sexta-feira, 8 de janeiro de 2010

CRISE E ARMAMENTISMO.

Copiado do blog "Márcia e suas leituras"

Já postei este artigo aqui. Contudo, nunca é demais para que todos compreendam o porque de cada vez mais, ser importante que os EUA invada e destrua os países.

Este artigo de Sérgio Ribeiro está muito elucidativo e bem didático .

da revista O militante

Escrito por Sérgio Ribeiro

Poucas frases serão tão clarificadoras como «tempo de crise é tempo de oportunidades» (e em português poderá dizer-se de… novas oportunidades).
Poucas frases serão tão clarificadoras do cinismo brutal de um sistema, de uma formação social, do capitalismo, quando dita com a intenção de dizer que tempo de crise é tempo de mais acumular, de mais concentrar e, por isso mesmo, de mais explorar, de mais desempregar, de mais excluir socialmente.
Mas, também, poucas frases serão tão clarificadoras por trazer à discussão política questões de fundo, do que possa contribuir para o esclarecimento e a tomada de consciência, indispensáveis nesta fase da luta de classes em que a vertente ideológica se impõe como imprescindível para mobilizar para a luta.
De uma outra/mesma maneira «tempo de crise é tempo de negócios». E sendo a crise, na nossa leitura da História, uma constante que atravessa os tempos do capitalismo, porque este tem, no seu bojo, os germens da sua destruição, logo acrescento que todo o tempo do capitalismo é tempo de crise, com explosões periódicas da mesma crise que transporta consigo ao longo do seu tempo, não o fim da História mas, apenas, o seu tempo. Histórico, finito, efémero.
A crise do capitalismo resulta do seu próprio, intrínseco, funcionamento, que parte, no circuito económico, da aplicação de capital sob a forma de dinheiro, se alimenta da criação de valor que apropria e que, depois, é incapaz de realizar, no final do circuito, incapaz de transformar em mais dinheiro todo o valor criado, pelo que as «saídas» dos períodos de explosão da crise inerente ao sistema estão na destruição de forças produtivas, do que produz, sobretudo do que cria valor, do trabalho, dos homens possuidores da mercadoria força de trabalho.
Por isso, serão as armas a mercadoria mais natural do capitalismo pois, ao ser consumida, destrói-se, como o consumo deve fazer das mercadorias, e, ademais, tem a virtualidade de destruir forças produtivas!
Por isso, a inevitável militarização da economia capitalista.
Por isso, a decisiva importância do complexo industrial-armamentista, no imperialismo – e no espaço e na sua organização cupulares.
Segundo o Instituto Internacional de Pesquisa para a Paz (SIPRI), os gastos militares a nível mundial aumentaram 45% entre 1998 e 2007, sendo também de 45% a percentagem das despesas dos Estados Unidos nesse total. Só em 2007 esse aumento foi de 6%, e não encontrei dados para 2008 embora seja evidente que o crescente aumento acompanha os sinais de explosão de crise.
E o relatório do SIPRI sublinhava que em território estado-unidense as despesas militares alcançaram, nesse ano de 2007, nível que ultrapassava o da Segunda Guerra Mundial, e lembre-se a propósito, que a actualmente tão referida «crise de 1929-30» antecedeu o surto de radicalismo de direita (e de diversão radical esquerdista de fachada socialista), e culminou com a guerra de 1939-45 com o resultante enormíssimo salto na indústria armamentista e as «experiências» de bombas atómicas em Hiroshima e Nagasaki.
Entretanto, o negócio das armas nunca sofreu hiatos, embora de quando em vez dê saltos. Se entre 1996 e 2005 o comércio mundial de armas parecia estabilizado, em torno de 55 mil milhões de euros, em 2006 (segundo artigo de Michel Chabrol) deu um salto de 22% para 67 mil milhões de euros, continuado em 2007, ano que, segundo a Thales, antiga Thomson-CSF, sociedade de electrónica especializada em aéro-espacial, defesa e tecnologias de informação… «foi um bom ano».
