quinta-feira, 14 de janeiro de 2010

ECONOMIA - Porque a China deve comprar títulos do tesouro americano.

Porque a China deve comprar Títulos do Tesouro dos EUA com os seus dólares do excedente comercial

por Henry C.K. Liu

Muitos sugeriram que a China não é obrigada a comprar Títulos do Tesouro (US Treasuries) dos EUA com os seus dólares do excedente comercial. Eles destacam que a China assim o faz voluntariamente porque a dívida soberana dos EUA é o instrumento mais seguro para armazenar valor. Isto agora, obviamente, já não é verdadeiro. Assim, por que a China continua a comprar dívida soberana estado-unidense? A resposta é que a China não tem outras opções senão tornar-se uma credora dos EUA devido ao desequilíbrio comercial EUA-China. O que se segue explica o porque.

Uma dívida não é uma coisa independente. Ela designa o relacionamento financeiro entre partes. Para que exista uma dívida entre partes, uma parte, ou partes, deve ser devedora, ou devedoras, e a contraparte ou contrapartes deve ser credora, ou credoras. Uma dívida não pode existir sem uma posição de crédito contrabalançadora.

O crédito impulsiona a economia, não a dívida. A dívida é o reflexo espelhado do crédito. Mesmo o espelho mais preciso violenta a simetria ao reflectir. Por que um espelho devolve uma imagem direita à esquerda e não invertida como fazem as lentes das câmaras fotográficas? A resposta científica é que uma imagem espelhada transforma a frente em costas ao invés de esquerda em direita como habitualmente assumido. Mas nós muitas vezes aceitamos esta aberrante distorção do espelho como verdade imparcial e impensadamente consideramos o reflexo distorcido no espelho como uma representação perfeita.

Na linguagem da teoria financeira, crédito e débito são opostos mas não idênticos. De facto, crédito e débito operam em relações invertidas. O crédito exige um valor líquido positivo e o débito não. Alguém pode ter bom crédito e nenhuma dívida. Dívidas altas reduzem a classificação de crédito. Quando alguém entende o crédito, entende a força principal por trás da moderna economia financeira, a qual é conduzida pelo crédito e atrasada pela dívida. Comportamentalmente, a dívida distorce os cálculos de utilidade marginal e rearranja o rendimento disponível. A dívida transforma as acções das corporações em Bens de Giffen [1] , cuja procura aumenta quando o seu preço sobe – e cria o que o antigo presidente do Federal Reserve Board Alan Greenspan chamou "exuberância irracional", o homem económico enlouquecido.

Os economistas monetaristas encaram o dinheiro emitido pelo governo como um instrumento de dívida soberana com maturidade zero, historicamente derivado da letra de câmbio (bill of exchange) na banca livre. Esta visão é válida só para a espécie de dinheiro que é um certificado de dívida que pode dar direito a uma quantia prescrita de ouro ou outra espécie de valor intrínseco. Mas a moeda fiduciária emitida por um governo soberano não é uma dívida soberana e sim um instrumento soberano de crédito. Títulos de governos soberanos são dívida soberana ao passo que títulos de governos locais são dívida de agência mas não dívida soberana, porque governos locais, apesar de possuírem poderes limitados para tributar, não podem imprimir dinheiro, o que é da exclusiva autoridade do governo federal ou de um governo central. Quando o dinheiro compra títulos, a transacção representa crédito soberano cancelando débito público ou corporativo. Este relacionamento é de certa forma directo, mas é de importância fundamental.

Dinheiro emitido por ordem do governo é agora o único dinheiro de curso legal em todas as economias nacionais modernas. A Teoria estatal do dinheiro (Chartalism) [2] sustenta que a aceitação geral da divisa fiduciária emitida pelo governo repousa fundamentalmente sobre a autoridade do governo para tributar. A disposição do governo para aceitar a divisa fiduciária que emite para o pagamento dos impostos permite tal emissão de divisa dentro de uma economia nacional. Esta divisa é dívida soberana para obrigações fiscais, as quais são descarregáveis por instrumentos de créditos emitidos pelo governo na forma de dinheiro fiduciário. Ao emitir moeda fiduciária, o governo não fica a dever nada excepto cumprir uma promessa de aceitar a sua moeda para pagamento de impostos. Um regime de banca central opera sobre a noção de dinheiro fiduciário emitido pelo governo como crédito soberano. Um banco central opera essencialmente como prestamista de último recurso para o sistema bancário do país, aproveitando-se do crédito soberano. A posição de quem empresta (lender) é uma posição credora.

