Escrito por Paulo Nogueira Batista Jr
Em entrevista recente à Folha, o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, confirmou que está em estudo “a modernização da legislação cambial”. Bem, leitor, o economista que ora vos escreve -e lamento reconhecê-lo- é macaco velho. Sabe, por exemplo, que “modernização” -palavra tão simpática, repleta de conotações tão positivas- já serviu para encobrir muita barbeiragem no nosso país. Desde os tempos de Fernando Collor e FHC, toda vez que escuto essa palavra um reflexo pavloviano me faz tremer da cabeça aos sapatos.
Espero que desta vez seja diferente. O presidente do Banco Central estava um pouco reticente nas respostas -o que pode ser bom sinal, isto é, sinal de dúvidas e hesitações-, mas admitiu que os estudos “envolvem aplicação de recursos de brasileiros no exterior” e possivelmente a abertura de contas em moeda estrangeira no Brasil.
Reportagens anteriores, publicadas na própria Folha e no “Globo”, foram mais explícitas sobre as ideias que estariam em cogitação no BC. A julgar por esse noticiário, seriam três as medidas principais.
Primeira, a permissão para que residentes e não residentes no Brasil abram contas em dólares e em outras moedas estrangeiras em bancos no país. Segunda, a criação de uma conta investimento para facilitar aplicações no exterior por parte de pessoas físicas e jurídicas.
Terceira, a liberdade para que fundos de investimento constituídos no Brasil comprem ativos no exterior, com remoção ou ampliação dos limites hoje existentes.
Um dos principais objetivos dessas medidas seria reduzir a pressão sobre o câmbio, atenuando a tendência à apreciação do real. À primeira vista, elas parecem fazer sentido. O real forte está contribuindo para uma considerável deterioração do balanço de pagamentos em transações correntes. Facilitar investimentos no exterior e autorizar contas em moeda estrangeira seriam maneiras de estimular a demanda por dólares e segurar a alta do real.
É improvável, porém, que essas medidas surtam o efeito desejado na conjuntura atual. E, numa conjuntura mais adversa, elas podem fragilizar a posição internacional da economia, aumentando sua vulnerabilidade a choques externos.
Na conjuntura atual, as aplicações em reais são excepcionalmente atrativas. O diferencial de juros entre o Brasil e o resto do mundo ainda é imenso. A taxa básica de juros é 8,75% no Brasil, ante 1% na zona do euro, 0,13% nos Estados Unidos e 0,1% no Japão. Em termos reais, a taxa básica brasileira (4,2%) é seis vezes a média das taxas reais nas 40 principais moedas (0,7%), segundo levantamento da UpTrend Consultoria Econômica.
Com esse diferencial de juros, o real se torna extremamente competitivo. Quando a expectativa de valorização se acrescenta à diferença entre os juros internos e externos, a pressão altista sobre o real se torna mais difícil de resistir.
Nesse ambiente, as medidas que estariam sendo cogitadas pelo BC fariam pouca ou nenhuma diferença. Porém, numa conjuntura nacional e internacional diferente, em que a economia brasileira estivesse mais vulnerável, essas medidas retirariam das mãos do governo instrumentos de regulação dos fluxos financeiros, impedindo ou dificultando o controle sobre movimentos de saída de capital.
Em resumo, as idéias atribuídas ao BC seriam inócuas agora e potencialmente nocivas no futuro.
Paulo Nogueira Batista Jr., 54. É diretor-executivo no FMI, onde representa um grupo de nove países (Brasil, Colômbia, Equador, Guiana, Haiti, Panamá, República Dominicana, Suriname e Trinidad e Tobago), mas expressa seus pontos de vista em caráter pessoal.
Fonte: Blog Desemprego Zero.
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