Mauro Santayana
Dois textos divulgados na última sexta-feira merecem reflexão no início deste outono instável. O primeiro reproduz entrevista de João Pedro Stédile à Radiobrás; o segundo é um artigo de Eric Hobsbawm publicado pelo Guardian, da Grã-Bretanha. Hobsbawm volta a uma proposta muito antiga, já discutida nos anos 30, quando a direita e a esquerda se confrontavam no mundo inteiro: a de uma terceira saída. Na Alemanha, a direita facínora estava em ascensão; na União Soviética, o stalinismo se impunha. Nos Estados Unidos, Roosevelt salvava o capitalismo com o New Deal, mas não abandonava a teologia do Destino Manifesto, esse evangelho do imperialismo norte-americano. O escritor afirma que não basta "brecar", moral e economicamente, o neoliberalismo. O desenvolvimento deve ser um meio, e não um fim em si mesmo. Ele deve garantir a vida e a felicidade de todas as pessoas.
Nos anos 30 havia a crise econômica – muito semelhante à atual. Paul Krugman – também neste fim de semana – registra que, naquele tempo, a recessão não foi tão universal quanto agora, porque a URSS era independente do mercado mundial e, assim, pôde, mediante a força do Estado, manter a crise fora de suas fronteiras. Hobsbawm não fala em remendos: propõe que se estude nova e corajosa forma de colocar a economia realmente a serviço do povo. O pensador inglês, nascido em Alexandria, fala sobre o mundo – e, no mundo, também estamos – enquanto Stédile trata especificamente da situação nacional. É quase certo que as ideias do dirigente do MST serão recebidas com muxoxos pelos sábios da economia e cientistas da política. Ele não se vale de esquemas acadêmicos, mas examina os fatos e as ideias com a experiência de militante. Em sua opinião, o governo deveria promover a imediata estatização dos bancos, abandonar a obsessão pelo superávit fiscal e buscar o pleno emprego. Ele teme que o governo aja da forma tradicional, dando mais dinheiro para os ricos, que sairão ainda mais ricos do processo. Os trabalhadores, como sempre, serão sacrificados, para que os ricos se salvem.
O dirigente do MST acusa o governo de se encontrar na defensiva, dentro do casulo do poder, sem coragem para convocar a sociedade ao debate. Sendo assim, Stédile sugere que as organizações populares promovam a discussão. Ele lembra que, tendo sido concebido antes da crise atual, o PAC deveria ser reformulado, a fim de corresponder às exigências do momento. Duvida que as grandes empreiteiras se interessem pela construção de moradias populares, que deixam pouca margem de lucro. A construção das moradias populares, para ele, deveria ser tarefa dos próprios trabalhadores, mediante pequenas cooperativas habitacionais e o sistema de mutirão.
É certo que uma coisa é a visão da crise do lado de fora do governo, e, outra, do gabinete presidencial. A reação dos comentaristas econômicos à decisão presidencial de determinar ao Banco do Brasil a redução do spread nas operações de empréstimo mostra que governar não é fácil. O Banco do Brasil, desde que se inaugurou, em 1808, tem sido o instrumento natural e necessário do governo a fim de realizar sua política financeira. Como em todas as sociedades anônimas – e o banco é uma sociedade anônima – cabe ao acionista majoritário estabelecer as normas de administração à diretoria executiva. O Banco do Brasil, com o poder de seus ativos, tem sido cobiçado pelo setor privado há anos. Um dos críticos mais ácidos da decisão de Lula é exatamente o senhor Maílson da Nóbrega que, quando ministro da Fazenda, pensava em privatizar a instituição. Se não fosse a resistência dos funcionários do banco – e de seu fundo de pensão – o governo Fernando Henrique o teria privatizado com prazer, provavelmente vendendo-o a alguma instituição estrangeira.
Como Hobsbawm, Stédile propõe uma terceira via, a da "alternativa popular". A mobilização dos movimentos populares servirá de advertência ao Congresso Nacional, de que deve levar a sério a situação, e unir-se ao Poder Executivo na aprovação de medidas mais duras contra a especulação financeira. Os bancos – é outra observação de Stédile – reforçaram suas disponibilidades com a redução do compulsório e usaram os recursos para especular com títulos do governo – e ganhar ainda mais. Para eles vale a velha observação de que qualquer crise é sempre uma nova oportunidade.
Fonte:JB
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