Thomas Jefferson profetizou de forma notável:

"Se o povo americano permitir aos bancos controlar a emissão da sua divisa, primeiro pela inflação e depois pela deflação, os bancos e corporações que crescerão em torno dele privarão o povo de toda propriedade até os seus filhos acordarem sem lar no continente que os seus pais ocuparam ... O poder de emissão da moeda deveria ser tomado dos bancos e devolvido ao Congresso e ao povo a quem ele pertence".

Esta advertência aplica-se também a todos os outros povos do mundo.

O governo lança impostos não para financiar as suas operações e sim para dar valor à sua moeda fiduciária como instrumento de crédito soberano. Se quiser, o governo pode financiar as suas operações inteiramente através de pagamentos pelo utilizador (user fees), como sugerem alguns conservadores fiscais. O governo nunca precisa estar endividado para com o público. Ele cria uma componente da dívida governamental a fim de proporcionar uma taxa de juro de referência (benchmark) para ancorar o mercado da dívida privada, não porque ele precise de moeda. Tecnicamente, um governo soberano nunca precisa tomar emprestado. Ele pode emitir crédito fiscal na forma de moeda fiduciária para atender a todos os seus passivos. E apenas um governo soberano pode emitir moeda fiduciária como crédito soberano.

REORDENAMENTO DA ESTRUTURA CONCEPTUAL

Se a moeda fiduciária não é dívida soberana, então toda a estrutura conceptual do capitalismo financeiro está sujeita a reordenamento, assim como a física foi sujeita a reordenamento quando a compreensão humana do mundo mudou a percepção de que a Terra não está estacionária nem é o centro do universo. A necessidade de formação de capital para financiar o desenvolvimento socialmente útil revelar-se-á uma farsa cruel, pois o crédito soberano pode financiar todo o desenvolvimento socialmente útil sem problema. As poupanças privadas não são necessárias para financiar o desenvolvimento sócio-económico público, uma vez que as poupanças privadas não são requeridas para a oferta de crédito soberano. Portanto o relacionamento entre a taxa de poupança privada nacional e as finanças públicas é na melhor das hipóteses indirecto.

O crédito soberano pode financiar uma economia na qual o desemprego seja desconhecido, com salários constantemente a subir para proporcionar poder de compra do consumidor a fim de impedir super-capacidade de produção. Uma economia vibrante é aquela na qual há escassez de trabalho persistente que pressiona em alta os salários para reduzir a super-capacidade. As poupanças privadas são necessárias só para o investimento privado que não tem finalidade ou valor social intrínseco. Poupanças sem pleno emprego são deflacionárias, pois as poupanças reduzem o consumo corrente para proporcionar investimento para aumentar a oferta futura, a qual não é necessária numa economia com super-capacidade criada pela falta de procura, a qual por sua vez foi criada pelos baixos salários e o desemprego. A Lei de Say da oferta a criar a sua própria procura é uma situação muito especial que é operacional só sob o pleno emprego com altos salários. A Lei de Say ignora a defasagem temporal crítica entre oferta e procura que pode ser fatalmente problemática para as necessidades de fluxo de caixa numa economia moderna em movimento rápido. As poupanças exigem pagamentos de juros, a composição dos quais regressivamente fará qualquer esquema financeiro insustentável. As religiões proíbem a usura por razões muito práticas.

O relacionamento entre activo e passivo exprime-se como crédito e débito, com a designação determinada pelo fluxo da obrigação. Um fluxo do activo para o passivo é conhecido como crédito, o inverso é conhecido como débito. Um credor é alguém que o seu passivo para aumentar o seu activo, o qual inclui o direito de cobrança sobre os passivos dos seus devedores. Dívida soberana é um pretenso jogo para tornar comerciáveis dívidas monetárias privadas denominadas em moeda fiduciária.

O estado soberano, representando o povo, possui todos os activos de um país que não são do sector privado. Isto é verdadeiro sem considerar se o estado opera sob princípios socialistas ou capitalistas. Portanto os activos do estado são a riqueza nacional menos aquela porção da riqueza do sector privado após passivos fiscais, mas todas as outras reclamações sobre o sector privado por direito soberano. Altos salários são o determinante chave da riqueza nacional. A privatização geralmente reduz activos do estado embora possa aumentar a receita fiscal. Na medida em que um estado soberano existe, o seu crédito é limitado apenas pela riqueza nacional. Se o crédito soberano for utilizado para aumentar a riqueza nacional, então o crédito soberano é ilimitado na medida em que o crescimento da riqueza nacional se mantiver ao ritmo do crescimento do crédito soberano.

