Um balanço de 2009
Um ano improvável
Por Luiz Antonio Magalhães
2009 já se vai e a sensação que fica no Brasil é de alívio. Ninguém em sã consciência poderia prever, em dezembro de 2008, uma situação como a que se verifica neste fechamento de ano. Sim, porque se a crise bateu forte no começo primeiro trimestre, a profecia do presidente Lula de que as turbulências internacionais provocariam apenas uma "marolinha" no Brasil se concretizou, especialmente ao se comparar a performance do país com a das economias desenvolvidas.
De fato, até os críticos da atual política econômica reconhecem que, de maneira um tanto surpreendente, os problemas financeiros da maior potência capitalista não afetaram o Brasil da maneira que se esperava. O PIB encolheu um pouco ou ficou praticamente estável em relação ao ano anterior – só será possível saber com precisão a variação do produto interno bruto no início de 2010 –, mas as primeiras previsões eram de um colapso completo, recessivo, com uma depressão econômica de magnitude jamais vista. Isto simplesmente não aconteceu.
É bem verdade que a economia mundial também não sucumbiu como se esperava em dezembro de 2008, graças sobretudo à ação determinada dos tesouros dos países ricos, que irrigaram o sistema financeiro de dólares e euros, impedindo uma quebradeira ainda maior ou uma falência sistêmica. Nos Estados Unidos e Europa, porém, a crise bateu mais forte e a maior parte dos países desenvolvidos está assistindo a um significativo encolhimento de suas economias.
No caso brasileiro, a performance econômica teve conseqüências óbvias na política e o presidente Lula termina o ano com aprovação recorde, superando inacreditáveis 80% de popularidade. Quem lê com sabedoria o recado do povo percebe que não há a menor possibilidade de tamanha sustentação acontecer se a situação da vida real das pessoas tivesse piorado neste período. Lula cresceu porque conseguiu explicar para a população que por aqui os problemas foram menores do que lá fora, sinalizando também um ano de 2010 de crescimento robusto. Evidente que o carisma também conta, mas, se o desemprego tivesse aumentado e a renda, diminuído, não haveria carisma que segurasse a popularidade presidencial. E a verdade é que o presidente saiu maior da crise do que entrou, coisa rara, muito rara.
Lula à parte – e seu governo neste ano não apresentou grandes novidades –, 2009 foi o ano da improvável vitória de Barack Hussein Obama na eleição presidencial nos Estados Unidos. O primeiro negro a se tornar presidente dos EUA vai enfrentando lá os seus problemas, todos gravíssimos, mas o que vale aqui é lembrar o fator simbólico da eleição de Obama. Um paradigma importante foi quebrado em um país que assassinou Martin Luther King, na pátria da Klu Kux Kan. Não é pouca coisa e, ainda que Obama não consiga levar à frente os seus projetos, a eleição por si só fez história. Se Collin Powell fosse o presidente, ou seja, um negro de direita, este colunista estaria escrevendo as mesmas linhas – o que vale para Chico vale para Francisco -, pois o que merece destaque é a carga simbólica, não o conteúdo ideológico.
Feito o parênteses norte-americano, vale a pena aprofundar um pouco mais na conjuntura brasileira. E 2009 foi um ano improvável não apenas na economia e não só pela incrível resiliência do presidente Lula. Em dezembro de 2008, muitos analistas apostavam em uma guinada à direita – crises são ambientes ideais para o florescimento de soluções de força. É bom lembrar que o resultado do crash de 1929 foram os anos do fascismo, nazismo, das ditaduras na Espanha e Portugal, regimes de exceção em quase toda América Latina.
Pois 2009 chega ao fim com a direita brasileira esfacelada pelos reais nas meias e cuecas dos Democratas. E este parece ter sido o golpe de misericórdia, pois o eixo político no Brasil virou para a esquerda, deixando um espaço residual para as propostas ultra-liberais ou de caráter autoritário. Sim, porque Dilma Rousseff e mesmo José Serra são políticos com perfil muito mais estatizante, desenvolvimentista, para usar uma palavra já fora de moda, do que o próprio presidente Lula. É possível que pela primeira vez uma eleição presidencial seja disputada sem representantes legítimos da direita brasileira, que por ora tenta se abrigar na candidatura de Serra. Ciro Gomes e Marina Silva também não representam, nem de longe, a direita tradicional, de maneira que, se os quatro forem para a disputa, apenas um ou outro nanico pode ocasionalmente ocupar este espaço.
