quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

ECONOMIA - No começo de uma longa viagem.

No começo de uma longa viagem

Uma espantosa campanha midiática vem utilizando alguns sinais isolados para dizer que o pior da crise econômica mundial já passou. O renascimento da bolha nas bolsas de valores foi apresentado como o sintoma de uma melhoria geral. Na verdade, estamos perto de uma segunda queda recessiva seguramente mais forte que a de 2008. Os socorros globais de 2008-2009 desaceleraram a queda econômica, mas geraram enormes déficits fiscais nas potências centrais, o que as coloca diante de graves ameaças inflacionárias e de um enfraquecimento extremo em sua capacidade de pagamento. A análise é de Jorge Beinstein.

Crepúsculo do capitalismo, nostalgias, heranças, barbáries e esperanças no início do século XXI.

Este texto se baseia nas conferências apresentadas nos seminários “Margem Esquerda-Istvan Meszaros” (USP – Editorial Boitempo, 18-21 de agosto de 2009) e “Crisi globale, lavoro, democrazia” (Fondazione Guido Piccini – Facultà di Economia dell Università degli Studi di Brescia, Brescia, 27-28 de novembro de 2009).

Começo do fim (ou fim do começo) da crise?
Desde o início de 2009, Ben Bernanke assinalava que antes do fim do ano começaríamos a ver sintomas claros de superação da crise. No mês de agosto, anunciou que “o pior da recessão havia ficado para trás” (1). Antes do estouro da bolha financeira, em setembro de 2008, Bernanke prognosticava que tal estouro nunca iria ocorrer e, quando finalmente ocorreu, seu novo prognóstico era que em pouco tempo viria a recuperação. Agora, o presidente do Federal Reserve (o Banco Central dos Estados Unidos) decidiu não esperar mais e anuncia ao mundo o começo do fim do pesadelo.

Ele não foi o único a fazê-lo. Uma espantosa campanha midiática vem utilizando alguns sinais isolados para impor essa idéia. Deste modo, o renascimento da bolha das bolsas de valores mundiais, desde meados de março, foi apresentado como o sintoma de uma melhoria econômica geral. Uma nuvem de “especialistas” nos explicou que a euforia da Bolsa estava antecipando o fim da recessão.

Na verdade, as injeções massivas de dinheiro dos governos das grandes potências econômicas beneficiando principalmente o sistema financeiro geraram enormes excedentes de fundos que, em condições de retração generalizada da produção e do consumo, encontraram nos negócios das bolas um espaço favorável para tornar seus capitais rentáveis. Jogando na alta dos valores das ações, empurraram para cima seus preços, o que, por sua vez, estimulou o investimento de mais e mais dinheiro na Bolsa. A isto devemos acrescentar que o motor da euforia das bolsas mundiais, a bolsa dos EUA, além do dinheiro derivado das operações locais de socorro, recebeu importantes fluxos de fundos especulativos externos que, aproveitando a persistente queda do dólar, precipitaram-se na compra de ações baratas e em alta.

Repetiu-se assim a seqüência especulativa do final dos anos 1990 e de 2007, com uma diferença decisiva: o contexto da bolha atual não é o crescimento da economia, mas sim a recessão (ou, no melhor dos casos, a estagnação). As bolhas anteriores (financeiras, imobiliárias, comerciais, etc.) interagiam “positivamente” com o resto das atividades econômicas. As altas nos preços das ações ou das habitações incentivavam o consumo e a produção e estes crescimentos, por sua vez, geravam fundos que em boa medida se voltavam para os negócios especulativos, produzindo-se assim uma espécie de circulo virtuoso especulativo-consumista-produtivo de caráter global em última instância perverso, destinado ao desastre no médio prazo, mas que causava “prosperidade no curto prazo”.

A bolha das bolsas de 2009, pelo contrário, contrasta com baixos níveis de consumo e investimentos produtivos e altos níveis de desemprego. Os excedentes de capitais bloqueados por uma economia produtiva declinante conseguem lucros na especulação financeira. O que ocorre então, graças às fabulosas operações de socorro dos governos, é um circulo vicioso baseado na especulação financeira e no crescimento débil ou negativo.

No caso do governo norte-americano este efeito negativo foi suavizado através de enormes subsídios que conseguiram incentivar alguns consumos e, deste modo, desacelerar primeiro e depois reverter a curva descendente do Produto Interno Bruto. Às fortes quedas do último trimestre de 2008 e do primeiro de 2009, sucedeu-se um decréscimo suave no segundo trimestre e um crescimento no terceiro impulsionado pelos subsídios governamentais para a compra de automóveis e habitações mais os gastos militares. Mas, por trás desta efêmera recuperação, aparece a expansão desenfreada do déficit fiscal e do endividamento público.

