Os príncipes sauditas, ditadores sem noção
Os príncipes sauditas têm alguma ideia do que se passa à volta deles?!
16/1/2010, Robert Fisk, no jornal britânico The Independent
O Príncipe al-Waleed bin Talal da Arábia Saudita é um grande homem. Diz que não quer ser primeiro-ministro do Líbano – é o que dizem todos os que querem ser primeiro-ministro do Líbano – e é muito, muito, imensamente rico. Sim, é verdade, sua conta bancária encolheu de 23,7 bilhões em 2005, para reles 13,3 bilhões hoje (ou, pelo menos, é o que diz a revista Forbes). Mas o príncipe acaba de anunciar que construirá o prédio mais alto do mundo – um Golias de mais de 1 km de altura, que cobrirá de vergonha o emir seu vizinho, em Dubai, que semana passada inaugurou os 750m de altura do Burj Khalifa, entre as dunas de areia de seus credores falidos. Sobrinho do Rei Abdullah, al-Waleed muito compreensivelmente batizou sua empresa de “Realeza Holdings”. E é um dos principais acionistas da News Corporation, de Rupert Murdoch – motivo pelo qual os prezados leitores não lerão nada disso no Times. “Longa vida à Realeza Holdings”, acho eu.
Porque ontem, levei uma equipe da rede Al-Jazeera de televisão para conhecer os repugnantes, obscenos, indecentes, imundos, campos de refugiados palestinos de Sabra e Chatila, não distantes de minha casa em Beirute, lugar tão horrendo que a garganta se fecha de angústia por haver seres humanos obrigados a viver lá. Sabra e Chatila – sim, é o local do infame massacre em 1982, quando milícias libanesas cristãs aliadas ao exército de Israel massacraram 1.700 civis palestinos, enquanto o exército de Israel cercava o campo e assistia ao massacre e nada fez para impedi-lo. Aqueles palestinos já eram sobreviventes do grande êxodo de palestinos ou genocídio e limpeza étnica de 1948 – ou seus filhos ou netos –, que haviam fugido da Galileia em busca de segurança “temporária” no Líbano, mas ali ficaram para sempre, pelo menos os sobreviventes.
“Sou homem de ações positivas”, disse o Príncipe al-Waleed, ao anunciar sua priápica torre, a ser erigida em Jeddah, porto do Mar Vermelho. “Sempre estamos em busca de novos investimentos”.
Sim, sim, eu sei que há excelentes filantropos no Golfo, entre os quais o próprio príncipe al-Waleed, mas... o que dizer desse prédio?
O Afeganistão afoga-se em sangue; o Iraque permanece em estado de semiguerra civil; os israelenses continuam a roubar terra para judeus e só para judeus e só, sempre, roubam dos árabes que são proprietários legais da terra onde Israel constrói o que bem quer e só para judeus – e o Príncipe al-Waled quer construir uma torre de um quilômetro de altura rumo ao céu. Será que os sauditas – que sempre apoiaram os Talibãs (temos de esquecer essa parte, é claro; como temos de esquecer também que era saudita a maioria dos assassinos do 11/9, motivo pelo qual bombardeamos Cabul, não Riad) – não têm nem a mínima ideia do que se passa à volta deles?
Por exemplo, todos sabemos que os norte-americanos mantêm arsenais estocados em território de seus aliados. Há munição norte-americana estocada na Coreia do Sul e, de fato, é claro, também no Golfo Árabe (codinome “Arábia Saudita”).
Pois os norte-americanos muito silenciosamente essa semana, de fato, em sigilo, concordaram com duplicar os estoques de armamentos norte-americanos estocados em Israel, de 400 milhões em armas, para 800 milhões. Claro, claro, o mimo de 9 bilhões de dólares que Washington dará a Israel até 2012 – claro, claro, e que não deverão ser gastos, claro, claro, para construir colônias ilegais construídas em terra árabe e contra o que determina a lei internacional, construções que prosseguem, e prosseguimento que Barack Obama covardemente finge que não vê – nada têm a ver com isso. Mas ninguém ignora que – em caso de uma nova guerra “preventiva” – Israel usará como suas todas aquelas armas estocadas.
Por exemplo: foi um míssil levado à Arábia Saudita pela Marinha dos EUA para ser usado contra o Iraque em 1991... que acabou entregue à Força Aérea de Israel, como parte de uma troca, para que não se intrometesse na guerra contra Bagdá... Esse mesmo míssil foi depois aproveitado para matar civis numa ambulância libanesa, em 1996.
Mas hoje em dia a complacência dos árabes alcança o cume. Agora, por exemplo, temos o governo egípcio – e o presidente sempre muito popular (observem: eleições com mais de 90% dos votos para o candidato-presidente... e os norte-americanos nunca falaram de possível fraude) – a construir uma muralha em torno de Rafah, parte do universo de pobreza e miséria que é Gaza. Há árabes, pois, impedindo que cheguem comida, água, combustível (e, sem dúvida, também armas) aos palestinos presos na armadilha daquele campo de prisioneiros a céu aberto. Um campo de prisioneiros, deve-se acrescentar, que goza de total aprovação de Lord Blair de Kut al-Amara, cujo honorável envolvimento na invasão do Iraque já foi superado pelo seu extraordinário sucesso como enviado encarregado de fazer a paz no Oriente Médio.
O chefe da inteligência do Egito (um tal de Sulieman, que provavelmente será o próximo presidente do Egito, se por mais não for porque tem ataques cardíacos em abundância e regularmente) aprova a construção da muralha de Rafah, que é de grande serventia para Israel e que contribui para aumentar a miséria dos palestinos de Gaza, a tal ponto que os atuais habitantes de Sabra e Chatila talvez se sintam bem-aventurados por não viverem na “Palestina”.
Em Israel, lá mesmo, o ministro dos Negócios Exteriores humilha o embaixador da Turquia – como protesto contra um seriado exibido na televisão turca, de conteúdo antissemita –, e força o diplomata a sentar num sofá baixo, recusa-se a apertar-lhe a mão e dirige-se a ele sentado num, pode-se dizer, trono, ladeado por dois outros israelenses, cada um no seu respectivo trono alto. O próprio ministro dos Negócios Exteriores, o caríssimo Lieberman, anda agora com a mania de levantar-se e sair da sala – sempre que o coitado velho (velho, sim) enviado dos EUA George Mitchell começa a falar sobre Jerusalém. É o que, para Israel, vale o principal homem de Obama. Os doidos que governam Israel – comparados aos quais Netanyahu pode ser descrito como “moderado” – provam definitivamente que Israel acabou convertida em republiqueta de bananas, como qualquer outro país do Oriente Médio.
Mas nada temam. Os príncipes e emires e califas e presidentes derrotar-se-ão uns os outros, em termos de prédios e hotéis. Meu caderninho de desenho é maior que o seu! Meus lápis de cor são mais coloridos! Meu trenzinho anda mais rápido (é o caso do Qatar, atenção!). E o mundo assistirá a essa tragédia e festejará as caixas de brinquedos que o Oriente Médio tem para mostrar. Ok, mas... e quantos brinquedos e lápis de cor têm as crianças de Sabra e Chatila?
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