Por outro lado, no campo da ultra-esquerda o ano parece ter sido bastante complicado: mesmo com toda a conjuntura de crise séria do sistema capitalista, não houve quem conseguisse vocalizar uma crítica diferenciada e se aproveitar do momento delicado para apresentar uma plataforma alternativa. Heloísa Helena poderia ter feito este papel, mas simplesmente sumiu, talvez mais preocupada com cálculos eleitorais em Alagoas. Outras personalidades do PSOL, PSTU e PCB parecem ter preferido a tática do avestruz e colocaram a cabeça debaixo da terra, perdendo uma chance ímpar de expor a crítica mais profunda do sistema, chance esta que só aparece uma vez por décadas.
Com tal cenário, dá para entender melhor por que Lula nada de braçada. Claro, o presidente tem méritos e talento, mas a verdade é que os que lhe fazem oposição têm sido de uma tacanhez e falta de criatividade impressionantes. O principal candidato da oposição, governador José Serra (PSDB), acaba de conseguir um consenso, meio torto, é verdade, em torno de seu nome para a disputa de 2010, com a desistência do colega Aécio Neves (MG), mas ainda assim reluta em aparecer como candidato e procura evitar críticas ao governo federal, apostando na tal "comparação de biografias" para vencer a eleição. É pouco, muito pouco, e a política brasileira infelizmente caminha para um marasmo em termos do debate de idéias. Os projetos são semelhantes, com discordâncias pontuais. As mudanças, qualquer que seja o eleito em 2010, serão pequenas.
2009, este ano improvável, parece ter aprofundado no Brasil esta tendência para a "conciliação por cima", que em diversos momentos marcou a história do país e abafou o contraditório. Neste momento particular, no entanto, é justo reconhecer que esta conciliação está promovendo alguns avanços importantes, tanto no campo social quanto no desenvolvimento estratégico do país.
Obras de infra-estrutura, mercado interno reforçado e mais robusto com a política salarial implantada para o mínimo e o funcionalismo público, uma política externa mais arejada são os pontos fortes da gestão Lula. O futuro que está sendo engendrado pela atual administração inclui o marco regulatório do pré-sal, investimentos para a Copa do Mundo e as Olimpíadas e, é claro, um projeto de permanência no poder. Mas tudo isto é assunto para o próximo artigo, sobre as perspectivas para 2010.
Por Luiz Antonio Magalhães
2009 já se vai e a sensação que fica no Brasil é de alívio. Ninguém em sã consciência poderia prever, em dezembro de 2008, uma situação como a que se verifica neste fechamento de ano. Sim, porque se a crise bateu forte no começo primeiro trimestre, a profecia do presidente Lula de que as turbulências internacionais provocariam apenas uma "marolinha" no Brasil se concretizou, especialmente ao se comparar a performance do país com a das economias desenvolvidas.
De fato, até os críticos da atual política econômica reconhecem que, de maneira um tanto surpreendente, os problemas financeiros da maior potência capitalista não afetaram o Brasil da maneira que se esperava. O PIB encolheu um pouco ou ficou praticamente estável em relação ao ano anterior – só será possível saber com precisão a variação do produto interno bruto no início de 2010 –, mas as primeiras previsões eram de um colapso completo, recessivo, com uma depressão econômica de magnitude jamais vista. Isto simplesmente não aconteceu.
É bem verdade que a economia mundial também não sucumbiu como se esperava em dezembro de 2008, graças sobretudo à ação determinada dos tesouros dos países ricos, que irrigaram o sistema financeiro de dólares e euros, impedindo uma quebradeira ainda maior ou uma falência sistêmica. Nos Estados Unidos e Europa, porém, a crise bateu mais forte e a maior parte dos países desenvolvidos está assistindo a um significativo encolhimento de suas economias.
No caso brasileiro, a performance econômica teve conseqüências óbvias na política e o presidente Lula termina o ano com aprovação recorde, superando inacreditáveis 80% de popularidade. Quem lê com sabedoria o recado do povo percebe que não há a menor possibilidade de tamanha sustentação acontecer se a situação da vida real das pessoas tivesse piorado neste período. Lula cresceu porque conseguiu explicar para a população que por aqui os problemas foram menores do que lá fora, sinalizando também um ano de 2010 de crescimento robusto. Evidente que o carisma também conta, mas, se o desemprego tivesse aumentado e a renda, diminuído, não haveria carisma que segurasse a popularidade presidencial. E a verdade é que o presidente saiu maior da crise do que entrou, coisa rara, muito rara.
