As reflexões do Fidel são sempre interessantes porque jogam "um pouco de luz" numa história que a imprensa dita "livre" não publica. Ninguém procura as "raízes" da revolução cubana num passado não tão distante, quando foram proclamadas a "Doutrina Monroe" e a "Emenda Platt". Foram dois instrumentos de dominação colonial editados pelos Estados Unidos, com o objetivo de anexação a este país, não só de Cuba como de outros países do Caribe. Nas palavras de Fidel, "a revolução cubana foi uma consequência da "Emenda Platt"e o colonialismo econômico que ela trouxe à ilha. A revolução foi produto da dominação imperial".
Quanto ao Obama, em 2003, quando foi candidato ao Senado, advogou pelo fim do embargo a Cuba e declarou que a política americana para esse país era um fracasso.
Reflexões do Fidel:
NÃO seria honesto que eu guardasse silêncio depois do discurso de Obama, na tarde de 23 de
maio, perante a Fundação Cubano-Americana, criada por Ronald Reagan. Escutei-o, assim como fiz com o de McCain e o de Bush. Não guardo rancor a sua pessoa, porque não foi responsável pelos crimes cometidos contra Cuba e contra a humanidade. Se o defendesse, faria um enorme favor a seus adversários. Por isso, não temo de criticá-lo e de expor com franqueza meus pontos de vista sobre suas palavras.
O que afirmou?
"No decurso de minha vida houve injustiça e repressão em Cuba, e nunca, durante minha vida, o povo conheceu a verdadeira liberdade; nunca, durante duas gerações, o povo de Cuba experimentou uma democracia… não temos visto eleições durante 50 anos… Nós não vamos suportar essas injustiças, todos nós, juntos, vamos conseguir a liberdade de Cuba," disse aos anexionistas e prosseguiu: "Essa é minha palavra. Esse é meu compromisso. …é hora de que o dinheiro estadunidense faça com que o povo cubano seja menos dependente do regime de Castro. Vou manter o embargo…"
O conteúdo das palavras deste forte candidato à presidência dos Estados Unidos, isenta-me da necessidade de explicar o porquê desta reflexão.
O próprio José Hernández, um dos dirigentes da Fundação Cubano-Americana, que Obama elogia em seu discurso, era o proprietário do fuzil automático calibre 50, com mira telescópica e raios infravermelhos apreendido por acaso com outras armas mortíferas, durante sua transportação pelo mar rumo à Venezuela, onde a Fundação planejou assassinar quem está escrevendo isto, numa reunião internacional, realizada em Margarita, estado venezuelano de Nueva Esparta.
O grupo de Pepe Hernández desejava voltar ao pacto com Clinton, que o clã de Mas Canosa traiu, dando, mediante a fraude, a vitória a Bush em 2000 porque tinha prometido assassinar Castro, assunto que todos aceitaram com vontade. São conluios políticos próprios do sistema decadente e contraditório dos Estados Unidos.
O discurso do candidato Obama pode se converter numa fórmula de fome para a nação, as remessas como esmolas, e as visitas a Cuba como propaganda para o consumismo e o modo de vida insustentável que o sustenta.
Como vai encarar o gravíssimo problema da crise alimentar? Os grãos devem ser distribuídos entre os seres humanos, os animais domésticos e os peixes, que ano após ano são cada vez mais pequenos e mais escassos nos mares excessivameente explorados pelos grandes navios de pesca de arrastão, que nenhum organismo internacional foi capaz de deter. Não é fácil produzir carne a partir do gás e do petróleo. O próprio Obama superestima as possibilidades da tecnologia no combate à mudança climática, embora esteja mais ciente que Bush dos riscos e do escasso tempo disponível. Poderia consultar Gore, que também é democrata e deixou de ser candidato, porque sabe muito bem ao ritmo acelerado que aumenta o aquecimento. Seu mais próximo adversário político embora não candidato, Bill Clinton, perito em leis extraterritoriais como a Helms-Burton e a Torricelli, pode prestar assessoria num tema como o bloqueio, que prometeu pôr fim a ele e nunca o cumpriu.