É evidente que a economia norteamericana não sai da armadilha da decadência. Os alívios transitórios, as tentativas de recuperação, os crescimentos viciados fortalecem e recompõem os mecanismos parasitários que conduziram ao desastre atual. O afundamento do império (do centro articulador do mundo capitalista) arrasta o conjunto do sistema mundial. Agora, no final de 2009, nos encontramos à espera de uma próxima segunda queda recessiva (2010 poderia ser o ano desta catástrofe) seguramente mais forte do que a do último trimestre de 2008. Os socorros financeiros globais de 2008-2009 desaceleraram a queda econômica, mas geraram enormes déficits fiscais nas potências centrais, o que as coloca diante de graves ameaças inflacionárias e de um enfraquecimento extremo na capacidade de pagamento de seus Estados, cuja generosidade fiscal (para as grandes empresas e as instituições financeiras) não conseguiu gerar a desejada decolagem do investimento e do consumo que era anunciada por seus dirigentes.

Segundo eles, esse prometido golpe de demanda deveria produzir a reativação durável da economia mundial e, conseqüentemente, a redução dos déficits, a anulação do perigo inflacionário, etc. Conseguiram apenas modestas reativações de certos consumos, algumas ilusões estatísticas (crescimentos do PIB, etc.) e mais parasitismo. O fracasso é evidente, o que não impede que voltem mais uma vez a aplicar suas inúteis medicinas intervencionistas (em uma curiosa combinação ideológica de neoliberalismo e neokeynesianismo financeiro). E farão isso até que se esgotem os recursos, prisioneiros da loucura geral do sistema. Em seus cérebros, não entra a realidade da violenta mudança de época que tornou obsoletos vários de seus instrumentos.

Pior ainda, não se trata só de uma “crise econômica”. Outras “crises” estão avista e a qualquer momento podem golpear com força um sistema global muito frágil. Entre elas, devemos destacar as crises energética e alimentar (que se fizeram presentes durante o ano de 2008). Ou a degradação do complexo militar-industrial dos EUA envolvendo o conjunto de aparatos militares da OTAN, atolados nas guerras do Iraque e Afeganistão-Paquistão e mergulhados em uma catastrófica crise de percepção: a surpreendente resistência destes povos periféricos ultrapassa sua capacidade de compreensão da realidade. Repete-se em um nível muito mais elevado o “efeito Vietnã”, ou o desconcerto de Hitler diante da avalanche soviética. Também é necessário mencionar as crises urbana e ambiental que juntamente com o declínio de valores morais e culturais, de crenças sociais, vem afogando gradualmente os paradigmas decisivos do mundo burguês, desordenando e deteriorando os sistemas políticos, as estruturas de inovação produtiva e os mecanismos de manipulação midiática.

Em resumo, parece que nos encontramos diante de uma convergência de numerosas “crises”. Na verdade, trata-se de uma única crise gigantesca, com diversos rostos, de dimensão (planetária) nunca antes vista na história. Seu aspecto é o de um grande crepúsculo que ameaça prolongar-se durante um longo período.

1968-2007: a etapa preparatória
A crise atual teve um longo período de gestão (aproximadamente entre 1968 e 2007), durante o qual desenvolveu-se uma crise crônica de superprodução que foi acumulando parasitismo e depredação do ecossistema. O processo destas quatro décadas pode ser interpretado como uma postergação do desastre graças à expansão financeiro-militar (centrada nos EUA), a integração periférica de mão de obra industrial barata (China, etc.), a depredação acelerada de recursos naturais (em especial os energéticos não renováveis) e a pilhagem financeira de um amplo leque de países subdesenvolvidos. Também pode ser visto sob a forma de uma “fuga para a frente” do sistema impulsionada por seus grandes motores parasitários.

Ambas visões deveriam ser integradas utilizando o conceito de “capitalismo senil” (2), ou seja, um fenômeno de envelhecimento avançado do sistema que emprega todo seu complexo instrumental anti-crise acumulado em uma longa história de dois séculos, mas que não pode impedir o agravamento de suas enfermidades e de sua decadência. A expansão do parasitismo e o declínio da dinâmica produtiva global constituem processos estreitamente vinculados. Desde meados dos anos 1970, as taxas de crescimento do Produto Bruto mundial se moveram de maneira irregular em torno de uma linha descendente, enquanto que a especulação financeira crescia a um ritmo vertiginoso. Se observamos o comportamento das três economias centrais: os EUA, a União Européia e o Japão, constataremos que, ao longo das últimas três décadas, a queda de suas taxas de crescimento de capital líquido (taxa de acumulação) contrastou com o aumento dos lucros empresariais. A chave do fenômeno está na crescente orientação do conjunto destas economias para a especulação financeira (3).

A hipertrofia financeira foi, ao mesmo tempo, causa e efeito da decadência produtiva. A desaceleração da chamada “economia real” gerava fundos ociosos que eram dirigidos para a especulação como via de saída para tornar o capital rentável. Em conseqüência, tais atividades expandiam-se absorvendo capitais disponíveis, dominando com sua subcultura do lucro imediato a totalidade do sistema, degenerando-o e fazendo com que perdesse dinamismo. Um estudo rigoroso do fenômeno demonstra que não existem duas esferas opostas, uma financeira e outra produtiva, com comportamentos diferenciados. Pelo contrário, nos encontramos diante de um único espaço de negócios fortemente interrelacionados, muitas vezes com operadores econômicos combinando ambas atividades. De um ponto de vista macroeconômico, não é possível descrever suas trajetórias sem integrá-las em uma dinâmica capitalista comum que busca a maximização dos lucros.

