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Adital -
Fatos como a falência do programa Bolsa Família, a ausência de políticas sociais eficientes e a descrença no país, fato comprovado pela inércia da população antes os últimos casos de corrupção, também são chagas sociais abertas que o Brasil carrega.
Foto: João Laet
Em entrevista à ADITAL, Frei Betto, figura ativa no cenário da luta pela igualdade e pela justiça social, escritor consagrado e um dos organizadores do programa Fome Zero no primeiro ano do governo Lula, fala sobre a eterna dívida que o Estado tem com a população brasileira pelos anos de ditadura militar. Frei Betto também avalia os progressos e deficiências dos sete anos de governo Lula e demonstra preocupação com a postura de aversão à política e descrença no país.
Adital - Após mais de quatro décadas da ditadura militar, o senhor acredita que o Estado ainda tenha uma dívida para com a população?
Frei Betto - São muitas as dívidas. Faltam abrir os arquivos das três forças armadas, levar os torturados às barras do tribunal, descobrir o destino dos desaparecidos, recuperar restos mortais daqueles que foram clandestinamente assassinados.
Adital - O governo pôs em prática algumas iniciativas que buscam tornar público os acontecimentos da ditadura militar, como o portal "Memórias Reveladas", por exemplo. Qual a importância dessas iniciativas?
Frei Betto - O ministro Paulo Vannuchi, da Secretaria de Direitos Humanos, e a Comissão de Anistia, do Ministério da Justiça, têm feito um trabalho exemplar no sentido de recuperar a memória das vítimas da ditadura e apurar responsabilidades.
A publicação do livro "Direito à memória e à verdade" e a criação do portal constituem iniciativas importantes. Porém, perdura a impunidade dos assassinos e torturadores que, em nome do Estado e da lei, violaram hediondamente os direitos humanos.
Adital - Por que o senhor acha que os arquivos da ditadura militar ainda não foram abertos?
Frei Betto - Falta vontade política. E muitos militares da ativa, de alta graduação, eram oficiais de patente inferior sob o comando dos cabeças da ditadura. O corporativismo impede que as Forças Armadas admitam que é preciso separar o joio do trigo e demonstrar à nação que os atuais militares não compactuam com ditadura e sim com democracia. Por isso, o Executivo e o Judiciário precisam agir com firmeza.
Adital - Hoje podemos dizer que temos outras "ditaduras": a da fome, da violência urbana, contra o meio ambiente...Como o senhor percebe a mobilização popular frente a essas violações?
Frei Betto - O governo Lula, ao contrário do que se esperava, desmobiliza movimentos populares, ao cooptar instituições como a CUT [Central Única dos Trabalhadores]. O MST [Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra] é tolerado no limite, e a própria base governista, no Congresso, não conseguiu impedir a instalação da CPI que o investiga.
Esse processo de desmobilização teve início com a morte decretada do Fome Zero e a desarticulação dos Comitês Gestores em quase 3 mil municípios, para dar lugar ao Bolsa Família, que passa pelas prefeituras e não pelos movimentos sociais.
Adital - É possível afirmar que as organizações e movimentos sociais têm mais abertura num governo de esquerda?
Frei Betto - Um governo progressista, como o de Lula, tende a neutralizar os movimentos populares. As políticas sociais - que são importantes, porém insuficientes - fazem com que a população fique à espera do maná que vem de cima... O governo assume um caráter paternalista e, assim, as pessoas deixam de se mobilizar para defender e/ou conquistar seus direitos.
Adital - Caminhamos para um plebiscito sobre reforma política. Também temos a PLP da Ficha Limpa que, apesar dos esforços, só será apreciada no ano que vem. O senhor acredita que são indícios de mudanças realmente eficazes?
Frei Betto - Lamento que, em sete anos, o governo Lula não tenha realizado nenhuma reforma de estrutura no país: nem a agrária nem a tributária, a política ou a educacional.
Há avanços significativos, sem dúvida. Mas temos políticas de governo, não políticas de Estado. Penso que bastaria levar a efeito as medidas aprovadas pela Constituinte de 1988 para imprimir à nossa esfera política um salto de qualidade.
Adital - O senhor acha que o povo brasileiro mantém seu poder de indignação ou questões como corrupção, por exemplo, já estão banalizadas? Em outras palavras, o (a) brasileiro (a) ainda acredita no Brasil?
Frei Betto - Pouco. Quem foi para a rua quando vieram à tona os escândalos do Senado? No caso Arruda [José Roberto, governador do Distrito Federal, acusado de corrupção], as mobilizações se restringiram a Brasília.
O brasileiro está desencantado com a política e isso é preocupante, pois quem tem nojo da política é governado por quem não tem.
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