Como foi que se expressou em seu discurso de Miami o que, sem dúvida, do ponto de vista social e humano, é o mais avançado candidato à presidência nos Estados Unidos? "Durante 200 anos" ―disse― "os Estados Unidos esclareceram que não vamos suportar a intervenção em nosso hemisfério, contudo, devemos reparar que existe uma intervenção importante, a fome, as doenças, o desespero. Do Haiti ao Peru podemos fazer melhor as coisas e devemos fazê-lo, não podemos aceitar a globalização dos estômagos vazios…" Magnífica definição da globalização imperialista: a dos estômagos vazios! Devemos agradecer-lhe isso; mas há 200 anos, Bolívar lutou pela unidade da América Latina e há mais de 100 anos, Martí entregou sua vida combatendo contra a anexação de Cuba aos Estados Unidos. Então, qual a diferença entre o proclamado por Monroe e o que, dois séculos depois, proclama e reivindica Obama em seu discurso?
"Teremos um enviado especial da Casa Branca, como o fez Bill Clinton" ―expressou quase ao concluir― "…vamos ampliar o Corpo de Paz e vamos pedir a mais jovens que façam que nossos vínculos com as pessoas sejam mais fortes e, talvez, mais importantes. Podemos forjar o futuro, e não deixar que o futuro nos forje." É uma bela frase, porque admite a idéia, ou pelo menos o temor, de que a história faz os personagens e não o contrário.
Os atuais Estados Unidos não têm nada a ver com a declaração de princípios de Filadélfia, formulada pelas 13 colônias que se revoltaram contra o colonialismo inglês. Hoje constituem um império gigantesco, que não passava naquele momento pela mente de seus fundadores. Porém, nada mudou para os indígenas e os escravos. Os primeiros foram exterminados à medida que a nação se estendia; os segundos continuaram sendo objeto de leilões nos mercados ―homens, mulheres e crianças― durante quase um século, apesar de "todos os homens nascerem livres e iguais", como afirma a declaração. As condições objetivas no planeta foram favoráveis para o desenvolvimento desse sistema.
Obama em seu discurso conferiu à Revolução Cubana um caráter antidemocrático e carente de respeito à liberdade e aos direitos humanos. É exatamente o argumento que, quase sem exceção, empregaram as administrações dos Estados Unidos para justificarem seus crimes contra nossa pátria. O bloqueio, de per si, é um genocídio. Não desejo que as crianças norte-americanas sejam educadas sob essa vergonhosa.
A revolução armada em nosso país talvez não tivesse sido necessária sem a intervenção militar, a Emenda Platt e o colonialismo econômico que ela trouxe à ilha.
A Revolução foi produto da dominação imperial. Não nos podem acusar de tê-la imposto. As mudanças verdadeiras puderam e deveram surgir nos Estados Unidos. Seus próprios operários, há mais de um século, lançaram a reivindicação de oito horas, filha da produtividade do trabalho.
A primeira coisa que os líderes da Revolução Cubana aprendemos com Martí foi acreditar e agir em nome de uma organização fundada para levar a cabo uma revolução. Sempre dispusemos de faculdades prévias e, já institucionalizada, fomos eleitos com a participação de mais de 90% dos eleitores, como é costume em Cuba, e não a ridícula participação que muitas vezes, como nos Estados Unidos, não atinge 50% dos eleitores. Nenhum outro país pequeno e bloqueado como o nosso teria sido capaz de resistir tanto tempo, com base na ambição, na vaidade, no engano ou nos abusos de autoridade, a um poder como o de seu vizinho. Afirmá-lo constitui um insulto à inteligência de nosso heróico povo.
Não duvido da aguda inteligência de Obama, de sua capacidade para polemizar e de seu espírito de trabalho. Domina as técnicas de comunicação e está acima de seus adversários na disputa eleitoral. Observo, com simpatia, sua esposa e suas filhas, que o acompanham e animam todas as terças-feiras; sem dúvida, é um quadro humano agradável. Contudo, sou obrigação a fazer algumas perguntas delicadas, ainda que não pretenda respostas, apenas confirmá-las.