Lula à parte – e seu governo neste ano não apresentou grandes novidades –, 2009 foi o ano da improvável vitória de Barack Hussein Obama na eleição presidencial nos Estados Unidos. O primeiro negro a se tornar presidente dos EUA vai enfrentando lá os seus problemas, todos gravíssimos, mas o que vale aqui é lembrar o fator simbólico da eleição de Obama. Um paradigma importante foi quebrado em um país que assassinou Martin Luther King, na pátria da Klu Kux Kan. Não é pouca coisa e, ainda que Obama não consiga levar à frente os seus projetos, a eleição por si só fez história. Se Collin Powell fosse o presidente, ou seja, um negro de direita, este colunista estaria escrevendo as mesmas linhas – o que vale para Chico vale para Francisco -, pois o que merece destaque é a carga simbólica, não o conteúdo ideológico.
Feito o parênteses norte-americano, vale a pena aprofundar um pouco mais na conjuntura brasileira. E 2009 foi um ano improvável não apenas na economia e não só pela incrível resiliência do presidente Lula. Em dezembro de 2008, muitos analistas apostavam em uma guinada à direita – crises são ambientes ideais para o florescimento de soluções de força. É bom lembrar que o resultado do crash de 1929 foram os anos do fascismo, nazismo, das ditaduras na Espanha e Portugal, regimes de exceção em quase toda América Latina.
Pois 2009 chega ao fim com a direita brasileira esfacelada pelos reais nas meias e cuecas dos Democratas. E este parece ter sido o golpe de misericórdia, pois o eixo político no Brasil virou para a esquerda, deixando um espaço residual para as propostas ultra-liberais ou de caráter autoritário. Sim, porque Dilma Rousseff e mesmo José Serra são políticos com perfil muito mais estatizante, desenvolvimentista, para usar uma palavra já fora de moda, do que o próprio presidente Lula. É possível que pela primeira vez uma eleição presidencial seja disputada sem representantes legítimos da direita brasileira, que por ora tenta se abrigar na candidatura de Serra. Ciro Gomes e Marina Silva também não representam, nem de longe, a direita tradicional, de maneira que, se os quatro forem para a disputa, apenas um ou outro nanico pode ocasionalmente ocupar este espaço.
Por outro lado, no campo da ultra-esquerda o ano parece ter sido bastante complicado: mesmo com toda a conjuntura de crise séria do sistema capitalista, não houve quem conseguisse vocalizar uma crítica diferenciada e se aproveitar do momento delicado para apresentar uma plataforma alternativa. Heloísa Helena poderia ter feito este papel, mas simplesmente sumiu, talvez mais preocupada com cálculos eleitorais em Alagoas. Outras personalidades do PSOL, PSTU e PCB parecem ter preferido a tática do avestruz e colocaram a cabeça debaixo da terra, perdendo uma chance ímpar de expor a crítica mais profunda do sistema, chance esta que só aparece uma vez por décadas.
Com tal cenário, dá para entender melhor por que Lula nada de braçada. Claro, o presidente tem méritos e talento, mas a verdade é que os que lhe fazem oposição têm sido de uma tacanhez e falta de criatividade impressionantes. O principal candidato da oposição, governador José Serra (PSDB), acaba de conseguir um consenso, meio torto, é verdade, em torno de seu nome para a disputa de 2010, com a desistência do colega Aécio Neves (MG), mas ainda assim reluta em aparecer como candidato e procura evitar críticas ao governo federal, apostando na tal "comparação de biografias" para vencer a eleição. É pouco, muito pouco, e a política brasileira infelizmente caminha para um marasmo em termos do debate de idéias. Os projetos são semelhantes, com discordâncias pontuais. As mudanças, qualquer que seja o eleito em 2010, serão pequenas.
2009, este ano improvável, parece ter aprofundado no Brasil esta tendência para a "conciliação por cima", que em diversos momentos marcou a história do país e abafou o contraditório. Neste momento particular, no entanto, é justo reconhecer que esta conciliação está promovendo alguns avanços importantes, tanto no campo social quanto no desenvolvimento estratégico do país.
Obras de infra-estrutura, mercado interno reforçado e mais robusto com a política salarial implantada para o mínimo e o funcionalismo público, uma política externa mais arejada são os pontos fortes da gestão Lula. O futuro que está sendo engendrado pela atual administração inclui o marco regulatório do pré-sal, investimentos para a Copa do Mundo e as Olimpíadas e, é claro, um projeto de permanência no poder. Mas tudo isto é assunto para o próximo artigo, sobre as perspectivas para 2010.
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