Carlos Dória
CartaCapital acompanhou o I Fórum de Mídia Livre, no último fim de semana, e entrevistou Ivana Bentes, integrante do comitê organizador e coordenadora da Escola de Comunicação Social da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), onde aconteceu o evento. No fórum, que reuniu cerca de 300 pessoas, foram discutidas medidas para a democratização da comunicação e o fortalecimento dos veículos alternativos. As metas aprovadas neste primeiro encontro ainda engatinham, mas criam uma base para a realização de futuras discussões. Ivana Bentes, colunista do site de CartaCapital, fala sobre a situação da mídia no Brasil e avalia os resultados do Fórum.
CC: Qual era a situação da mídia há 14 anos, quando CartaCapital foi lançada?
IB: Nessa época, não havia a menor chance de se construir um outro discurso, como aconteceu no segundo mandato de Lula. Na eleição de Fernando Henrique, não havia a internet, o Youtube e os sistemas de busca não hierarquizados, como o Google. Era um quadro bastante desolador. A pauta era negativa e reativa.
CC: E hoje?
IB: Hoje os movimentos de mídia têm pautas positivas, propositivas, para além dessa pauta clássica histórica em relação aos monopólios de comunicação, a essa centralidade dos meios. Hoje discutimos democracia participativa, ligada à emergência da possibilidade de se ter uma democracia online, o voto online e uma descentralização. Estamos num momento de transição de modelo. O modelo do monopólio e de centralização estão em crise.
CC: Que tipo de crise?
IB: Uma crise de várias estruturas tradicionais de centralização das mídias e dos monopólios. A pauta e o contexto mudaram. De 94 para cá, temos mudanças no funcionamento do capitalismo, como a financeirização e os fluxos de capitais. O capitalismo está globalizado e em rede, mas os movimentos sociais também, as lutas hoje são globais e potencializadas pelas redes colaborativas, uma mudança que empondera os movimentos sociais, muda as formas de se fazer política, muda os discursos e traz um novo uso para as novas tecnologias.
CC: Quais as razões para a crise dos monopólios?
IB: A queda da venda dos jornais e revistas é um sintoma de crise das mídias clássicas. Sem dúvida, a internet divide espaço com a mídia impressa, que é cara e fordista. Ao mesmo tempo, as próprias mídias corporativas incorporaram as novas mídias, como os blogs e o eu-repórter. A própria audiência da televisão foi pulverizada. Hoje é a metade da de 94. A TV perdeu audiência em seus principais programas, como as novelas e os telejornais. Isso é uma constatação de que essa multiplicidade de veículos de comunicação deslocaram o poder de fogo, inclusive da mídia de massa. Esse deslocamento começa a se fazer sentir. O horizonte de autonomia, liberdade, barateamento das novas mídias produz essa crise.
CC: O que significa esse deslocamento?
IB: O telespectador vai encontrar na internet o seu veículo de produção de mídia, onde ele não é só consumidor. Passa a ser o que chamamos de "prossumidor", ou seja, o consumidor que produz informação. A possibilidade da sociedade se apropriar dos meios de comunicação é uma mudança enorme. O conceito de público e a idéia de comum não existiam no Brasil. Existia a idéia de TV Pública confundida com estatal. Começamos, de maneira sistemática e reiterada, a discutir o que é público. O acesso à rede se tornou condição de cidadania. As pessoas começam a reivindicar um canal de televisão, pois o mais importante para eles não é mais aparecer na tela, mas ter um canal, uma rádio ou um provedor na internet grátis. Isso me parece uma mudança muito importante.
CC: Por quê?
IB: O monopólio das telecomunicações passa a ser pensado numa vertente radical. Produzir mídia passa a ser visto como uma questão de política pública. Essa mentalidade não existia no Brasil. As pessoas discutiam qual era a tarifa de telefone mais barata. Hoje a discussão está em outro patamar. A questão hoje é: "não vai ter telefonia pública nesse país?". Se as pessoas tiverem acesso à tecnologias, se tornam mais autônomas, livres e produtivas, inclusive para o mercado.
CC: A mídia dita "alternativa" amadureceu de lá para cá?
IB: Ela explodiu. Houve uma mudança muito grande. Saiu desse discurso alternativo e independente. Quando falamos em "livre", falamos da liberdade de expressão e da autonomia de sustentabilidade. Sabemos que a liberdade é um horizonte, mas ela amadureceu ao incorporar parcerias com o mercado e com o público. A mídia livre vai depender, sim, de investimento do Estado, organização social e empreendimento privado. O sistema é híbrido, por isso não podemos demonizar o mercado ou uma emissora. Trata-se de discutir princípios novos, que não a do dualismo e das velhas oposições.
CC: O que achou do Fórum?
IB: Foi muito bom. Para um primeiro encontro, superou as expectativas. O mais interessante foi a heterogeneidade dos participantes. Essa diversidade aumenta as chances de se produzir algo novo. Eu ficaria apreensiva se existisse no Fórum um tipo de discurso dominante. Apesar das divergências, convergimos na idéia da necessidade de se criar conceitos novos, com tecnologia nova. A garotada deu um banho no sentido de aporte de experiência, colaboração, descentralização, horizontalidade e autonomia para além da mera reivindicação do Estado provedor e da demonização do mercado. É muito interessante ver a garotada da música conversando com o militante da década de 60 que enfrentou lutas históricas.
CC: Quais foram os resultados práticos do Fórum?
IB: Entre as metas estão fóruns regionais, um Fórum de Mídia Livre dentro do pré-Fórum Social Mundial, em 2009, e um II Fórum Nacional de Mídia Livre. No documento, que possui questões objetivas e de princípio, há uma proposta de estrutura de funcionamento horizontal e descentralizada com representantes estaduais.
Fonte: FNDC.
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