O ministro da Agricultura, Reinold Stephanes, e as entidades patronais da área de comunicação juntaram-se ao Ministro Nélson Jobim no combate ao Plano Nacional de Direitos Humanos, instituído por decreto presidencial há 15 dias.Há um terceiro item, que eles tratam meio na moita, com receio de que acabe tendo grande apoio popular: a taxação de grandes fortunas.
Disso e da área de comunicação, tratarei no próximo post.
Falemos antes do ministro que, fazendo coro com a doublé de senadora, latifundiária e presidente da Confederação da Agricultura, Kátia Abreu (DEM), insurge-se contra as medidas que visam tornar menos arbitárias as ações possessórias de natureza fundiária e colocando em prática a supremacia do interesse social – inaugurada pela Constituição de 1946 - na estrutura de propriedade rural e e em relação a questões modernas, como a necessidade de preservação ambiental.
O ministro, que se expressa com finura, diz que o Plano cria “insegurança jurídica”. Já a demo-ruralista vai logo no tranco, dizendo que ele é “apenas uma estratégia para ressuscitar o velho socialismo fracassado com novas vestes tomadas emprestado do universo de valores de seu inimigo de sempre, a sociedade democrática , baseada na economia de mercado e o respeito absoluto aos direitos individuais.”
E vai adiante, veja só: trata a discussão sobre a questão agrária como “uma tentativa de envenenar e dividir a sociedade brasileira com um debate que no resto do mundo civilizado e desenvolvido é coisa do passado, assunto de museus ou faculdades de História
Bom, eu vou reproduzir para voc~es os pontos do Plano de Direitos Humanos que ambos questionam. Leiam e vejam se o que está escrito lembra em algo ameaças a direitos legítimos ou “socialismo agrário”.
“É necessário que o modelo de desenvolvimento econômico tenha a preocupação de aperfeiçoar os mecanismos de distribuição de renda e de oportunidades para todos os brasileiros, bem como incorpore os valores de preservação ambiental. Os debates sobre as mudanças climáticas e o aquecimento global, gerados pela preocupação com a maneira com que os países vêm explorando os recursos naturais e direcionando o progresso civilizatório, está na agenda do dia. Esta discussão coloca em questão os investimentos em infraestrutura e modelos de desenvolvimento econômico na área rural, baseados, em grande parte, no agronegócio, sem a preocupação com a potencial violação dos direitos de pequenos e médios agricultores e das populações tradicionais”.
“Propor projeto de lei para institucionalizar a utilização da mediação como ato inicial das demandas de conflitos agrários e urbanos, priorizando a realização de audiência coletiva com os envolvidos, com a presença do Ministério Público, do poder público local, órgãos públicos especializados e Polícia Militar, como medida preliminar à avaliação da concessão de medidas liminares, sem prejuízo de outros meios institucionais para solução de conflitos
Alguém leu aí algo sobre negar o direito de propriedade, ameaçar direitos ou coletivizar a terra? Sobre tomar a fazendinha do “Seu” José para distribuir lotes aos pobres?
Ora, o que é sagrado são a Terra e a vida, não a gleba e a propriedade. Elas podem ser legítimas, claro. Mas o processo de discussão judicial sobre elas tem de ser prudente, cauteloso e justo. E já assim para os grandes, embora, muitas vezes, não o seja para os pequenos.
Vou dar um exemplo bem simples disso.
Quando um grupo de lavradores pobres ocupa uma área, mesmo a mais improdutiva e abandonada, o dono da terra pode ir pedir judicialmente a reintegração de posse sumária, via liminar. Basta que o juiz local queira para dar ordem e requisitar força policial para executá-la. Se o dono da terra tiver peso político sobre a Justiça local isso pode ser feito em poucas horas.
Mas quando um grande proprietário ou uma empresa agrícola ocupa uma faixa de terra de preservação, ou de domínio público, ou devoluta, ou ainda de um pequeno sitiante, a coisa não é assim. Aquela fazenda da Cutrale, do rumoroso caso do laranjal em São Paulo? O Incra não está há anos na Justiça – e já o provou – que aquela terra pertence ao Estado? E enquanto o processo se desemvolve, ninguém manda a polícia tirar a empresa de lá a bordoadas, não é? Até uma mera servidão de passagem só é concedida depois de muita negociação.
Portanto, “a realização de audiência coletiva com os envolvidos, com a presença do Ministério Público, do poder público local, órgãos públicos especializados e Polícia Militar, como medida preliminar à avaliação da concessão de medidas liminares” diz apenas que deve haver diálogo antes de uma decisão mandatória. Isso é “insegurança jurídica” ou negação da propriedade?
O Brasil não é mais, ou não deveria ser, o país onde os “coronéis” podiam mandar e desmandar em matéria rural. Não é possível que uma coisa tão simples como privilegiar o diálogo e a solução pacífica dos conflitos fundiários seja objeto de reações tão radicais.
O ministro não é obrigado a ficar no seu cargo. A porta do Ministério é serventia da casa.
A senadora, sim, pode dizer o que quiser. Está fora do Governo e tenta entrar como pretendente a vice de José Serra. Mas tem que ouvir que é uma reacionária, uma fascistóide e uma saudosa da ditadura. Duvida: leia a pérola que encerra a nota que ela assina como presidente da Confederação da Agricultura:
“Direitos Humanos para o Governo brasileiro e seu Partido principal é apenas a máscara benigna e traiçoeira que oculta a face terrível dos demônios ainda insepultos do socialismo e da esquerda revolucionária.”
Direito, mesmo, é o do dinheiro e o da propriedade, não é, senadora?
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