Jobim invoca o poder das trevas
Não se pode negar que a coerência é uma marca do Ministro Nélson Jobim. Seja qual for a situação, ele age como um megalômano ávido de poder, que não hesita em usar os expedientes mais torpes para obtê-lo e impor sua vontade. Reconheça-se, também, que não busca, sequer, esconder isso . Foi assim há 20 anos, quando se arvorou em Poder Constituinte solitário e inseriu – e orgulhosamente confessou, anos depois – artigos na Constituição Brasileira. É assim agora, quando manda divulgar no jornal O Globo e no Estadão – não sei como não saiu um press-release - uma matéria onde coloca o Presidente da República numa situação de constrangedora fraqueza diante dele próprio e dos comandos militares.
A história, para quem não tiver paciência de ler mais uma do Jobim – embora esta seja extremamente séria – é, resumidamente, a seguinte: insatisfeitos com o Programa Nacional de Direitos Humanos – especificamente com a criação da Comissão Nacional da Verdade e a possibilidade da revisão da Lei de Anistia – os comandantes teriam protestado junto ao ministro. Jobim, concordando e depois de combinar sua renúncia com os três comandantes militares, teria ido à Base Aérea de Brasília – às 16:30 do dia 21, faz questão de precisar o Estadão, mostrando a riqueza de detalhes da narrativa que lhe transmitiram – apresentar uma carta de demissão que Lula não aceitou e diante da qual decidiu rever o programa.
Supondo que a história seja verdadeira, para que não se chame o ministro e seus porta-vozes de mentirosos, fiquemos só na questão da vaidade e da deslealdade que o episódio revela.
É possível imaginar que a elaboração do Programa Nacional de Direitos Humanos, que reuniu 31 – é, 31 – Ministérios, não tenha tido a participação do Ministério da Defesa e dos comandos militares? Ou que uma questão tão delicada como essa da apuração dos crimes cometidos durante a ditadura tenha sido objeto, como diz o Estadão, apenas de um “acordo tácito”?
Vou transcrever o trecho da matéria do Estadão, leia abaixo:
Além da proposta para revogar a Lei de Anistia, que está na diretriz que fala em acabar com “as leis remanescentes do período 1964-1985 que sejam contrárias à garantia dos Direitos Humanos”, outro ponto irritou os militares e, em especial, o ministro Jobim.
Ele reclamou com Lula da quebra do “acordo tácito” para que os textos do PNDH-3 citassem as Forças Armadas e os movimentos civis da esquerda armada de oposição ao regime militar como alvos de possíveis processos “para examinar as violações de Direitos Humanos praticadas no contexto da repressão política no período 1964-1985″.
Ora, o Ministro Jobim, desde os tempos em que entrou na confraria de estudantes de Direito da UFRGS que roubou o sino da Faculdade, sabe que “revogação” da Lei da Anistia não teria qualquer efeito prático, pois não há retroatividade em revogação de lei que possa trazer prejuízos a qualquer pessoa. O que está em discussão, no Supremo Tribunal Federal, é se a anistia política cobre os crimes agentes do Estado, isto é, de funcionários públicos civis ou militares que no exercício das suas funções públicas, torturaram, assassinaram ou deram ordens para isso. E se uma simples lei pode prevalecer sobre os tratados internacionais – que, aprovados, têm força constitucional – dos quais o Brasil é signatário, que consideram a tortura crime imprescritível.
Está fora do âmbito do Poder Executivo, portanto. E Jobim sabe disso.
A segunda questão é a da investigação. Se é judicial, foge ao Executivo. Se é administrativa, não existe nada que a impeça, com ou sem Plano de Direitos Humanos. Aliás, os organismos militares já foram instados, administrativamente, a fornecer documentos relativos à repressão política e a resposta, invariavelmente, é de que não existem ou foram destruídos.
O Ministro Jobim também sabe disso.
A questão, portanto, é meramente de afirmação política.
Admitindo que tenha havido grave desconforto entre os militares – que, diga-se de passagem, estão sendo tratados com todo o respeito institucional e recebendo um reaparelhamento de suas instituições como não se via há décadas – , qual seria o papel de Jobim? Se fosse um auxiliar leal e ético do Presidente, diria aos comandantes: os senhores aguardem, vou ao Presidente e prometo trazer uma resposta às suas preocupações. Peço apenas que se abstenham, até que isso ocorra, de quaisquer manifestações, mesmo as mais discretas.
Duvido que um oficial-general, em posição de comando, não fosse aguardar. Duvido que fosse fazer um convescote com seu estado-maior e dizer: aí, pessoal, o Jobim foi lá tomar satisfações com o Presidente…
Mas não. Tomando como verdadeira a matéria,o que fez Jobim? Reuniu-se com dois comandantes militares, consultou o terceiro – o da Marinha – por telefone e fez uma combinação: vou apresentar minha demissão ao Presidente, se ele não fizer o que vocês querem, saímos todos e criamos uma baita crise institucional, o que vocês acham?
Se você quer uma prova disso, basta examinar quais seriam fontes das próprias matérias dos jornais. Interessaria a Lula divulgar que levou um “peitaço” de Jobim e dos comandantes militares? Evidente que não. A fonte de informação, se não foi o próprio Jobim, foi um de seus subordinados diretos. E se foi um deles representa uma quebra de confiança e de hierarquia que ele próprio, de forma alguma, poderia aceitar. No meio civil, já seria grave. No militar, impensável.
Mas isso serve a seus propósitos. Nélson Jobim considera que Nélson Jobim é o centro do universo. Ele é o homem a quem a Nação, agradecida, deveria ungir como déspota, cuja vontade deve sempre prevalecer, pois é genial e divinal.
Como se sabe, depois de ter provado o poder no Legislativo, no Executivo e no Judiciário, Jobim tem o paladar aguçado pelo poder imperial.
Nenhum comentário:
Postar um comentário