O Brasil é o único país participante da "Operação Condor"que se recusa a abrir os "porões da ditadura".
Texto do jornalista Mair Pena Netto, publicado no site "Direto da Redação".
AJUSTE DE CONTAS COM O PASSADO .
A decisão de um juiz chileno esta semana de ordenar a prisão de quase 100 ex-militares e agentes por abusos durante a ditadura de Augusto Pinochet joga o Brasil na lanterna na punição aos crimes cometidos pelas ditaduras militares na América do Sul. Enquanto na Argentina e agora no Chile prosperam os processos contra comandantes e torturadores, aqui continuamos presos a uma lei de Anistia, que mantém impunes os responsáveis por crimes contra a humanidade. As ditaduras militares na Argentina e no Chile foram bem mais sangrentas que a do Brasil, que nem por isso é menos nefasta. Na Argentina, são 30 mil mortos e desaparecidos, e no Chile são 3 mil mortos, 28 mil torturados e 200 mil exilados. No Brasil, foram cerca de 500 os mortos e desaparecidos. Nossa índole cordial parece impedir uma investigação mais profunda, e toda vez que alguém cogita responsabilizar quem praticou crimes hediondos, como a tortura, e ocultou cadáveres, as vozes da conciliação se levantam defendendo que tudo continue como está para evitar turbulências. O Brasil precisa ajustar contas com o seu passado. Não se pode manter um trauma aberto para sempre. Os parentes das vítimas da ditadura querem saber que fim levaram seus filhos e quem foi responsável por seus desaparecimentos e mortes. Este é um direito inalienável do ser humano. Os militares brasileiros não vão pegar em armas se forem investigados. Não teriam respaldo para tanto. Isso não aconteceu na Argentina, onde generais-presidentes cumprem prisão domiciliar, nem no Chile, onde Pinochet não chegou a ser punido por seus crimes, mas sofreu o constrangimento da investigação, tanto em Londres, quanto em Santiago. Em termos de número de mortos, o Uruguai se assemelha mais ao Brasil. Lá foram cerca de 200 desaparecidos e a população não deixa esquecer. No último dia 20, pelo 13o ano seguido, se realizou pelas ruas de Montevidéu a marcha do silêncio em memória das vítimas da ditadura militar e pelo esclarecimento de suas mortes. Os movimentos civis querem o fim da Lei de Prescrição da Pretensão Punitiva do Estado, semelhante à nossa Lei da Anistia. O governo de Tabaré Vazquez obrigou as Forças Armadas a informar o destino de desaparecidos e permitiu escavações em quartéis. Já é possível imaginar uma futura extinção da lei que protege os criminosos. Enquanto isso no Brasil, as indenizações às vítimas da ditadura foi o mais longe que o país conseguiu ir, e mesmo assim bombardeada por seus equívocos e algum oportunismo. A política de reparação não alivia a dor das famílias, que prefere a verdade e a punição dos crimes cometidos. Parece estar em curso no país uma tentativa de incriminar a luta armada contra a ditadura como se ela pudesse ser colocada em pé de igualdade com a política policial do Estado. Pode-se questionar a opção dos grupos que optaram pela resistência armada, mas eles não prenderam, torturaram e desapareceram com corpos como aconteceu nos porões do regime. O ministro da Justiça, Tarso Genro, tem sido uma voz importante no atual governo, defendendo que torturadores sejam julgados por seus crimes. Não se trata de revanchismo, mas de fazer cumprir a lei. Tortura é crime contra a humanidade e, portanto, imprescritível. A Lei da Anistia foi um instrumento da transição que se tornou obsoleto. É chegada a hora de o Brasil encarar de frente essa questão, como fazem os seus vizinhos.
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