Por sua parte, o complexo militar-industrial norteamericano sofreu um golpe muito duro ao ser derrotado no Vietnã em meados dos anos 1970, mas as necessidades estruturais do capitalismo deram-lhe novo impulso e ele deu um enorme salto quantitativo no início da década dos 1980 com o mega-programa militar do presidente Reagan. Esse programa pareceu ficar bloqueado com a vitória dos EUA na Guerra Feria, no início dos 1990. Como legitimar aumentos de gastos com o desaparecimento do inimigo? No entanto, ao final da década, o Império havia conseguido fabricar um estranho “inimigo” que permitiu uma nova expansão militarista: o terrorismo internacional, um inimigo difuso, altamente virtual, e justificativa de uma prolongada aventura colonial na Eurásia, tratando de controlar a franja territorial que se estende desde os Bálcãs até o Paquistão, atravessando Iraque, Irã, países da Ásia Central, em cujo coração (ao redor do Golfo Pérsico e da bacia do Mar Cáspio) encontra-se cerca de 70% dos recursos petrolíferos do planeta.

A vitória nesta guerra permitiria ao Império encurralar a Rússia e a China e assegurar a fidelidade de seu grande aliado estratégico, a União Européia, consolidando assim sua hegemonia, impondo condições financeiras e comerciais muito duras ao resto mundo, já que a economia imperial declinante necessita de doses crescentes de riquezas externas para sobreviver. Como no passado, se conjugaram as necessidades “internas”, próprias da reprodução da economia norte-americana (onde os gastos militares cumprem um papel decisivo), com a necessária reprodução da exploração imperialista. Neste sentido, não se tratou de um fenômeno novo. Nos anos 1930, os gastos militares permitiram aos EUA sair da recessão e, ao mesmo tempo, emergir como a grande superpotência capitalista depois da Segunda Guerra Mundial.

Logo em seguida, mais de quarenta anos de Guerra Fria constituíram-se em uma importante contribuição para o crescimento de seu Produto Interno Bruto, superando diversas ameaças recessivas (no fim dos anos 1940, no início dos anos 1980, etc.). A novidade da última militarização (a partir do final da década dos 1990) foi dada pela extrema deformação parasitária da sociedade imperial o que significou o desenvolvimento de uma etapa radicalmente diferente de todas as anteriores.

O declínio do centro do mundo
É necessário constatar que nos encontramos diante do declínio do centro do mundo, os Estados Unidos, e que essa decadência não vem acompanhada da ascensão de nenhum outro centro imperialista mundial para substituir a potência declinante. As outras grandes potências (União Européia, Japão, Rússia, China) encontram-se embarcadas todas no mesmo barco global à deriva.

Desde o fim da Segunda Guerra Mundial, o capitalismo se estruturou em torno dos EUA, espaço fundamental de todos os negócios (produtivos, financeiros, midiáticos, etc.). Sua degradação desde o início dos anos 1970 e sua decadência atual expressa um mal universal: o parasitismo estadunidense não tem sido outra coisa que sua manifestação específica, central e acelerada pela crise crônica global de superprodução (incluídos os pseudo-milagres como a expansão chinesa, o renascimento russo ou a integração européia). O parasita norte-americano consumia acima de sua capacidade produtiva porque as economias da Europa, China, Japão, etc., precisavam vender seus bens e serviços e investir seus excedentes financeiros. Isso gerou uma interdependência cada vez mais profunda que foi chamada de “globalização” e a propaganda neoliberal descreveu-a como uma espécie de etapa superior do capitalismo, superadora do sistema vigente entre o fim da Segunda Guerra Mundial e a crise dos anos 1970.

Foi construída uma imagem idílica de um capitalismo transnacional liberado da tutela dos grandes estados nacionais e crescendo indefinidamente em torno dos círculos virtuosos interrelacionados da revolução tecnológica, da expansão do consumo e das finanças globais. Na verdade o que se impôs foi um capitalismo global completamente hegemonizado pelos negócios financeiros e articulados em torno de um grande centro imperialista com claros sintomas de decadência, acumulando dívidas públicas e privadas, externas e internas, cada vez mais dependentes de suas periferias desenvolvidas e subdesenvolvidas.

Seria um erro grosseiro considerar o fenômeno parasitário como um fato específico, exclusivo da sociedade norte-americana. Trata-se, na verdade, de um processo mundial. A financeirização, a proliferação de redes mafiosas e negócios de gansgters (como o tráfico de drogas, a prostituição, os saques de empresas públicas periféricas, etc.) atravessa todas as elites capitalistas dos países centrais e produz uma rápida conversão-degradação de numerosas burguesias do chamado mundo subdesenvolvido, transformadas em autênticas lumpen-burguesias periféricas. Poderia dizer-se que o caso chinês é a exceção, mas não é assim. A China é uma grande exportadora industrial, mas acumula fabulosos excedentes financeiros e cumpre um papel muito importante nos negócios especulativos mundiais. Suas elites dirigentes são altamente corruptas e, em última instância sua industrialização é completamente funcional à reprodução do capitalismo financeiro global, especialmente na fase mais recente da economia norte-americana, fornecendo-lhe mercadorias baratas e acumulando, em troca, dólares, bônus do tesouro e outros papéis. Deste modo, a elite chinesa participa ativamente da festa parasitária global, formando parte do restrito clube dos ricos do mundo (sua base social de trabalhadores e camponeses faz parte da massa proletária de pobres, oprimidos e explorados).

