar de rosto descoberto, respeitava outras confissões religiosas – entre elas, a cristã – em seu país. Hussein não era democrata – mas que país, no Oriente, pode declarar-se republicano e democrático? Não é democrático o Egito, com Mubarak no poder há quase 39 anos, nem a Arábia Saudita com sua monarquia despótica, perdulária e, nas relações internas de poder, brutalmente medieval.

Osama bin Laden não é um libertador, nem herói islâmico, como foi Saladino. É apenas um homem que decidiu usar o seu dinheiro contra inimigos pessoais e em defesa de uma visão puritana da vida. Suas ideias não nos dizem respeito.

Qualquer seja a visão que tenhamos da realidade, ela não isenta os Estados Unidos e os seus aliados de incompetência política e de má-fé histórica. Não souberam concertar um modus vivendi diplomático e duradouro com Saddam, que respeitasse a autonomia do Iraque, nem foram capazes de fazer valer a resolução da ONU de criar dois estados – árabe e judeu – na Palestina, quando isso era ainda possível. Os soldados norte-americanos se encontram no Afeganistão e no Iraque a fim de impor o respeito aos direitos humanos naqueles países. Eles se encontram ali, e se preparam para entrar no Iêmen, na defesa de seus próprios interesses no mundo.

O Iêmen é um dos países mais belos do planeta, com suas montanhas de altos sempre verdes, sua belíssima arquitetura, suas essências aromáticas, como a mirra e o incenso, e o excelente café exportado pelo porto de Moca – de que foi único produtor comercial durante séculos. Mas, de subsolo rico, é também um dos países mais pobres de nosso tempo, com altos índices de mortalidade infantil, de baixa expectativa de vida, enfim, uma região de grande miséria. Mas, sob suas areias – como sob as areias de toda a região – há petróleo e há gás.

É bem provável que, nesta guerra inusitada, Bin Laden esteja preparando, na entrada do Mar Vermelho, e ao lado do Golfo Pérsico, nova armadilha para Washington.

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