Este mercado é apenas partilhado por um escasso número de países, pois 5 países – Estados Unidos, Reino Unido, Rússia, França e Israel – realizam 90% das vendas mundiais, com os EUA a terem uma quota de 55%. No momento deste artigo (Fevereiro de 2008) afirmava-se que «os observadores prevêem que o mercado do armamento vai continuar numa rampa ascendente». Previsão para que não eram indiferentes os primeiros sinais de explosão de crise.
E merecerá destaque, talvez, que nestes dez anos de referência, a Rússia aumentou em quase 1000% (965%) as suas despesas militares, segundo dados do Forecast International, prevendo-se que atinja 46,6 mil milhões de dólares em 2010 (mais de 35 mil milhões de euros).
Ora as mercadorias que o sistema produz e de que faz negócio não são produzidas e comercializadas para ficarem em armazém. São produzidas e comercializadas para serem utilizadas, consumidas. E a mercadoria-armas mais ainda que quaisquer outras. Os momentos de explosão de crise, a necessidade de destruir forças produtivas para abater capacidades de produção, e para incentivar novos negócios, são oportunidades a aproveitar, acumulando e concentrando mais capital financeiro.
Como escrevia Istvan Meszaros, Professor Emérito de Filosofia e Teoria Política na Universidade de Sussex (Reino Unido), «Não é a primeira vez na História, nos nossos dias, que o militarismo pesa na consciência dos povos como um pesadelo. (…) Basta remontar ao século XIX, quando o militarismo como importante instrumento da tomada de decisões políticas se afirmou, com a erupção do imperialismo moderno à escala mundial, em contraste com as suas variedades iniciais, muito mais limitadas».
Mas, neste processo histórico, em que se desenvolvem as forças produtivas capazes de libertar os seres humanos do jugo da natureza mas também capazes de criar instrumentos (por vezes os mesmos) de destruição e morte, as armas de hoje não são as do começo da guerra de 1939-45, nem mesmo as que, no final dessa guerra, já tanto tinham evoluído tecnicamente.
Como ainda sublinha Meszaros, antes, os intervenientes nas guerras eram os Estados nacionais; não importava quão monstruosos fossem os danos provocados, a racionalidade da acção militar estaria assegurada se a guerra viesse a ter vencedores e vencidos.
Agora, com a evolução tecnológica e as correspondentes transformações nas relações sociais internacionais, a situação é qualitativamente diferente.
O objectivo da guerra possível na fase actual de desenvolvimento histórico, em conformidade com os requisitos do imperialismo, passou a ser não vencível (como escreveu Meszaros), não o de fazer vencedores e vencidos mas o de destruir, e tanto!, que pode dela (ou delas) resultar a destruição da Humanidade, o que de nenhum modo se poderá considerar como racional, mas teria de se qualificar como irracionalidade total.
As armas já disponíveis neste começo do século XXI existem pela primeira vez na História e a sua capacidade de destruição é capaz de exterminar não apenas o adversário, e não importa se este é real ou se foi criado para combater o inimigo de classe ou, apenas, para ser o alvo consumidor da mercadoria-armas, mas toda a Humanidade. E não se pode ter a ilusão de que estas armas serão as últimas a serem desenvolvidas. Outras, ainda mais eficazmente destruidoras, poderão surgir. Tem de se afirmar, sem ambiguidades, que a ameaça de utilização das armas como instrumento estratégico, até para impedir que outros tenham acesso a conquistas que são da Humanidade, é humanamente inaceitável.
A luta por rupturas, por uma verdadeira alternativa ao actual curso da História, pelo socialismo, é – também e por isso – uma luta pela Paz, uma luta pela Humanidade.
(*) Intervenção no Seminário Internacional «Não ao militarismo e ao Tratado de Lisboa!», promovido pelo PCP em 22 de Maio.

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