Por outro lado, a realidade da crise desmente as fantasias dos “descolamentos” nacionais ou regionais em relação ao afundamento dos EUA. Ao contrário, mostra o desespero das outras grandes potências diante do declínio de seu espaço central de negócios. O que estamos presenciando não é a substituição da unipolaridade por alguma forma de multipolaridade eficaz, por meio de uma repartição completa do mundo entre potências centrais, mas sim seu deslocamento paulatino para um processo de despolarização, onde vão se abrindo múltiplos espaços nos quais os controles imperialistas (norte-americanos, europeus e outros) estão enfraquecendo, ou, dito de outro modo, onde a articulação capitalista do mundo se debilita ao ritmo da crise. E os antecedentes históricos (sobretudo se pensarmos no que ocorreu a partir da Primeira Guerra Mundial) assinalam que se isso ocorre, se a hierarquia mundial do capitalismo (econômica, política, cultural e militar) entra em crise, então irrompem as condições objetivas e subjetivas para as rebeliões das vítimas do sistema.

Não se trata de um processo ordenado, incluindo tentativas de reconversão estratégica dos mecanismos de dominação (como ocorre atualmente nos EUA sob a presidência de Barack Obama), de aproveitamentos por parte de outras grandes potências que tratam de se apropriar de espaços onde o poder imperial norte-americano se enfraqueceu, de autonomizações periferias às vezes bem sucedidas e às vezes condenadas ao fracasso. Quando certos gurus ocidentais mostram sua preocupação diante do possível desenvolvimento do que chamam de “despolarização caótica” (4) estão expressando um grande medo universal, consciente ou inconsciente frente à perspectiva da reaparição do odiado fantasma anti-capitalista, várias vezes declarado morto e exorcizado, mas que sempre permanece como uma ameaça.

Da crise de superprodução à crise geral de subprodução (esgotamento da civilização burguesa)
O desenlace de 2007-2008, início do longo crepúsculo do sistema, não foi nenhuma surpresa. Estava escrito nos avatares da “crise-controlada” das últimas quatro décadas. Mais ainda, é possível detectar caminhos, processo que ao longo de aproximadamente dois séculos percorrem toda a história do capitalismo industrial, desembocando agora em seu declínio geral. Há germes do parasitismo, anunciadores da futura decadência, presentes desde o nascimento do sistema, durante sua expansão juvenil e, muito mais, em sua fase madura.

A sucessão de crises de superprodução no capitalismo ocidental durante o século XIX não marcou um simples encadeamento de quedas e recuperações em níveis cada vez mais altos de desenvolvimento das forças produtivas. Após cada depressão, o sistema se recompôs, mas acumulando em sua trajetória massas crescentes de parasistismo. O câncer financeiro irrompeu triunfante entre fins do século XIX e início do século XX, obtendo o controle absoluto do sistema sete ou oito décadas depois. O seu desenvolvimento, porém, havia começado muito tempo antes, financiando estruturas industriais e comerciais cada vez mais concentradas e estados imperialistas onde se expandiram burocracias civis e militares. A hegemonia da ideologia do progresso e do discurso positivista serviu para ocultar o fenômeno e instalou a idéia de que o capitalismo, ao contrário das civilizações anteriores, não acumulava parasitismo, mas sim forças produtivas que, ao expandirem-se, criavam problemas de adaptação superáveis no interior do sistema mundial por meio de processos de “destruição criadora”. O parasitismo capitalista em grande escala, quando se tornava evidente, era considerado como uma forma de “atraso” ou uma “degeneração” passageira na marcha ascendente da modernidade.

Essa maré ideológica capturou também boa parte do anticapitalismo (em última instância “progressista”) dos séculos XIX e XX, convencido de que a corrente incontrolável do desenvolvimento das forças produtivas terminaria por enfrentar o bloqueio das relações capitalistas de produção, saltando por cima delas, esmagando-as com uma avalanche revolucionária de trabalhadores industriais dos países mais desenvolvimentos, aos quais se somariam os chamados “países atrasados”. A ilusão do progresso indefinido (mais ou menos turbulento) escondeu a perspectiva da decadência, deixando o pensamento crítico na metade do caminho, tirando-lhe radicalidade, com conseqüências culturais negativas evidentes para os movimentos de emancipação do centro e da periferia.

O militarismo moderno, por sua parte, finca suas raízes no século XIX ocidental, desde as guerras napoleônicas, chegando à guerra franco-prussiana até irromper na Primeira Guerra Mundial como “complexo militar-industrial”. No início, foi percebido como um instrumento privilegiado das estratégias imperialistas e, mais adiante, como instrumento de reativação econômica do capitalismo. Considerava-se, assim, só um aspecto do problema, ignorando ou subestimando sua profunda natureza parasitária: o fato de que, por trás do monstro militar a serviço da reprodução do sistema, escondia-se um monstro muito mais poderoso no longo prazo, um consumidor improdutivo, multiplicador de desequilíbrios, de irracionalidade no sistema de poder.