Quando um estado soberano emite moeda de curso legal, ele emite um instrumento monetário apoiado pelos seus direitos soberanos, os quais incluem a tributação. Um estado soberano nunca deve dívidas internas excepto por desígnio voluntário. Quando um estado soberano toma emprestado a fim de evitar cobrar impostos ou aumentar tributos, isto é um expediente político, não uma necessidade financeira. Quando um estado soberano toma emprestado, através da veda de títulos soberanos denominados na sua própria divisa, ele está a retirar crédito soberano emitido anteriormente do sistema financeiro. Quando um estado soberano toma emprestado divisas estrangeiras, ele perde o seu privilégio do crédito soberano e reduz-se a um devedor ordinário porque nenhum estado soberano pode emitir divisa estrangeira. A hegemonia do dólar impede todos os estado além dos EUA de financiarem o seu desenvolvimento interno com crédito soberano.

Títulos do governo actuam como absorvedores de crédito soberano do sector privado. Títulos do governo dos EUA, graças à hegemonia do dólar, desfrutam da mais alta classificação de crédito, chegando ao topo de uma pirâmide de risco de crédito nos mercados de dívida internacional soberana e institucionais. A hegemonia do dólar é um fenómeno geopolítico no qual o dólar dos EUA, uma moeda fiduciária, assume o status de divisa primária de reserva na arquitectura financeira internacional. A arquitectura é uma arte cuja estética baseia-se na bondade moral, da qual a actual arquitectura financeira internacional está visivelmente carente. Portanto a hegemonia do dólar é objectável não só porque o dólar, como divisa fiduciária, usurpa um papel que não merece, como também porque o seu efeito sobre a comunidade mundial é destituído de bondade moral, porque destrói a capacidade de governos soberanos além dos EUA utilizarem o crédito soberano para financiar o desenvolvimento das suas economias internas, e força-os a exportar para ganhar reservas de dólar a fim de manter o valor cambial das suas próprias divisas.

Moeda emitida por decreto governamental soberano é um monopólio soberano ao passo que dívida não é. Qualquer um com uma classificação de crédito aceitável pode tomar emprestado ou emprestar, mas só governos soberanos podem emitir moeda fiduciária com curso legal. Quando um governo soberano emite moeda fiduciária, ele emite certificados do seu bom crédito soberano para descarregar passivos fiscais impostos pelo governo soberano sobre os seus cidadãos. Moeda de emissão privada pode existir só com a graça e permissão do soberano e é diferente da moeda emitida pelo governo soberano em que a moeda emitida privadamente é "vale" (IOU, I owe you, devo-lhe) do emitente, com o emitente devendo ao possuidor a satisfação em retorno do dinheiro. Mas moeda fiduciária emitida por um governo soberano não é uma dívida do governo porque a moeda é suportada por uma dívida potencial do possuidor na forma de passivos fiscais. O dinheiro emitido por um governo soberano através de decreto como de curso legal é boa por lei para liquidação de todas as dívidas, privadas e públicas. Qualquer um que se recuse a aceitar dólares nos EUA para pagamento de dívida está a violar a lei estado-unidense. Instrumentos utilizados para liquidar dívidas são instrumentos de crédito.

A compra de títulos soberanos com moeda fiduciária emitida pelo governo é um dos meios do governo para injectar mais crédito soberano dentro da economia. Pela lógica, a oferta monetária numa economia não é dívida do governo porque, se aumentar a oferta monetária significa aumentar a dívida nacional, então a facilidade monetária contrairia o crédito da economia. Mas a evidência empírica sugere outra coisa: a facilidade monetária aumenta a oferta de crédito. Portanto, se a criação de moeda fiduciária pelo governo soberano aumento o crédito, a moeda emitida por decreto pelo governo soberano é um instrumento de crédito.

DA ANTI-MATÉRIA AO DINHEIRO NEGATIVO

O economista Hyman Minksky observou correctamente que sempre que é emitido crédito, é criada moeda. A emissão de crédito cria dívida para a parte da contraparte, mas dívida não é dinheiro e o crédito sim. Dívida é dinheiro negativo, uma forma de anti-matéria financeira. Os físicos entendem o relacionamento entre matéria e anti-matéria. Einstein teorizou que a matéria resulta da concentração de energia e Paul Dirac conceptualizou o sub-produto da criação de anti-matéria através da criação de matéria a partir da energia. A colisão de matéria e anti-matéria produz aniquilação que retorna a matéria e anti-matéria a energia pura. O mesmo é verdadeiro com crédito e débito, os quais são relacionados mas opostos. Eles são criados em formas separadas a partir da energia financeira para produzir matéria (crédito) e anti-matéria (débito). A colisão do crédito e do débito produzirá aniquilação e retornará a resultante união a pura energia financeira não adequada ao benefício humano. O pagamento da dívida termina a interacção financeira.

