terça-feira, 24 de junho de 2008

ANOS DE CHUMBO XV - O exemplo de Helenira.

Por Augusto César Petta.
Noites ásperas.
Duro silêncioPodemos apenasO canto tímidoDe teu nomeAmanhã porémRosas vermelhasGerminarão de teu sangueE num dia de sol e vidroCantaremosAos quatro ventosTua canção de justiça(Poema feito por guerrilheiros do Araguaia em homenagem a Helenira Rezende)No primeiro semestre de 1968, participei na Cidade Universitária da USP, de um encontro de estudantes, preparatório ao Congresso da UNE de Ibiuna. Para lá se dirigiu um grande número de líderes estudantis, inclusive aqueles que mais se destacavam no cenário pólítico nacional. Num determinado momento do encontro em que os rumos do movimento estudantil estava sendo debatido, inscreveram-se para falar o presidente da UNE Luís Travassos e o futuro candidato a presidente José Dirceu. Travassos, que era um bom orador, defendeu com ênfase que o fundamental para o movimento estudantil, mesmo considerando a importância da organização, era o processo de mobilização dos estudantes; dizia que naquela conjuntura, era essencial denunciar a ditadura nas ruas, realizando atos e passeatas para demonstrar à população os crimes praticados pelo Governo; o movimento estudantil era quem ainda tinha alguma possibilidade de fazer essa denúncia, já que o movimento operário e os demais movimentos estavam completamente amordaçados. José Dirceu disse que, mesmo reconhecendo a importância da mobilização naquele cenário tão difícil, enfatizava o processo de organização dentro das escolas para que o movimento se fortalecesse e assim, conseguiria melhores condições para enfrentar a ditadura. A organização ocorreria com o fortalecimento das entidades estudantis na luta para que a educação melhorasse sua qualidade, para que a democracia fosse conquistada no interior das escolas.Nem Travassos, nem Dirceu eliminavam do seu discurso a mobilização e a organização, tratava-se de enfatizar mais um ou outro aspecto. Não se tratava porém apenas de uma questão conjuntural, esse posicionamento era decorrente de concepções advindas dos Partidos que cada um deles seguia. Durante toda a trajetória do movimento estudantil da época, os militantes da AP - Ação Popular - ressaltavam a mobilização e os do PCB a organização.Uma jovem negra, bonita, alta e ágil ( depois tive conhecimento de que ela praticava basquete e atletismo) fez o seu pronunciamento. Até então não a conhecia. Disse inicialmente, causando grande impacto, a seguinte frase: "Nem Travassos está totalmente certo, nem Dirceu está totalmente certo". Para mim e acredito que para muitos outros jovens, apareceu mentalmente a seguinte questão: o que ela irá dizer para demonstrar que os dois não estão certos ? Será que existe alguma possibilidade de haver uma outra alternativa para considerar a relação entre organização e mobilização? Pois bem, a jovem continuou dizendo que há uma relação dialética entre organização e mobilização, que não se tratava de considerar uma ou outra como fundamental, já que ambas são fundamentais. Quanto mais adequada for a organização, melhor será a mobilização e quanta melhor for a mobilização, mais adequada será a organização. Na medida que o movimento estudantil conseguir articular dialeticamente mobilização e organização, ele adquirirá melhores condições para exercer o seu papel quer seja nas ruas, quer seja no interior das escolas.Certamente aquele discurso me marcou muito, tanto é que eu me lembro 40 anos após, como se fosse hoje. Mas, inicialmente eu resisti a aceitar porque eu me alinhava, no movimento, com as posições da Ação Popular que tinha, em Luís Travassos uma das suas principais lideranças.O tempo foi passando e eu cheguei à conclusão de que o discurso da jovem estava correto.A jovem a que me refiro chamava-se Helenira Rezende. Militante do PCdoB, depois de participar do movimento estudantil, Helenira, diante da impossibilidade de continuar a luta pela democracia e pela justiça nos moldes que desenvolvera até então, decidiu participar da Guerrilha do Araguaia, um movimento no campo que resistiu durante oito anos às investidas das Forças Armadas. Helenira foi torturada e brutalmente assassinada no dia 29 de setembro de 1972, aos 28 anos de idade, pelas tropas do Exército.O jornalista Bruno Ribeiro, no seu livro Helenira Rezende e a Guerrilha do Araguaia relata as últimas palavras pronunciadas por Helenira , no diálogo com um militar que a havia capturado: "Onde estão os terroristas?" perguntou o militar, com a arma apontada para Helenira e ela respondeu: "Jamais entregaria meus companheiros! Eles me vingarão!" Bruno Ribeiro, ao descrever a participação de Helenira na Guerrilha do Araguaia, diz o seguinte: "Em nenhum momento, Helenira se deixou abater pelo medo ou cansaço. Sabia que não estava lutando por um capricho pessoal, mas por uma causa coletiva.Tinha consciência de que participava de um evento histórico e dizia que seu sacrifício pertencia ao futuro.Quanto mais dificuldade encontrou pelo caminho, mais a jovem paulista teve a certeza de que só a luta revolucionária seria capaz de resgatar a liberdade subtraída pela ditadura".Helenira Rezende é nome de uma pequena rua de terra no bairro pobre de Vila Esperança, na cidade de Campinas-SP e é nome do Diretório Acadêmico da UNESP de Assis. Na sede nacional do PCdoB, em São Paulo, um grande quadro com a foto de Helenira está exposto, colocando-a na galeria dos mais importantes comunistas do Brasil . Emprestou o seu nome para várias jovens de hoje, filhas de lutadores e lutadoras do nosso povo. Liege Rocha, incansável defensora dos direitos da mulher, colocou o nome de Helenira na sua primeira filha, que infelizmente faleceu prematuramente. Meus queridos cunhados Isaura Lemos e Euler Ivo, que como Helenira , lutaram bravamente contra a ditadura, têm uma filha muito bonita chamada Tatiana Helenira, candidata a vereadora em Goiânia. Minha amiga muito querida Madalena Guasco, a quem tive a alegria de passar a Coordenação Geral da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Estabelecimentos de Ensino - CONTEE- em 2003 - que como Helenira, me ensinou a compreender melhor a importância e o significado do método dialético na análise da realidade - tem uma filha, uma bela jovem atriz, chamada Helenira.Helenira está no coração e na mente de muitos que batalham pelo mesmo objetivo estratégico da conquista do socialismo, para o qual entregou a sua vida.
Fonte: Blog do Zé Dirceu.

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