Atualmente, o complexo militar-industrial norte-americano (em torno do qual se reproduzem os de seus sócios da OTAN) gasta em termos reais mais de US$ 1 trilhão (5), contribuindo de maneira crescente para o déficit fiscal e, por conseguinte, para o endividamento do Império (e para a prosperidade dos negócios financeiros beneficiários deste déficit). Sua eficácia militar é declinante, mas sua burocracia é cada vez maior, a corrupção penetrou em todas as suas atividades e já não é o grande gerador de empregos como foi em outras épocas, uma vez que a tecnologia industrial-militar reduziu significativamente essa função. A época do keynesianismo militar como estratégia eficaz anti-crise pertence ao passado (6).

Presenciamos nos EUA a integração de negócios entre a esfera industrial-militar, as redes financeiras, as grandes empresas energéticas, as camarilhas mafiosas, as “empresas” de segurança e outras atividades muito dinâmicas, conformando o espaço dominante do sistema de poder imperial.

Tampouco a crise energética em torno da chegada do “Peak Oil” (a franja de máxima produção petroleira mundial a partir da qual se desenrola seu declínio) deveria ser restrita à história das últimas décadas. É necessário entendê-la como fase declinante do longo ciclo da exploração moderna dos recursos naturais não renováveis, desde o começo do capitalismo industrial que pode realizar sua expansão graças a esses insumos energéticos abundantes, baratos e facilmente transportáveis, desenvolvendo primeiro o ciclo do carvão sob a hegemonia inglesa no século XIX e, depois, o do petróleo, sob a hegemonia norte-americana no século XX.

Esse ciclo energético de dois séculos condicionou todo o desenvolvimento tecnológico do sistema e foi a vanguarda da dinâmica depredadora do capitalismo, estendida ao conjunto dos recursos naturais e do meio ambiente em geral. O que durante quase dois séculos foi considerado como uma das grandes proezas da civilização burguesa, sua aventura industrial e tecnológica, aparece agora como a mãe de todos os desastres, como uma expansão depredadora que põe em perigo a sobrevivência da espécie humana (que colocou essa expansão em curso). Em resumo, o desenvolvimento da civilização burguesa durante os dois últimos séculos (com raízes em um passado ocidental muito mais prolongado) terminou por engendrar um processo irreversível de decadência. A depredação ambiental e a expansão parasitária, estreitamente interrelacionadas, estão na base do fenômeno.

A dinâmica de desenvolvimento econômico do capitalismo, marcada por uma sucessão de crises de superprodução constitui o motor do processo depredador-parasitário que conduz inevitavelmente a uma crise prolongada de subprodução. A partir de um olhar superficial, poderíamos concluir que esta crise foi causada por fatores exteriores ao sistema: perturbações climáticas, escassez de recursos energéticos, etc., que bloqueiam ou mesmo fazem retroceder o desenvolvimento das forças produtivas. No entanto, uma reflexão mais rigorosa demonstra que a penúria energética e a degradação ambiental são o resultado da dinâmica depredadora do capitalismo, obrigado a crescer indefinidamente para não perecer, ainda que tal crescimento termine por destruir o sistema. Existe uma interrelação dialética perversa entre a expansão da massa global de lucros, sua velocidade crescente, a multiplicação das estruturas burocráticas civis e militares de controle social, a concentração mundial de renda, a ascensão da maré parasitária e a depredação do meio ambiente.

As revoluções tecnológicas do capitalismo têm sido, aparentemente, suas tábuas de salvação. De fato o foram durante muito tempo, incrementando a produtividade industrial e agrícola, melhorando as comunicações, os transportes, etc., mas, no longo prazo histórico, no balanço de vários séculos, constituem-se em uma armadilha mortal. Terminam por degradar o desenvolvimento que impulsionaram pelo fato de estarem estruturalmente baseadas na depredação ambiental, gerando um crescimento exponencial de massas humanas super-exploradas e marginalizadas. A cultura técnica da civilização burguesa se apóia em um duplo combate: o do homem contra a natureza (o contexto ambiental de sua vida) convertida em objeto de exploração, realidade exterior e hostil que precisa ser dominada e devorada; e o do homem (burguês) contra o homem (explorado e dominado) convertido em objeto manipulável.

O progresso técnico integra assim o processo de auto-destruição geral do capitalismo na direção de um horizonte de barbárie. Essa idéia vai muito mais além do conceito de bloqueio tecnológico ou de “limite estrutural do sistema tecnológico”, tal como formulado por Bertrand Gille (7). Não se trata da incapacidade do sistema tecnológico da civilização burguesa para seguir desenvolvendo forças produtivas, mas sim de sua alta capacidade enquanto instrumento de destruição de forças produtivas. Em resumo, a história das crises de super-produção conclui com uma crise geral de sub-produção, como um processo de destruição, de decadência sistêmica no longo prazo. Isso significa que a superação necessária do capitalismo não aparece como o passo indispensável para “a marcha do progresso”, mas sim, em primeiro lugar, como tentativa de sobrevivência humana e de seu contexto ambiental.

