Por Mauro Santayana
Os dirigentes paulistas do PSDB fecham o cerco, nestas horas, com o fim de constranger o governador de Minas a disputar a Vice-Presidência, na chapa do partido. Eles podem não conhecer as razões de Minas, mas Aécio Neves, até mesmo pelas circunstâncias familiares, as conhece bem, e sabe que não pode recuar. Ele parece entender que, tanto em seu projeto biográfico quanto na fidelidade a Minas, não pode ser candidato a vice, mesmo com as excelentes relações que sempre manteve com o governador de São Paulo. Não é uma postura pessoal, embora, em Minas, quando se trata de política, seja difícil separar o indivíduo de sua grei.
Os mineiros brigam entre eles, armam ciladas, dissimulam os sentimentos, são astutos pecadores e espertos em negócios. Eles podem eventualmente aceitar que seus conterrâneos sejam atacados e ofendidos, como pessoas comuns, mas se tornam ferozes quando qualquer mineiro é atingido pelo fato de ser mineiro. Quando isso ocorre, reagem com o sentimento tribal. Sentem-se tocados, porque se irmanam ao ofendido, na identidade comum de montanheses. E quando qualquer um deles, em nome de sua ambição, rompe esse compromisso consuetudinário de solidariedade da província, os conterrâneos não o perdoam. Podem continuar convivendo com o trânsfuga, tratá-lo com elegância, visitá-lo na enfermidade e assistir a seu enterro, mas os gestos, o olhar, o altear das sobrancelhas, o movimento involuntário dos lábios, o constrangimento, demonstram o que lhes vai no fundo da alma. Não se trata de sentimento de desprezo. É, mais do que isso, discreta manifestação de piedade.
É também certo que não basta nascer em Minas para ser mineiro, como também não é necessário nascer ali para imbuir-se do caráter da gente da terra. Esse caráter é o resultado do ceticismo, da dúvida, de natural aceitação da transcendência, e providencial desconfiança de que Deus e o Diabo (sobretudo o Diabo) realmente existem. É em razão disso que Guimarães Rosa resume o mineiro, ao dizer que ele “escorrega para cima”. Escorrega para cima e diz “vou chegando”, quando está se despedindo. Não sabemos o que, exatamente, pensa Aécio, mas é bom apostar que ele conhece e respeita os arcanos da província. Ele sabe que, se ouvir o canto das sereias do Tietê, e aceitar ser vice, ambos – ele e o candidato à Presidência – correm o risco de perder as eleições em Minas, ainda que possam ganhá-las no resto do país. Essa seria a mais desoladora das derrotas para um mineiro.
Entre as melodias que cantam aos ouvidos de Aécio, nestas horas, há a da divisão do poder entre o vice e o presidente. Todos sabemos que, conforme a Constituição, no Brasil não há dualidade na chefia dos poderes, como havia no consulado romano. A atribuição de parcelas do Poder Executivo ao vice-presidente, ainda que houvesse, seria mera concessão, ad nutum, do titular, e não duraria mais do que a famosa rosa de Malherbe. Como dizem os mineiros, é melhor não.
É melhor não. Aécio tem a sua eleição garantida para o Senado, e dispõe de um capital considerável, que é a sua popularidade. Se ele fosse candidato à Presidência, e não tivesse êxito, seria, mesmo sem mandato, uma referência política nacional importante. Mas se perdesse as eleições, como o segundo da chapa, seria o vice do derrotado. Senador por Minas, Aécio continuará prestando seus serviços aos mineiros e ao Brasil, porque contribuirá, com suas ideias conhecidas, para a reconstrução do pacto federativo brasileiro. Essa é uma bandeira antiga do estado.
Um dos que menos conhecem Minas é o presidente do PPS, o ex-deputado Roberto Freire. Ao desmentir que seu partido pretenda propor o nome de Itamar Franco para a Vice-Presidência, afirmou que a agremiação trabalha para que o governador de Minas seja o candidato a vice, na chapa do PSDB. O político pernambucano foi deselegante com Itamar que, em nota distribuída à imprensa, deixara bem claro que o seu compromisso é com Minas e com o destino político de Aécio Neves. Freire, com sua alma de tucano de São Paulo, se soma assim aos que tentam constranger o governador de Minas.
O presidente Mário Soares disse, uma vez, que todos os políticos brasileiros deviam fazer um estágio em Minas, pelo menos durante alguns meses – “como fez Getulio Vargas, ainda adolescente”. O estadista português provavelmente tenha pensado no fato de que Minas, até mesmo pela fatalidade geográfica, é uma das mais brasileiras de todas as regiões nacionais.
Fonte: JB online
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