Dívida monetária é reembolsável com moeda. Um governo soberano não ser torna um devedor com a emissão de moeda fiduciária, a qual, nos EUA, toma a forma de uma nota do Federal Reserve, não uma nota ordinária de banco. A palavra "banco" não aparece nos dólares dos EUA. Moeda de maturidade zero (Zero maturity money, ZMM) na economia do dólar é igual a M2 [3] mais todos os fundos do mercado monetário, menos depósitos a prazo. Isto mede a oferta de activos financeiros resgatáveis ao par a pedido. O ZMM cresceu de US$550 mil milhões em 1971 quando o presidente Nixon retirou o dólar do padrão ouro para US$9,6 milhões de milhões (trillion) em Dezembro de 2009 e não é uma dívida federal. Ele monta a cerca de 67,3% do PIB estado-unidense, de US$14,26 milhões de milhões, ligeiramente mais do que a dívida nacional de US$12,33 milhões de milhões no mesmo ponto do tempo. O crédito soberano é o que dá à economia dos EUA a sua força inerente.

Um possuidor de moeda fiduciária é um possuidor de crédito soberano. O possuidor de moeda fiduciária não é um credor do estado, como alguns economistas monetários afirmam erradamente. A moeda fiduciária apenas confere ao seu possuidor uma substituição pela mesma moeda do governo, nada mais. O dólar, sendo uma nota do Federal Reserve, habilita o possuidor a trocar a nota por outra nota idêntica no Federal Reserve Bank e só isso. O possuidor da moeda fiduciária está a actuar como um agente do estado, com a plena confiança e o crédito do estado por trás do instrumento, o qual é bom para pagar impostos e é dinheiro de curso legal para toda dívida pública e privada. A moeda fiduciária, como um passaporte, habilita o possuidor à protecção do estado em reforço do crédito soberano. É um certificado do poder financeiro do estado inerente à soberania.

A teoria da moeda Chartalista [1] afirma que o governo, em virtude do seu poder para cobrar impostos pagáveis com dinheiro de curso legal designado pelo governo, não precisa de financiamento externo. Consequentemente, o crédito soberano capacita o governo a financiar uma economia de pleno emprego mesmo numa economia de mercado regulado. A lógica do Chartalismo raciocina que uma taxa de imposto excessivamente baixa resultará numa procura baixa pela divisa e que um excedente fiscal crónico do governo é economicamente contra-producente e insustentável porque drena crédito da economia continuamente. A administração colonial na África britânica utilizava impostos sobre a terra para induzir os nativos despreocupados a utilizarem a sua divisa e a empenharem-se na produtividade financeira.

Portanto, de acordo com a teoria Chartalista, uma economia pode financiar com crédito soberano as necessidades do seu desenvolvimento interno, para alcançar pleno emprego e maximizar um crescimento equilibrado, sem qualquer necessidade de dívida soberana ou empréstimos ou investimentos estrangeiros, e sem a penalidade da hiper-inflação. Mas a teoria Chartalista é operacional só em regimes monetários predominantemente fechados. Países que participam no "livre comércio" internacional neoliberal sob a égide de mercados financeiros e de divisas globais e não regulamentados não podem operar sob os princípios chartalistas por causa do dilema do câmbio externo. Qualquer governo que imprima a sua própria divisa para financiar necessidades internas legítimas para além da dimensão das suas reservas cambiais verá logo a sua divisa convertível sob ataque nos mercados de câmbios, pouco importando se a divisa está ligada por uma taxa de câmbio fixa a outra divisa ou se está a flutuar livremente. Portanto todas as economias não-dólar são forçadas a atrair capital estrangeiro denominado em dólares mesmo para atender necessidades internas. Mas economias não-dólar devem acumular dólares de reserva antes de poderem atrair capital estrangeiro. Mesmo com controle de capitais, o capital estrangeiro só investirá no sector exportador onde possam ser ganhos rendimentos em dólar. Mas os dólares que economias exportadoras acumulam com excedentes comerciais só podem ser investidos em activos em dólar, privando as economias não-dólar do capital necessário em sectores internos. A única protecção contra tais ataques à divisa interna é suspender a plena convertibilidade, o que manterá o investimento estrangeiro afastado. Portanto a hegemonia do dólar, a subjugação de todas as outras divisas internas ao dólar como a divisa de reserva chave, priva as economias não-dólar do capital necessário ao privar os seus governos do poder de emitir crédito soberano para o desenvolvimento interno.

