A pesquisa divulgada no fim da semana pelo site da revista "Newsweek", dando pela primeira vez uma vantagem de dois dígitos (15 pontos percentuais) ao candidato Barack Obama, está sendo festejada com entusiasmo pelos democratas. Mas não parece conveniente exagerar a relevância do resultado, segundo o qual Obama tem a preferência de 51% do eleitorado - contra 36% de John McCain.
A própria revista lembrou números do mesmo período (junho-julho) nas últimas eleições, de 2000 e 2004, como também, por seu significado especial como alerta aos setores mais otimistas do Partido Democrata, do ano de 1988. Em 2004 John Kerry estava com vantagem menor (6 pontos percentuais: 51% contra 45% de George W. Bush). E no ano 2000 Al Gore e Bush estavam empatados em 45%.
A atenção dada por "Newsweek" ao episódio eleitoral de 1988 tem uma boa razão: ele foi uma grande lição e desautoriza excesso de confiança da parte da oposição. O democrata Mike Dukakis, como lembrei anteriormente aqui, tinha saído da convenção partidária com vantagem de 17 pontos percentuais e acabou derrotado depois pelo então vice-presidente George H. W. Bush, o pai.
Willie Horton e Swift Boat
É bom deixar de lado, pela anormalidade escandalosa, o ano 2000, no qual Gore ganhou a votação popular no país e viu os votos eleitorais da Flórida serem roubados por um conjunto de irregularidades que não vem ao caso revisitar neste momento. Até porque o candidato democrata poderia ter derrotado até o roubo maciço de votos na Flórida se tivesse ao menos vencido no seu próprio estado, Tennessee.
Mais instrutivo seria examinar o que aconteceu em 1988 (o velho Bush contra Dukakis) e 2004 (Bush filho contra Kerry), pois está sendo preparada para 2008 a mesma receita republicana dessas duas eleições. Bush pai inverteu a tendência em 1988 com o bombardeio dos comerciais de Willie Horton; e em 2004 Bush filho fez o mesmo com os comerciais Swift Boat (mais a fraude de Ohio).
Ohio mal entrou nas discussões de quatro anos atrás, ante o escândalo da torpe campanha contra Kerry - que teve sua imagem de herói, condecorado cinco vezes por bravura no Vietnã, destruída por uma ação difamatória cujo efeito prático foi o de transferir para Bush, fujão da guerra do Vietnã graças à proteção de amigos da família, o status heróico do adversário.
A difamação desregulamentada
A pergunta relevante então, a esta altura da campanha, é se a posição vigorosa de Obama nas atuais pesquisas pode ser golpeada por esforço difamatório como os comerciais "Willie Horton" e "Swift Boat". A resposta é afirmativa. Já está em preparo campanha no padrão desses comerciais de grupos 527 - dos quais McCain vai distanciar-se publicamente e até condenar, como fizeram os Bush em 1988 e 2004.
"Grupos 527" são organizações que se beneficiam de isenção de imposto, prevista em parágrafo com esse número do Código Fiscal. Elas não podem pedir votos para este ou aquele candidato, mas podem defender causas envolvidas nas eleições. E não estão sujeitas a restrições impostas por regulamentos da Comissão Federal de Eleições (FEC), o que motiva controvérsia e debates acalorados.
Como foi explicado anteriormente, Horton era um presidiário negro que, de acordo com a lei de Massachusetts, teve um fim de semana livre para visitar a família - do que se aproveitou para estuprar e matar uma mulher branca. O governador do estado era Dukakis, acusado na campanha de ser relapso no combate ao crime (mas a lei liberal que permitia saídas de presos era do antecessor dele, republicano).
No caso "Swift Boat", distinto, difamava-se do mesmo jeito. O nome referia-se aos "barcos rápidos", como os que Kerry comandava no Vietnã. Condecorado pela sua conduta na guerra, ele voltou ao país e aderiu a protestos antiguerra, condenando o papel dos EUA. A campanha foi assumida por desafetos dele e duvidosos patriotas da extrema direita, republicanos.
Uma campanha em gestação
O projeto Swift Boat incluiu, além dos comerciais, o livro "Unfit for Command" - escrito por militares que retrataram Kerry como traidor por denunciar atrocidades praticadas por americanos no Vietnã. O livro foi para a lista de "best sellers". E os comerciais, veiculados especialmente em redutos patrióticos do Sul e Meio-Oeste, assassinaram a reputação de Kerry, transformando-o em traidor.
Neste momento, como contou ontem o site Politico.com, a editora do livro contra Kerry (Regnery Publishing, de extrema direita) conclui o de Obama, a cargo do jornalista ultraconservador David Freddoso. Título: "The Case Against Barack Obama: The Unlikely Rise and Unexamined Agenda of the Media's Favorite Candidate" (O caso contra Obama: a ascensão improvável e a agenda não analisada do candidato favorito da mídia).
Obviamente, a tese é de que Obama foi "fabricado" pela mídia, que nunca examinou seu passado e supostas ligações com extremistas - do pastor Jeremiah Wright (do qual se afastou) ao ex-radical da década de 1960 (quando Obama tinha apenas seis anos de idade) Bill Ayers, hoje vizinho. O comando da operação difamatória pode ser, por baixo do pano, de Karl Rove, a quem se atribui também a desconstrução de Kerry há quatro anos.
Fonte: Tribuna da Imprensa.
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