Por Davis Sena Filho
O jornalista Davis Sena Filho se formou em Comunicação Social na Escola de Comunicação (ECO) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Trabalhou como editor, redator, repórter em jornais, revistas, televisões, bem como foi assessor de imprensa em vários órgãos públicos e instituições, além de sindicato, nas cidades de Brasília e do Rio de Janeiro.
O Partido da Imprensa
Formei-me em jornalismo há 24 anos, na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Naquele tempo eu via a imprensa, a chamada “grande” imprensa com bons olhos, como uma ferramenta de proteção aos mais fracos, além de considerá-la, apesar de pertencer à iniciativa privada, entidade democrática disposta a lutar pelas liberdades de pensamento, com o propósito de, por exemplo, apoiar ações que efetivassem a distribuição de renda, de terras, enfim, das riquezas produzidas pelos trabalhadores e acumuladas pelos empresários deste imenso País injusto.
Este era meu ideário, meu pensamento sobre o futuro do Brasil. Como me formei na metade da década de 1980, cujo presidente da República era o general João Figueiredo, via a imprensa como um baluarte inexorável em favor de uma sociedade que se tornasse justa, democrática, livre em busca da paz entre os homens, que somente acontece por intermédio da implementação constante da justiça social.
Como vivíamos ainda em um regime de força, que teve seu auge nos idos de 1968 a 1973, a imprensa, recém-saída da censura, que “acabou” definitivamente em 1978, era vista por mim, jovem jornalista, como um instrumento de resistência aos que transformaram a República brasileira em uma ditadura militar, com a aquiescência e o apoio financeiro e logístico de influentes segmentos econômicos da sociedade civil, que viram na ascensão dos militares ao poder uma forma também de aumentar seus lucros, sem, no entanto, ser alvo de quaisquer questionamentos, já que havia a censura e a oposição política à ditadura se encontrava em um momento de perseguição política e sem voz ativa para ser ouvida, inclusive pela “grande” imprensa que, empresarial, aliou-se aos novos donos do poder.
O jornalista, minimamente alfabetizado, experiente e informado, independente de sua formação cultural, política e ideológica, independente de sua influência e de seu contracheque, sabe ou finge não saber que os proprietários da “grande” imprensa são megaempresários, inquilinos do pico da pirâmide social mundial e pontas-de-lanças dos interesses do capital. A imprensa burguesa censura a si mesma, quando considera que os interesses empresariais estão a ser contrariados.
O faz de forma rotineira, ordinária, e expurga de seus quadros aqueles que não se unem ao pensamento único do Partido da Imprensa, que é o de disseminar, ou seja, propagar, aos quatro cantos, que não há salvação fora do mercado de ações, dos jogos bancários, da especulação imobiliária e da pasteurização das idéias, geralmente difundidas pelos doutores, mestres e professores das universidades e dos órgãos de supremacia e de expoliação internacional como o BID, o Bird, o FED, a ONU, a OEA, a OTAN, o FMI, a OMC e até mesmo a OMS.
Paralelamente, o Partido da Imprensa elege como adversários aqueles que contestam o sistema do capital como ele o é, ou seja, concentrador de renda, e exigem que ele se democratize, no sentido de ele diminuir as diferenças entre as classes sociais e com isso efetivar uma equiparação, uma equanimidade entre os indivíduos que compõem o tecido social das nações que integram o planeta e são vítimas da geopolítica, que na verdade é a ferramenta do apartheid social e econômico dentre os países.
Os “inimigos” da imprensa burguesa geralmente são os políticos que têm uma visão soberana em relação ao país que administram e acreditam em idéias e ideais que qualifiquem os homens como iguais. São políticos que elaboram e adotam programas distributivistas. São políticos nacionalistas, como os presidentes estadunidenses, porém sem ser xenófobos, e que lutam pelo desenvolvimento do país, a fim de conquistar tecnologias e pesquisas científicas próprias, ter o controle das diferentes energias, além de acreditar em uma diplomacia não-alinhada aos países dominantes, com o objetivo de efetivar uma relação de igual para igual e não subordinada e servil, como muitos jornalistas do Partido da Imprensa, a soldo de seus patrões, de forma inadvertida e irresponsável apregoam e querem.
A imprensa burguesa acusa e sentencia, difama e calunia, dissimula e desinforma e mente se preciso for e se julgar que determinado governante não vai ler por sua cartilha, que é a mesma dos grandes conglomerados e trustes internacionais. Porque, como disse anteriormente, a imprensa é ponta-de-lança dos interesses do sistema capitalista excludente. Ela é a vitrine desse modelo expropriador, useiro e vezeiro em propiciar o infortúnio e a derrota daqueles que ousaram um dia colocar em prática e até mesmo somente defender a tese, por exemplo, de um Brasil forte, independente e soberano.
