Porque foi preciso esmagar Aristide
Atualizado e Publicado em 19 de janeiro de 2010 às 18:26
Why they had to crush Aristide
O líder eleito do Haiti era considerado uma ameaça pela França e pelos Estados Unidos
Peter Hallward
Tuesday 2 March 2004
no jornal britânico The Guardian
Jean-Bertrand Aristide foi reeleito presidente do Haiti em novembro de 2000 com 90% dos votos. Ele foi eleito pelas pessoas que aprovaram a sua corajosa dissolução, em 1995, das forças armadas que faz tempo aterrorizavam o Haiti e tinham derrubado o seu primeiro governo. Ele foi eleito pelas pessoas que apoiaram as suas tentativas, feitas virtualmente sem recursos ou renda, de investir em educação e saúde. Ele foi eleito pelas pessoas que dividiam com ele a determinação, diante da ferrenha oposição dos Estados Unidos, de melhorar as condições de vida dos trabalhadores com os piores salários do hemisfério ocidental.
Aristide foi removido do governo no domingo por pessoas que tem pouca coisa em comum, exceto a oposição às políticas progressistas e rejeição ao processo democrático. Com o apoio entusiasmado dos ex-colonizadores do Haiti, um líder eleito com apoio popular majoritário foi tirado do poder por uma coalizão de condenados por abusos contra os direitos humanos, ex-militares sediciosos do exército e líderes empresariais pró-americanos.
É óbvio que a expulsão de Aristide ofereceu a Jacques Chirac uma chance há muito esperada de restaurar suas relações com o governo americano ao qual ele havia ousado se opor quanto à invasão do Iraque. É mais óbvio ainda que a caracterização de Aristide como mais um idealista enlouquecido corrompido pelo poder absoluto se encaixa perfeitamente na visão de George [W.] Bush, e que a queda do líder haitiano abrirá a porta para uma exploração ainda maior dos trabalhadores da América Latina.
Se você tem lido a imprensa corporativa nas últimas semanas, saberá que essa peculiar visão dos fatos foi cuidadosamente preparada pela repetição de acusações de que Aristide fraudou as eleições de 2000; de que usou milícias violentas contra seus oponentes políticos; e de que levou a economia do Haiti à beira do colapso e seu povo à beira de uma catástrofe humanitária.
Mas olhe com cuidado para aquelas eleições. Um relatório exaustivo e convincente da Coalizão Internacional de Observadores Independentes concluiu que "eleições justas e pacíficas aconteceram" em 2000 e pelo padrão das eleições presidenciais dos Estados Unidos no mesmo ano elas foram positivamente exemplares. [Nota do Viomundo: Ninguém sabe ainda quem ganhou as eleições americanas de 2000]
Por que então as eleições foram caracterizadas como "fraudadas" pela Organização dos Estados Americanos (OEA)? Porque, depois que o partido Lavalas, de Aristide, ganhou 16 dos 17 assentos no Senado, a OEA contestou a metodologia usada para calcular as porcentagens de votos. Curiosamente, nem a OEA nem os Estados Unidos disseram que essa metodologia era problemática antes da eleição.
No entanto, depois da vitória do Lavalas, se tornou repentinamente importante para justificar empurrar o país ao colapso econômico. Bill Clinton invocou a acusação da OEA para justificar o embargo econômico devastador contra o Haiti que persiste até hoje, e que efetivamente bloqueia o pagamento de cerca de 500 milhões de dólares em ajuda internacional.
E as gangues de apoiadores de Aristide causando quebradeiras em Porto Príncipe? Com certeza Aristide tem alguma responsabilidade pelas dezenas de mortes supostamente registradas nas últimas 48 horas. Mas dado que os apoiadores dele não tem um exército para protegê-los e que a força policial de todo o país é 10% da força que patrulha a cidade de Nova York, é importante lembrar que esse número de mortes representam pequena fração dos mortos pelos rebeldes [que derrubaram Aristide] em semanas recentes.
Uma das razões pelas quais Aristide foi consistentemente vilificado pela imprensa é que a Reuters e a Associated Press, das quais a maior parte da cobertura depende, se baseiam na mídia local do Haiti, de propriedade de oponentes de Aristide. Outra razão, mais importante, é que Aristide nunca aprendeu a servir absolutamente a interesses comerciais estrangeiros. Ele aceitou relutantemente uma série de planos de ajuste estrutural do FMI, para desgosto dos trabalhadores pobres, mas se negou a aceitar a privatização indiscriminada de recursos do estado, e manteve sua posição sobre salários, educação e saúde.
O que aconteceu no Haiti não é que um líder um dia razoável se tornou louco pelo poder; a verdade é que Aristide foi geralmente consistente e nunca esteve de fato preparado para abandonar todos os seus princípios.
Pior ainda, ele permaneceu completamente associado com o que sobrou de um movimento popular genuíno que buscava empoderamento político e econômico. Por essa razão, era essecial não só forçá-lo do poder, mas desacreditá-lo totalmente aos olhos de seu povo e do mundo. Como Noam Chomksy disse, a "ameaça do bom exemplo" exige medidas de retaliação que não tem relação com a importância econômica e estratégica do país em questão. É por isso que líderes do mundo se juntaram para esmagar a democracia em nome da democracia.
Peter Hallward é professor do King's College London e autor do livro Absolutely Postcolonial
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