“Fomos às últimas conseqüências, reviramos nossas vidas, mas somos vitoriosos“.
Por Glauco Faria.
O ex-ministro José Dirceu era estudante de Direito em 1968 e participou ativamente das manifestações estudantis à época. Mas, até chegar no nível de organização que permitiu aos estudantes o enfrentamento contra a ditadura militar, foi necessária muita articulação entre os jovens de todo o país. “Meu maior sonho era entrar na faculdade e, quando consegui, vi aquele cemitério, tudo vazio. Foi o maior choque da minha vida. Essa sensação me fez entrar na militância política”, conta. Dirceu também ressalta a importância dos movimentos daquele ano na mudança de comportamento da sociedade. “Foi um período de criatividade intensa que trouxe ótimos frutos para as gerações atuais. Graças aos questionamentos que fizemos lá, hoje vivemos uma liberdade incrível. Hoje, há outras questões, mas a hipocrisia em relação à família caiu por terra.” Confira abaixo a entrevista completa, concedida por e-mail. Fórum - Como o senhor avalia a importância das manifestações estudantis de 1968, dos quais o senhor fez parte? José Dirceu - Aqui, o movimento estudantil teve uma importância muito maior do que em outros países e foi graças ao Movimento Estudantil que a nação começou a se levantar contra a ditadura. Foi o primeiro grande movimento de massas, ao qual foram se agregando os outros movimentos, como os dos operários, dos sindicalistas, os artistas e intelectuais, os parlamentares, a oposição institucionalizada, enfim, todos os segmentos contrários à repressão. Comecei a militância em 1965, quando entrei no curso de Direito da PUC e fui presidente da União Estadual dos Estudantes (UEE), da qual sou presidente de honra, inclusive. Provavelmente chegaria à presidência da UNE, mas fui preso ao lado de centenas de estudantes lá em Ibiúna, quando realizamos, clandestinamente, o 30º congresso da entidade. Fórum - A organização das manifestações aqui tinha inspiração nos movimentos que ocorreram em Paris? José Dirceu - Olha, esse agito parisiense de 1968 teve reflexos em todos os cantos do mundo, mas aqui havia peculiaridades próprias porque vivíamos numa ditadura. A repressão aos sindicatos era mais violenta. Fora o MDB, único partido de oposição "permitido", foram os estudantes que orientaram a grande reação. O Movimento Estudantil começou com bandeiras próprias, buscando ensino superior gratuito e de qualidade para o jovem brasileiro e, lógico, mais liberdade e menos autoritarismo. Depois, a repressão crescente foi um fator a mais para que o movimento conquistasse as ruas. Essa militância mais política legitimou o movimento como uma reação de massa àquela situação terrível. Aqui, o Movimento Estudantil foi o protagonista na luta contra a ditadura e o semeador da democracia. Fórum - Como o senhor vê o legado destes movimentos para os dias de hoje? José Dirceu - Tenho orgulho imenso de ter vivido esse período, de fazer parte dessa história. A liberdade e a democracia foram as maiores conquistas, sem dúvida. Por elas é que sempre lutamos e fomos até as últimas conseqüências, à frente de manifestações e, depois, correndo os riscos da luta armada, da clandestinidade, das prisões, torturas e outras formas de violência. Paralelamente, os movimentos de 68 foram responsáveis por uma verdadeira revolução cultural através da música, do feminismo, do amor livre, da arquitetura, literatura e as artes de uma forma geral. Também faço parte da primeira geração que estuda e trabalha fora. Meu maior sonho era entrar na faculdade e, quando consegui, vi aquele cemitério, tudo vazio. Foi o maior choque da minha vida. Essa sensação me fez entrar na militância política. Foi um período de criatividade intensa que trouxe ótimos frutos para as gerações atuais. Graças aos questionamentos que fizemos lá, hoje vivemos uma liberdade incrível. Hoje, há outras questões, mas a hipocrisia em relação à família caiu por terra. As mulheres, então, nem se fala - são o maior exemplo. Em 68, havia Cinema Novo, os festivais. Vejam os jovens reunidos em coletivos, movimentos culturais regionais, engajados em causas sociais, buscando seu espaço no mercado de trabalho, no próprio Movimento Estudantil. Fórum - Vendo essa época a partir de hoje, que tipo de ações o senhor acha que foram equivocadas e quais outras poderiam ser tomadas para enfrentar a ditadura militar? José Dirceu - Naquela situação, não havia muitas alternativas. Era tudo ou nada porque veio o AI-5 e não dava para fazer movimento de massa. Os caminhos eram muito restritos. O golpe dentro do golpe (o AI-5) foi duríssimo. Fizemos o que era possível, em termos de resistência e muito do que fizemos foi a imposição do momento, não era escolha, não era opção. O Movimento Estudantil é, injustamente, responsabilizado pelo endurecimento da ditadura. Na verdade, basta olhar aquele passado, buscar a verdade para perceber que ele viria de qualquer jeito. Pagamos o preço, fomos às últimas conseqüências, reviramos nossas vidas, mas somos vitoriosos.
Fonte: Revista Fórum.
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