Meus caros amigos, aqueles que concordam ou não comigo, a imprensa é necessária e tem de ter liberdade para informar, mas não deve e não pode tomar partidos, defender grupos e tentar pautar as instituições republicanas. Ser jornalista não é sinônimo de ser intelectual, dono e juiz da verdade, infalível ou senhor do poder. Ser jornalista é ouvir e compreender, se for possível, o pensamento, as idéias, os ideais, as opiniões, as teses, os projetos, os programas, os propósitos, as atitudes, as ações e até mesmo as ideologias dos atores sociais, políticos e econômicos.
O jornalista é a ponte que une o ator social e a informação à população, ao povo, apenas isso e nada mais. Se o jornalista quer pautar a sociedade e as suas instituições ele já tomou partido, e, como o nome diz e explica, partidas serão suas opiniões. Melhor, então, é entrar em um partido político, conquanto que não seja, todavia, o Partido da Imprensa, que não disputa voto e, por ser ousado e não se olhar no espelho quer fazer da República Federativa do Brasil seu feudo, conforme sua vontade, fato que foi provado, reiteradamente, nas questões relativas à luta pela terra por parte do MST, nas questões concernentes às reivindicações trabalhistas e salariais dos trabalhadores dos setores público e privado, nas questões referentes às eleições para presidente, governadores e prefeitos e nas questões tangentes às crises políticas que derrubaram presidentes como Getúlio Vargas e João Goulart, bem como na questão que influenciou na derrota do candidato Luiz Inácio Lula da Silva nas eleições presidenciais de 1989, além de perseguir, incessantemente, políticos da envergadura de Leonel Brizola, Luís Carlos Prestes, Miguel Arraes e até mesmo Ulysses Guimarães, muito menos palatável para o Partido da Imprensa do que Tancredo Neves.
O Partido da Imprensa combate tudo aquilo que possa dividir as riquezas deste País, no que tange à redistribuição de renda. Quase todos programas sociais implementados no Brasil não tiveram, pelo menos em um primeiro momento, a simpatia da imprensa. Além disso, ela combateu políticas independentes e desenvolvimentistas implementadas por Getúlio Vargas e por Juscelino Kubitschek, de maneira dura e cruel. Para se ter uma idéia da desfaçatez e da insensatez do Partido da Imprensa, ela combateu a criação da Petrobras, da Vale do Rio Doce e das leis trabalhistas — a CLT. Em compensação, apoiou o golpe militar de 1964, aliou-se sempre à UDN de Carlos Lacerda, partido que representava os empresários e parte da classe média de perfil conservador que, posteriormente, transformou-se em Arena no governo militar, depois PDS para, quase finalmente, virar PFL que, no ano passado, agora finalmente, passou a se chamar Democratas — o DEM.
Como a direita brasileira não tem voto, tanto que sempre andou a reboque de partidos de centro e de centro esquerda, o DEM (PFL), por exemplo, aliou-se a Fernando Collor e a seu minúsculo PRN. Em 1994, teve de se aliar ao PSDB para chegar ao poder, com seu vice-presidente Marco Maciel, o que foi ratificado nas eleições de 1998. Antes, o DEM, que é a UDN, chegou, enfim, ao poder, em 1964, por meio de um golpe militar que derrubou um presidente constitucional. Todos esses fatos tiveram o apoio do Partido da Imprensa, que é empresarial e apoia e sempre apoiou políticas econômicas artificiais como o é o neoliberalismo, que fracassou e hoje até o FMI, guardião desse fracasso, avisa aos maus navegantes, como ele, que vai modificar seu processo de “ajuda”, de “coordenação” e de “fiscalização” das políticas públicas, econômicas e financeiras receitado aos países pobres e em desenvolvimento.
No Brasil, na América Latina, na Ásia e na África as receitas econômicas e financeiras do Bird e do FMI causaram problemas sociais tão graves que mesmo os governantes neoliberais dos países dessas regiões perceberam que não dava para continuar o processo de espoliação desses povos, sem que seus governos caíssem, fossem derrubados. Mesmo assim, os conservadores, os direitistas do mundo empresarial e político, no Brasil leia-se DEM, Fenaban, Fiesp, agronegócios e, principalmente, Partido da Imprensa, continuaram a apregoar o que não deu certo, o indefensável e o que causou dor aos mais pobres, aos mais fracos e aos que não podem se defender.
