sexta-feira, 25 de dezembro de 2009

COMO A HISTÓRIA MUDOU LULA E LULA MUDOU A HISTÓRIA.

lula-petrobras

Uma vez, conversando com um amigo, perguntei-lhe qual era a principal deficiência do Governo Lula e me supreendi, no início, com sua resposta:

- O que mais faz falta no Governo Lula é a polêmica.

Depois, pus-me a pensar no que ele dissera.

De fato, o início do Governo Lula foi marcado por um “bom-mocismo” de dar desgosto. “Paz e amor” se traduzia em políticas conservadoras, em matéria de economia, e numa composição e ação de governo que deixava a muitos – e a mim – impacientes e frustrados. O único grande programa, perceptível para a população, era o Bolsa-Família, que é algo que, aparentemente, ninguém podia criticar.

Muitos ficaram impacientes e, de novo, eu me coloco entre eles. Não sei se era possível, apoiado na legitimidade que lhe dera a eleição, Lula ter sido mais incisivo nos primeiros tempos. É algo que, talvez, só ele possa avaliar, pela posição em que estava. Como hoje, aos 31anos, permito-me ter mais dúvidas que aos 24, não tenho a certeza de que pudesse, embora continue achando que devesse.

Acho que, a certa altura, porém, Lula percebeu que parte das elites brasileiras – muito mais até que os interesses estrangeiros – recusa qualquer idéia que não seja a da submissão colonial do nosso país e a de um apartheid social - e, neste, lógico, também racial – como forma de organização da vida brasileira.

Não podem aceitar que as pessoas nasçam iguais e que não é apenas o talento e o empenho naturais de cada um que abra, a uns, a porta da ascenção social e a muitos condene à exclusão e à pobreza.

Em todas as épocas, claro, é possivel driblar e vencer estes muros. E é igualmente verdade que os que o conseguem merecem nosso respeito e admiração.

Mas, justamente por saberem como foi duro, difícil e penoso conseguirem vencer é que não podem, sob pena de desvalorizarem a si mesmos, desprezarem os seus irmãos que não conseguiram fazê-lo e ficaram pelo caminho, condenados e condenando seus descendentes à mesma vida degradada.

Não, a competição como critério único de progresso e desenvolvimento social é a própria negação da civilização humana.

Culturalmente, a extremação do capitalismo que representou o triunfo do neoliberalismo é inferior até às culturas tribais, onde pelo menos dentro da tribo, com todas as diferenças hieráriquicas internas que continham, ao menos reconheciam a sua identidade coletiva e protegiam todos os seus do domínio de outras tribos.

Divago um pouco, mas volto ao ponto. Parte de nossas elites é incapaz de nos reconhecer como uma unidade, como um povo, como um coletividade onde a vida de uns depende, necessariamente, da vida de todos.

Por isso, conseguem, por razões tranversas, ser contra, até, uma idéia limitada como a do Bolsa-Família, que se limita a reconhecer que os brasileiros, seja qual for o motivo, não podem viver em condições de pobreza mais que extrema, lancinante. Por isso – inclusive com ajuda dos elitistas autoproclamados de “esquerda” – foram tão contrário aos Cieps, mesmo diante da escandalosa evidência de que um criança não pode crescer e se desenvolver com saúde física e social com escolas de três horas e o abandono das ruas como “complemento” educacional.

Mas, sobretudo, conseguem, por mil razões e sofisticações, ser contra a idéia de um Brasil desenvolvido, pela única via pela qual o desenvolvimento se alcança: a soberania.

É tão simples esta idéia que pode ser comprovada com uma mera pergunta: é possível a um escravo, a um servo, a alguém dominado, que não se auto-determine, progredir?

A resposta é evidente.

Acho que este foi o ponto de “virada” do governo Lula. O seu ínicio foi marcado pela crença de que pequenas mudanças humanizantes poderiam ser feitas no mesmo projeto de desenvolvimento desumano que seguíamos. Ele próprio, talvez, se sentisse limitado pelo governo que fomara, onde José Dirceu era o homem forte da política e Antonio Palocci, onde se projetava a sombra de Henrique Meirelles, os gestores da economia.

Como dizia Leonel Brizola, os insondáveis caminhos do processo social fizeram que as coisas mudasssem. A crise política do “mensalão”, que acabou por vitimar os dois homens fortes da sua administração, deixaram ao Governo Lula apenas um “homem forte”. Ele próprio. E ele teve de depender de si mesmo, de suas origens e de sua “luz própria” para sobreviver em 2006 e conseguir o segundo mandato.

Mesmo ali, não era de duvidar da força política que os programas sociais lhe davam. Foram, todos vimos, o suficiente para dar-lhe o primeiro lugar no primeiro turno das eleições. mas não foram o suficiente para evitar que uma candidatura sem brilho como a de Geraldo Alckmin se aproximasse perigosamente da sua.

O Governo Lula esteve na iminência, pela falta de uma identidade clara, de ser vítima do “tanto faz”.

Não creio que tenha sido nenhuma pesquisa, nenhum marqueteiro, nenhum analista eleitoral que lhe tenha dado o caminho que mostraria que não havia “tanto faz”, que a eleição do candidato do PSDB completaria a obra de dependência nacional que FHC iniciara e que o governo Lula hesitava em demolir. Minha impressão é que foi dele, do próprio Lula, que partiu a percepção de que era preciso evidenciar que havia dois caminhos pelos quais o Brasil podia seguir.

Um, o mesmo que já trilhava e que, no máximo, nos daria a estabilidade no atraso.

Outro, o de que o Estado poderia ser o indutor de um processo de desenvolvimento nacional indissoluvelmente ligado à soberania e à justiça social.

O argumento da primeira via era o mesmo de sempre. Fora da economia, o Estado poderia prover mais saúde, educação, transportes, benefícios… Ou, se pudessemos fazer uma tradução crua: vendamos o nosso futuro, para que nosso hoje seja um pouco melhor.

A perspectiva de que Alckmin privatizasse a Petrobras, mesmo mil vezes negada, matou a candidatura tucana.

A candidatura Lula e seu segundo Governo, mesmo à revelia do que pudessem seus estrategistas planejar, mudaram de natureza.

Lula deixou de ser a penas o candidato popular, do povo, para ser a encarnação – mesmo com todas as contradições que seu governo possui – das nossas aspirações a sermos um povo, a termos um destino próprio, a olharmos para nós mesmo com respeito e confiança.

A história busca os homens com muito mais sabedoria que os homens buscam a História. Ela os conduz, os molda e os vai modificando, de acordo com os passos que as sociedades estão maduras para dar. A grandeza humana está, justamente, em estarem à altura da História e não romperem ao toque de sua sábia mão.

Foi assim com nossa independência política, feita pelo próprio herdeiro da coroa portuguesa. Foi assim com a industrialização brasileira e pela implantação dos direitos sociais do trabalhador, feita por um homem que veio das estâncias rurais do Rio Grande. Que seja assim com nosso desenvolvimento soberano, que passou a ser simbolizado por alguém que, um dia, já disse que para o trabalhador, não fazia diferença se uma empresa era brasileira ou multinacional e que tantos preconceitos tolos repetiu sobre Vargas.

Essa é a maravilha do processo social. É ele quem nos deve guiar, com a sensibilidade de compreender, com humildade, que a História e o povo nos mostram o caminho. E o que se exige de nós é, apenas – e não é tarefa simples – a lucidez e a coragem de trilhá-lo olhando para frente.

Fonte: Blog "Tijolaço ", do Brizola Neto.

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