Sob os princípios do chartalismo, o capital estrangeiro não serve a finalidades internas úteis fora de uma agenda imperialista. A hegemonia do dólar essencialmente afasta a capacidade de os parceiros comerciais dos EUA financiarem o seu próprio desenvolvimento interno nas suas próprias divisas e força-los a procurar empréstimos e investimentos estrangeiros denominados em dólares, os quais os EUA, e apenas os EUA, podem imprimir com relativa liberdade.

A tese de Mundell-Fleming, com a qual Robert Mundell ganhou o Prémio Nobel de 1999, declara que nas finanças internacionais um governo tem de escolher entre (1) taxas de câmbio estáveis; (2) mobilidade internacional de capitais e (3) autonomia política interna (pleno emprego, políticas de taxas de juro, gastos fiscais contra-cíclicos, etc). Como mercados financeiros globais não regulados, um governo pode ter apenas duas das três opções.

Por meio da hegemonia do dólar, os Estados Unidos são o único país que pode desafiar a tese Mundell-Fleming. Durante mais de uma década desde o fim da Guerra-Fria, os EUA mantiveram os dólares fiduciários significativamente acima do seu valor económico real, atraíram excedentes em conta capital e exerceram autonomia política unilateral dentro de um sistema financeiro globalizado ditado pela hegemonia do dólar. As razões para isto são complexas mas a mais importante razão única é que todas as principais commodities, mais destacadamente o petróleo, são denominadas em dólar, sobretudo como uma extensão de geopolítica de superpotência. Este facto é a âncora para a hegemonia do dólar que torna possível a hegemonia financeira estado-unidense, a qual torna possível o excepcionalismo e unilateralismo dos EUA.

Quando a China exporta riqueza real para os EUA por dólares fiduciários, ela está a receber crédito soberano estado-unidense em troca de riqueza material na forma de bens. Portanto o défice comercial dos EUA denominado em dólares é de facto concessão de empréstimo dos EUA à China através da compra de bens chineses. A China agora é uma possuidora da moeda fiduciária dos EUA e como tal está a actuar como uma agente do estado dos EUA, com a plena confiança e crédito dos EUA por trás do instrumento de crédito soberano dos EUA (dólar), o qual é bom para pagar impostos estado-unidenses e é de curso legal para toda a dívida pública e privada nos EUA. A moeda fiduciária, tal como um passaporte, habilita o seu possuidor à protecção do estado ao impingir crédito soberano. É um certificado de poder financeiro do estado inerente à soberania. Uma vez que a China não paga impostos estado-unidenses, os dólares que ela recebe só podem ser utilizados para comprar dívida soberana dos EUA (Treasuries) através da extinção de instrumentos de crédito soberano dos EUA (dólares). Através desta transacção, a China muda a sua posição de agente do crédito soberano dos EUA para a de credor dos EUA. Eis porque a China deve comprar Treasuries com o seu dólar excedente – para mudar a sua posição de um agente dos EUA para a de um credor dos EUA.

O único meio de a China livrar-se deste dilema é exigir que todas as exportações chinesas sejam pagas em divisa chinesa.

05/Janeiro/2009
N.T.
[1] Bens de Giffen: produtos em que um aumento do preço provoca aumento da sua procura. Este comportamento difere da maioria dos outros produtos, que são mais procurados à medida que o seu preço cai. Em termos microeconómicos, a elasticidade-preço da procura por Bens de Giffen é positiva e, por conseqüência, sua curva de procura é crescente. O bens de Giffen devem o seu nome a Sir Robert Giffen, o qual Alfredo Marshall no seu livro Principles of Economics. considerou ser o autor desta ideia.
[2] Chartalism : teoria monetária do princípio do século XX que defende a utilização de dinheiro fiduciário (fiat money) ao invés de dinheiro mercadoria (commodity money). O seu teórico foi G.F. Knapp.
[3] M2: Indicador de oferta monetária. O M1 é basicamente o dinheiro e quase dinheiro em circulação mais o depositado em contas à ordem. O M2 é o M1 mais contas a prazo e pequenos instrumentos de poupança. O M3 é o M2 mais grandes instrumentos de poupança (inclui os eurodólares no caso dos EUA). Em Março de 2006 o banco central dos EUA cessou de divulgar as suas estatísticas do M3.


O original encontra-se em http://www.henryckliu.com/page215.html . Tradução de JF.

Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .

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