O processo de decadência em curso deve ser visto como a fase descendente de um longo ciclo histórico iniciado no final do século XVIII (8) que contou com dois grandes articuladores hoje declinantes: o ciclo de dominação imperialista anglo-norte-americano (etapa inglesa no século XIX e norte-americana no século XX) e o ciclo do estado burguês desde sua etapa “liberal industrial” no século XIX, passando por sua etapa intervencionista produtiva (keynesiana clássica) em boa parte do século XX, para chegar a sua degradação “neoliberal” a partir dos anos 1970-1980.

Enfim, é necessário assinalar que a convergência de numerosas crises mundiais pode indicar a existência de uma perturbação muito grave, mas não necessariamente o desdobramento de um processo de decadência geral do sistema. A decadência aparece como a última etapa de um longo ciclo histórico, sua fase declinante, seu envelhecimento irreversível (sua senilidade), o esgotamento de suas diversas funções. Levando ao extremo os reducionismos tão praticados pelas “ciências sociais” poderíamos falar de “ciclos” energético, alimentar, militar, financeiro, produtivo, estatal, etc., e assim descrever em cada caso trajetórias que se desenrolam no Ocidente entre fins do século XVIII e começos do século XIX, com raízes anteriores e envolvendo espaços geográficos crescentes até assumir finalmente uma dimensão planetária e começar logo a declinar em cada um deles. A coincidência histórica de todas esses declínios e a fácil detecção dessas interrelações entre todos esses “ciclos” nos sugerem a existência de um único super ciclo que os inclui a todos. Dito de outra maneira, a hipótese é que se trata de um ciclo da civilização burguesa que se expressa por meio de uma multiplicidade de “aspectos” (produtivo, moral, político, militar, ambiental, etc.).

Nostalgias, heranças e esperanças
Na esquerda, pululam os nostálgicos do século XX, que é apresentado como um período de grandes revoluções socialistas e antiimperialistas, desde a Revolução Russa até a vitória vietnamita, passando pela Revolução Chinesa, as vitórias anticolonialistas na Ásia e África, etc. Frente a essa sucessão de ondas revolucionárias o que veio depois, nas últimas décadas do século XX, aparece como uma desgraça. Ainda que também seja possível olhar esse “período maravilhoso” como uma sucessão de desilusões, de tentativas libertadoras fracassadas. Além disso, as esperanças (embaladas desde meados do século XIX) em vitórias proletárias no coração do mundo burguês – na Europa mais desenvolvida e na neo-Europa norte-americana, os Estados Unidos – nunca se concretizaram. O peso cultural do capitalismo gerando barbáries fascistas ou “civilizadas” integrações keynesianas dissipou toda possibilidade de superação pós-capitalista.

A última grande crise do sistema, desencadeada no início dos anos 1970, não produziu um deslocamento do mundo para a esquerda, mas justamente o contrário. Tudo isso contribuiu para confirmar a crença simplista, demolidora, de que o capital “sempre encontra alguma saída” (tecnológica, política, militar, etc.) para suas crises. Trata-se de um “pré-conceito” com raízes muito profundas, forjado durante muito tempo. Destruir esse mito constitui uma tarefa decisiva no processo de superação da decadência. Se esse objetivo não for atingido, a armadilha burguesa nos impedirá de sair de um mundo que vai afundando na barbárie. Isso já aconteceu ao longo da história com outras civilizações decadentes que puderam preservar sua hegemonia cultural degradando, neutralizando uma após outra todas as possíveis saídas superadoras.

Por outro lado, o fato de o capitalismo ter ingressado em seu período de declínio significa, entre outras coisas, a aparição de condições civilizacionais para a irrupção de elementos práticos e teóricos que poderiam servir como base para o avanço (destrutivo-criador) do anti-capitalismo como fenômeno universal. Para isso é necessário (urgente) impulsionar a crítica radical e integrá-la com as resistências e os movimentos insurgentes e, a partir daí, com o leque mais amplo de massas populares golpeadas pelo sistema. A chave histórica desse processo necessário é a aparição de um movimento anti-capitalista plural, inovador (que poderíamos denominar, em uma primeira aproximação, de “humanismo revolucionário”) dedicado ao desenvolvimento de sujeitos populares revolucionários, de rupturas, destruições dos sistemas de poder, de opressões imperialistas, de estruturas de reprodução do capitalismo.

A sua implementação pode ser pensada como um duplo fenômeno de inovação social e de recuperação de memórias, de projetos de igualdade e liberdade que atravessaram os dois últimos séculos nos países centrais e periféricos. Um complexo processo universal teórico-prático de recuperação de raízes, de identidades pisoteadas pelas modernizações capitalistas, de crítica integral e intransigente contra as fraudes ideológicas do sistema, seus diversos fetichismos (da tecnologia, da auto-realização individualista, dissociadora, do consumo desenfreado, da coisificação do meio ambiente). Guerra global prolongada, conquista destrutiva (revolucionária) dos sistemas de poder significa o renascimento da idéia de revolução, de uma ofensiva libertadora contra os opressores internos e externos, de uma práxis emancipadora dos oprimidos e do rechaço permanente de todas as tentativas de estabilização do sistema.