1º — É correto que o presidente dos Estados Unidos ordene o assassinato de qualquer pessoa no mundo, seja qual for o pretexto?
2º — É ético que o presidente dos Estados Unidos ordene torturar outros seres humanos?
3º — É o terrorismo de Estado um instrumento que deve utilizar um país tão poderoso como os Estados Unidos para que exista paz no planeta?
4º — É boa e honorável uma Lei de Ajuste que é aplicada como punição a um só país, Cuba, para desestabilizá-lo, embora custe a vida a crianças e mães inocentes? Se for boa, por que não é aplicado o direito automático de residência aos haitianos, dominicanos e demais cidadãos de países do Caribe, e se faz a mesma coisa com os mexicanos, centro-americanos e sul-americanos, que morrem como moscas no muro da fronteira mexicana ou nas águas do Atlântico e do Pacífico?
5º — Podem os Estados Unidos prescindir dos imigrantes, que cultivam vegetais, frutas, amêndoas e outras delícias para os norte-americanos? Quem vai varrer suas ruas, prestar serviços domésticos e fazer os trabalhos piores e menos remunerados?
6º — São justas as batidas policiais contra os indocumentados, que atingem, inclusive, crianças nascidas nos Estados Unidos?
7º — É moral e justificável o roubo de cérebros e a contínua extração das melhores inteligências científicas e intelectuais dos países pobres?
8º — O senhor afirma, como lembrei no início desta reflexão, que seu país advertiu, há tempo, as potências européias que não admitiria intervenções no hemisfério, e ao mesmo tempo enfatiza a exigência desse direito, reclamando também o de intervir em qualquer parte do mundo com o apoio de centenas de bases militares, forças navais, aéreas e espaciais distribuídas no planeta. Pergunto-lhe, é essa a forma em que os Estados Unidos exprimem seu respeito pela liberdade, democracia e ireitos humanos?
9º — É justo atacar de surpresa e preventivamente sessenta ou mais obscuros cantos do mundo, como os chama Bush, seja qual for o pretexto?
10º — É honorável e sensato investir milhões de dólares no complexo militar industrial para produzir armas que podem liquidar várias vezes a vida na Terra?
O senhor deveria saber, antes de julgar o nosso país, que Cuba, com seus programas de educação, saúde, esportes, cultura e ciências, aplicados não só em seu próprio território, mas também em outros países pobres do mundo, e com o sangue derramado em solidariedade a outros povos, apesar do bloqueio econômico e financeiro e das agressões de seu poderoso país, é uma prova de que se pode fazer muita coisa com muito pouco. Nem a nossa melhor aliada, a URSS, foi permitido traçar nosso destino.
Para cooperar com outros países, os Estados Unidos só podem enviar profissionais ligados à disciplina militar. Não pode fazê-lo de outro jeito, porque carece de número suficiente de pessoal disposto a sacrificar-se por outros e a oferecer apoio significativo a um país com dificuldades, apesar de em Cuba termos conhecido e terem cooperado conosco excelentes médicos norte-americanos. Eles não são os culpados porque a sociedade não os educa em massa nesse espírito.
A cooperação do nosso país nunca a sujeitamos a requisitos ideológicos. Oferecemo-la aos Estados Unidos quando o furacão Katrina bateu duramente a cidade de Nova Orleans. Nossa brigada médica internacionalista leva o nome glorioso de Henry Reeve, um jovem nascido nesse país que lutou e morreu pela soberania de Cuba na primeira guerra de nossa independência.
Nossa Revolução pode convocar dezenas de milhares de médicos y técnicos da saúde. Pode convocar, também em massa, professores e cidadãos dispostos a irem a qualquer canto do mundo, para qualquer nobre propósito. Não para usurpar direitos nem conquistar matérias-primas.
Nas pessoas de boa vontade e disposição há infinitos recursos que não se guardam nem cabem nas arcas de um banco. Não emanam da política cínica de um império.
Fidel Castro Ruz25 de maio de 200822h35
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