O Partido da Imprensa, com seus profissionais bem pagos e com a cabeça feita por Wall Street e pelo Consenso de Washington de 1989 prosseguiram, ridiculamente, sem ao menos ponderar suas palavras levianas, a apregoar um modelo econômico verdadeiramente contrário aos interesses da Nação até que, por intermédio de eleições, os defensores dessa política econômica burra e nefasta foram afastados do poder, tanto no Brasil quanto em muitos outros países. Não se compreende, até hoje, o que leva algumas elites a fazer gol contra. Mas se compreende que, ao contrário do que afirmam os gurus do capitalismo de mercado que estabelecem regras somente para os mais pobres e os mais fracos e dizem se preocupar em assegurar a efetivação de um estado de bem-estar social, que dignifique a pessoa humana, sabemos que o que importa à “grande” imprensa e a direita política do planeta é perpetuar os privilégios daqueles que fazem parte de sua classe social, que são os ricos.
Há uma “espécie” de seres humanos que dá pena. Acha que riqueza é genética, é biologia. Quando na verdade a riqueza é um processo que envolve milhões, quiçá bilhões de pessoas que a produz. Não é uma questão biológica. É uma questão econômica e financeira que precisa, deve e pode ser calculada e equacionada no sentido de distribuí-la. Se dinheiro e bens materiais fossem parte de nossa biologia nasceriam com a gente e seriam conosco levados ao caixão. Não consigo entender como alguns jornalistas que se alimentaram adequadamente, que estudaram em boas escolas, que têm capacidade de discernir se tornaram tão pusilânimes, cínicos, dissimulados, covardes e mentirosos. São um contra-senso em toda sua essência e a burrice em toda sua plenitude. Somente alguns advogados atingem a tanta incongruência.
A imprensa é parcial. Sua voz e seus canais de comunicação pertencem aos que controlam e dominam o mercado de capitais e os meios de produção, pelo simples fato de a imprensa ser o próprio, o espelho que reflete a imagem do sistema. Ela traduz os valores e os princípios do modelo econômico hegemônico. Ela é o principal e o mais importante tentáculo do sistema capitalista. Ela é a sua alma e a sua voz. Não há poder pleno sem o apoio da imprensa, para o “bem” ou para o “mal”. Seja qual for o poder, a imprensa não abre mão de manter os privilégios do segmento empresarial. Ela até compõe, mas ressalta seus interesses e resguarda os privilégios. Não há hegemonia de uma classe social sobre as outras sem o controle dos meios de comunicação.
O acesso da maioria das populações ao crescimento social e ao desenvolvimento econômico acontece a conta-gotas, milernamente. No caso do Brasil — secularmente. É como acontece em jogos de futebol, quando o time que está a ganhar passa tocar a bola, à espera de o tempo passar, à espera de o jogo terminar. Os barões da imprensa, como patrões seculares, querem o fim do jogo e para isso eles precisam pautar os poderes constituídos e, inclusive, não-raramente, questionar cláusulas pétreas da Constituição, como, por exemplo, os capítulos voltados ao trabalho e aos meios de comunicação. Meia dúzia de famílias quer o controle total e irrestrito dos meios de comunicação. Meia dúzia de famílias brasileiras, ao representar o grande empresariado nacional e internacional, quer a flexibilização das leis trabalhistas, constituídas pelo estadista Getúlio Vargas, que teve de se matar em 1954 para não ser derrubado pela UDN, pelos militares, pelo empresariado e pela imprensa. Getúlio teve de se matar para adiar o golpe militar por dez anos, o que ocorreu em 1964.
Para isso, os barões da imprensa contratam jornalistas de confiança. Os jornais criticam os cargos de confiança no âmbito governamental, mas não criticam seus cargos de confiança, pagos a soldos altos, para que certos profissionais façam o papel de defensores do status quo, do establishment, razão pela qual talvez tenhamos uma das elites mais alienadas do mundo, totalmente divorciada dos interesses do povo brasileiro, há mais de cinco séculos.
Tudo o que é feito em prol do povo, os homens e mulheres de imprensa, os que ocupam cargos de mando, chamam de populismo. Mas tiveram a insensatez e a ignorância política em defender o neoliberalismo, que fracassou de forma inapelável e retumbante. Até mesmo jornalistas considerados experientes como o Renato Machado e a Renata Vasconcellos do “Bom Dia Brasil” da “TV Globo” saudaram, da forma mais imprudente e capciosa possível, o golpe sofrido, em abril de 2002, pelo presidente constitucional da Venezuela, Hugo Chávez, que foi, inclusive, absurdamente sequestrado, com o apoio da CIA do governo de George Walker Bush, que se autodenomina o “senhor da guerra”.
Meu comentário não visa constranger o Renato Machado, até porque não o conheço. Cito apenas um fato real, de conhecimento público, notório e que ficou na memória e na retina de muitos brasileiros, porque a saudação ao golpe foi incrivelmente surreal — um despropósito. Renato Machado, de perfil político conservador igual a tantos outros jornalistas, apenas, talvez até inconscientemente, comemorou a queda, mesmo através da violência, de um homem constituído presidente, pois eleito pela vontade do povo. Machado simplesmente reflete o desprezo do Partido da Imprensa em relação aos interesses da sociedade, em relação às determinações e aos desejos da sociedade civil. Não há nenhuma surpresa. O Partido da Imprensa age assim, mostra-se assim, só que, muitas vezes, inversamente ao Machado, apresenta-se de forma dissimulada.