A decadência aparece sob a forma de uma imensa totalidade burguesa inevitável. A sua superação só é possível a partir do desenvolvimento de sua negação absoluta, da irrupção de uma “totalidade negativa universal” (9) que, nas condições concretas do século XXI, deveria apresentar-se como convergência dos marginalizados, oprimidos e explorados do planeta. Não como sujeito solitário ou isolado, mas sim como aglutinador, como espaço insurgente de encontro de um amplo leque de forças sociais rebeldes, como vítima absoluta de todos os males da civilização burguesa e, por conseguinte, como líder histórico da regeneração humana (uma recomposição da visão de Marx do “proletariado” como sujeito universal emancipador).

Aqui é necessário assinalar uma diferença decisiva entre a situação atual e as condições culturais nas quais se apoiou o ciclo de revoluções a partir da Primeira Guerra Mundial. O atual começo da crise dispõe de uma herança única que é possível resumir como a existência de uma gigantesco patrimônio democrático, igualitário, acumulado ao longo do século XX por meio de grandes tentativas emancipadoras revolucionárias, reformistas, antiimperialistas mais ou menos radicais, inclusive com objetivos socialistas em muitas delas. Centenas de milhões de oprimidos e explorados em todos os continentes realizaram uma aprendizagem excepcional, obtiveram vitórias, fracassaram, foram enganados por usurpadores de todo tipo, receberam o exemplo de dirigentes heróicos, etc. Esta é outra maneira de olhar o século XX: como uma gigantesca escola de luta pela liberdade, onde o melhor da humanidade aprendeu muitas coisas que ficaram gravadas em sua memória histórica, não como lembrança pessimista de um passado irreversível, mas sim como descobrimento, como ferramenta cultural carregada definitivamente em sua mochila de combate.

Por volta de 1798, quando as esperanças geradas pela Revolução Francesa agonizavam, Kant sustentava com obstinação que “um fenômeno como esse não é esquecido jamais na história humana...é demasiado grande, demasiadamente ligado ao interesse da humanidade, demasiado difundido em virtude de sua influência sobre o mundo, por todas as partes, para que os povos não lembrem dele em alguma ocasião propícia e não sejam incitados por essa lembrança a repetir a tentativa” (10). O século XX equivale a dezenas de revoluções libertárias como a francesa, e muito mais do que isso se o considerarmos do ponto de vista qualitativo.

O patrimônio cultural democrático disponível agora pela humanidade oprimida, armazenado em sua memória, ao início da maior crise da história do capitalismo, é muito mais vasto, rico e denso que o existente no início da anterior crise prolongada do sistema (1914-1945). O pós-capitalismo não só constitui uma necessidade histórica (determinada pela decadência da civilização burguesa), como uma possibilidade real, com uma base cultural imensa nunca antes disponível. A esperança e o otimismo histórico aparecem, são visíveis através das ruínas, das estruturas degradadas de um mundo injusto.

Quatro esclarecimentos são necessários.

Primeiro: no início do século XXI, o sistema global ingressou em um período de crescimento zero, negativo ou muito débil. Isso não se deve à rebelião popular contra o crescimento alienante e destruidor do meio ambiente, mas sim à decadência da civilização burguesa. Nos anos 1970, Joseph Gabel expressava seus temores ante as consequências do esgotamento dos recursos naturais (era a época dos choques do petróleo e da teoria dos limites do crescimento) e a instalação de sociedades de penúria, de sobrevivência, fundadas na distribuição autoritária e hiper-elitista dos escassos bens disponíveis. Gabel assinalava que as utopias igualitárias se baseiam na abundância de bens, no fim da miséria, etc., algo oposto às experiências das sociedades de sobrevivência baseadas na distribuição hierárquica do poder e dos bens (11).

Poderíamos imaginar um cenário sinistro, onde logo após o desmoronamento da cultura do consumismo ante à evidência do fim do crescimento (pelo menos no médio prazo), o sistema gerasse uma espécie de reconversão ideológica apoiada na idéia de austeridade autoridade, na instalação de um conformismo profundamente conservador e ultra elitista impulsionado por um bombardeio midiático gigantesco e sustentado por sistemas repressivos eficazes; em resumo, algo como um neofascismo estabilizador. Para realizar com êxito essa reconversão cultural, o capitalismo precisaria dispor de uma capacidade de controle social universal, de assimilação de suas contradições e de um tempo de desenvolvimento que atualmente não são visíveis. Tudo parece indicar que sua dinâmica cultural, o imenso peso de seus interesses imediatos, as debilidades de seus sistemas de controle social (incluída aí a arma midiática), e sua fragmentação tornam esse futuro muito pouco provável. Pelo contrário, considerando a recente experiência dos “falcões” norte-americanos, a essência parasitária das elites dominantes mundiais sugere cenários turbulentos de confrontos militaristas-imperialistas, de rebeliões sociais, etc.