Ah, já ia esquecer. Renato Machado no dia seguinte à sua comemoração em referência ao golpe contra o presidente venezuelano apareceu visivelmente constrangido. Acho que ele não tinha dimensionado sua atitude. Sua imagem, pálida e assustada, como tivesse levado um grande susto ou uma grande bronca, deveria ser gravada por pessoas alheias ao jornal matutino da “Globo”, com a finalidade de ser levada às escolas de comunicação para servir de exemplo aos futuros jornalistas como NÃO se deve proceder ou conduzir sua profissão. Foi realmente lamentável. Mas não foi surpresa. O Partido da Imprensa trabalha assim. Saímos da ditadura militar para a ditadura da imprensa.
Dentre os muitos erros perpetrados pelos militares, um dos maiores foi a censura aos meios de comunicação. E por quê? Porque hoje, no regime democrático, a imprensa se recusa a ser regulamentada como acontece com outros setores da sociedade e, por que não, do mercado. Ela usa como argumento que criar, por exemplo, o Conselho Federal de Jornalismo é tentar censurar a imprensa, o que não é verdade. Criar o Conselho é regulamentar os meios de comunicação, que não podem deixar de ser fiscalizados, como o são os juízes, os médicos, os advogados, os professores, os arquitetos e engenheiros, os economistas, os contadores, os políticos etc.. etc.. etc.., por intermédio de seus órgãos de classe profissional.
Para evitar a criação do Conselho Federal de Jornalismo e de uma política que funcione como marco regulatório para os meios de comunicação, o Partido da Imprensa usa como argumento, há muito tempo surrado, que tentar regulamentar a imprensa é censura, como ocorreu na ditadura militar. A verdade é que os barões da imprensa e seus jornalistas de confiança não querem a democratização dos meios de comunicação, porque não querem responder, tal qual a outros profissionais, pelos seus erros, muitas vezes exemplificados em calúnias, difamações, omissões e distorções das informações.
Não é necessário ser um especialista em “assuntos de imprensa” para perceber que ela é um desastre em relação aos interesses da sociedade. Ditatorial, raivosa e vaidosa não mede conseqüências para fazer do processo político brasileiro uma novela de má qualidade textual, cujo objetivo é somente a manchete, chamariz comercial para a imprensa vender e ganhar muito dinheiro, mesmo se for com o linchamento moral de terceiros, muitos deles, depois comprovado, sem culpa no cartório.
Sua atuação é incompetente, porque, sistematicamente, não tem ouvido nenhuma das partes implicadas ou envolvidas em quaisquer fatos, mas sim ouvido a si mesma, por meio de suas deduções e de seu raciocínio ilógico e sem conhecimento de causa. Por tudo isso, o Partido da Imprensa é contra qualquer criação de órgão que possa acompanhar seus passos, como o Conselho Federal de Jornalismo.
A arrogância e a prepotência de meia dúzia de famílias que controlam os meios de comunicação no Brasil não favorecem a democratização da imprensa, o que impede que ela, de fato, trabalhe em benefício do desenvolvimento social do povo brasileiro, em vez de ficar a distorcer realidades ou fazer fofocas, muitas delas sem fundamentos mas propositais, pois a finalidade é confundir a sociedade e, conseqüentemente, proteger ou concretizar seus interesses e do grande empresariado, geralmente financeiros e econômicos. Essas atitudes, sobremaneira, prejudicam as atividades daqueles que são incumbidos pelo povo para administrar os três poderes.
A imprensa quer falar pelo povo e representá-lo, mas não disputa eleições e não concorre a cargos públicos. Ela não tem voto. A imprensa é tão arrogante e ignorante que confunde opinião pública com opinião publicada. A imprensa publica e opina, por meio de editoriais, de articulistas e de colunistas. Por isso, sua opinião é publicada. Ela paga a profissionais para publicar suas opiniões sobre determinado assunto. Por sua vez, a opinião pública é feita, é realizada e é concretizada por intermédio do voto. Portanto, o voto é a opinião pública. Palavra e opinião de jornalista ou de quaisquer outras pessoas que atuam em outros segmentos é opinião publicada. Então, vamos ver se a imprensa entendeu: 1) jornalista = opinião publicada, que, por sinal, tem valor. 2) povo = opinião pública = o voto, que, por sinal, tem muito mais valor. É isso aí.
Jornalista Davis Sena Filho
Nenhum comentário:
Postar um comentário