Fica pendente o tema da diminuição dos recursos naturais disponíveis e, por conseguinte, das técnicas produtivas e do tipo de bens produzidos. Uma metamorfose social complexa é possível, a partir da decadência do sistema, reinstalando utopias igualitárias baseadas na abundância (ponto de partida para a superação do mercado, para a extensão da gratuidade, etc.). Obviamente uma abundância de “outro tipo”, fraternal, criativa e não consumista-passiva, reconciliada com a comunidade e com a natureza. Desta maneira, à farsa capitalista da “abundância geral” (objetivo inalcançável, contraditório com a reprodução do sistema) ou ao pesadelo da sociedade de sobrevivência (autoritária, repressiva, elitista) se contrapõe a utopia da sociedade igualitária de abundância (outros bens, outras técnicas, outras formas de relação entre os seres humanos e destes com o meio ambiente).

Segundo: esse protagonismo radical dos oprimidos não tem porque nascer durante o primeiro dia da crise. É necessário um imenso processo de gestação atravessado por rebeliões populares e reações conservadoras, com avanços e retrocessos, uma longa marcha em um período muito denso e turbulento (cuja duração real é imprevisível), no qual estamos dando os primeiros passos. É um tempo de recuperação de memórias, de novos aprendizados, de construção complexa de uma nova consciência.

Terceiro: a existência do patrimônio democrático global antes mencionado poderia ser a base histórica da superação das frustrações socialistas do século XX, onde a reprodução da hegemonia cultural do capitalismo, articulada com tradições muito antigas de submissão bloqueavam os processos de auto-emancipação, reduzidos a movimentos de massas dirigidos por elites radicais, por dirigentes inevitavelmente autoritários, cujas vitórias resultavam em novos mecanismos de opressão. O desenrolar da história salta por cima da disputa sem solução entre comunistas estatistas e libertários: os primeiros desenvolvendo a possibilidade concreta da revolução, mas postergando para um futuro nebuloso a democracia de base (produzindo, assim, ao mesmo tempo, o fato revolucionário e as condições de seu fracasso); os segundos ignorando a existência de uma densa trama cultural negativa penetrando profundamente a consciência popular e, por conseguinte, a necessidade de complexas transações, desmantelamento de estruturas e estilos de vida, combinações pragmáticas, plurais, entre o velho e o novo.

Quarto: a periferia do capitalismo, o espaço dos povos pobres e marginalizados do planeta aparece como o lugar privilegiado para a irrupção destas forças libertadoras. Isso vem sendo demonstrado pela realidade, desde as resistências ao Império no Iraque e no Afeganistão, até a onda popular democrática na América Latina que já inclui alguns dos espaços mais avançados onde se postula a superação socialista do capitalismo. Ainda que não devamos subestimar suas prováveis prolongações futuras e interações com fenômenos da mesma natureza nos países centrais, coração visível da crise, aí a concentração de renda, o desemprego, o empobrecimento em grande escala se estendem ao ritmo da decadência do sistema. Suas elites aceleram sua degeneração parasitária, o que coloca o perigo de renovadas aventuras neofascistas e imperialistas, mas também a esperança na rebeldia de suas retaguardas populares internas.

A barbárie já está em marcha. A insurgência dos oprimidos, também.

Notas
(1) “Fed says worst of recession over”, BBC News, 12 Agosto, 2009.

(2) O conceito de capitalismo senil tal como é utilizado neste texto aparece nos anos 1970 em um trabalho de Roger Dangeville (Roger Dangeville, “Marx-Engels. La crise”, editions 10/18, Paris 1978) e é retomado por vários autores na década atual: Jorge Beinstein, “Capitalismo Senil”, Record, Rio de Janeiro, 2001; Samir Amin , “Au delà du capitalisme senile”, Actuel Marx -PUF, Paris 2002.

(3) Michel Husson, "Crise de la finance ou crise du capitalisme", http://hussonet.free.fr/denkntzf.pdf

(4) Richard N. Haass, “The Age of Nonpolarity. What Will Follow U.S. Dominance”, Foreign Affairs , May/June, 2008.

(5) Esta cifra é obtida somando o gasto do Departamento de Defesa e os gastos militares de outras áreas da administração pública. Chalmers Johnson, “Going bankrupt: The US's greatest threat “, Asia Times, 24 Janeiro, 2008.

(6) Scott B. MacDonald, “End of the guns and butter economy”, Asia Times, October 31, 2007.

(7) Bertrand Gille, “Histoire des techniques”, La Pléiade, Paris, 1978.

(8) Uma visão muito mais ampliada o integraria ao mega ciclo da civilização ocidental, chegando ao início do segundo milênio com as cruzadas e os primeiros germens comerciais do capitalismo na Europa, atravessando a conquista da América até chegar à revolução industrial inglesa, ás guerras napoleônicas e à expansão planetária da modernidade (imperialista, de raiz ocidental, é preciso destacar).

(9) Franz Jakubowsky, “Les superestructures idéologiques dans la conception matérialiste de l'histoire”, Etudes et Documentetion Internationales (EDI), París, 1976.

(10), Emmanuel Kant, “Filosofia de la historia”, Fondo de Cultura Económica, México, 1992.

(11), Joseph Gabel, “Idéologies II”, éditions anthropos, París, 1978.

(*) Economista argentino, professor na Universidade de Buenos Aires. É autor, entre outros livros, de "Capitalismo senil, a grande crise da economia global".

Tradução: Marco Aurélio Weissheimer

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