terça-feira, 15 de setembro de 2009

MST- Um alto oficial matou o sem-terra Elton.

Eduardo Sales de Lima

da Redação

Quem matou Elton Brum da Silva foi um oficial da Brigada Militar do Estado (BM), atirando pelas costas, depois de uma discussão. É o que tem assegurado à imprensa o ex-ouvidor agrário e ex-ouvidor geral da Segurança Pública do Rio Grande do Sul, Adão Paiani.

Em entrevista concedida à Associação Brasileira de Radiodifusão Comunitária no Estado do Rio Grande do Sul (Abraço-RS), Paiani afirmou que trata-se de um tenente-coronel que atuava na região metropolitana de Gravataí e que estava sendo preparado para assumir a jurisdição de Fronteira Oeste.


Adão teme que o governo e o comando da BM possam estar tentando ganhar tempo para encobrir as provas e proteger o oficial, encontrando algum soldado que assuma o crime. Noutro plano, Paiani culpa o Executivo gaúcho, liderado pela governadora Yeda Crusius, pela atual crise em que se encontra a segurança pública do Rio Grande do Sul.


Brasil de Fato – Por que o senhor está certo de que foi um oficial que atirou na direção de Elton Brum e não um soldado?

Adão Paiani – Desde a semana anterior ao assassinato do trabalhador rural, eu vinha monitorando a situação em São Gabriel, e repassando informações que julgasse importantes à Ouvidoria Agrária Nacional, uma vez que os relatos de abusos que me chegavam eram muito preocupantes. Minhas fontes são integrantes da própria Brigada Militar, colegas advogados e até produtores rurais da região, com quem tenho relações de amizade. Soube das circunstâncias em que ocorreu o homicídio, e o nome do oficial que o praticou, menos de duas horas depois do fato, através de outro oficial da BM, que se encontrava no local, participou da operação e presenciou os fatos. É uma fonte isenta, séria e que possui credibilidade. Tanto esse oficial como eu mantemos um bom relacionamento com o autor do disparo, e o seu envolvimento causou a nós dois perplexidade e constrangimento, pois ele não tem um perfil ou antecedentes que justifiquem um ato desses. Ou seja, eu e aquele que me passou a informação teríamos, teoricamente, motivos para não levantar essa questão. Mas avaliamos que o ocorrido não poderia ficar impune, ou ser imputado a um inocente. Por mais distante e isolado que seja o local do confronto e do assassinato, o fato foi presenciado por um número significativo de pessoas. É algo difícil de encobrir por muito tempo. Na tarde daquela sexta-feira mesmo [21 de agosto], dois outros oficiais, que não estavam no local, me telefonaram de locais diferentes do Estado, confirmando que a informação da autoria corria entre a oficialidade da BM. No dia seguinte, outra fonte, desta vez um soldado, me confirmou que o nome do oficial autor do disparo confere com a informação que recebi.


Na coletiva que deram uma semana depois do homicídio [a segunda desde o fato], o general [Edson] Goularte, secretário de Segurança, disse que eu apresentasse esses elementos de prova, e que essa informação ainda não havia chegado ao conhecimento deles. Mas em nenhum momento tentaram me desmentir, até porque eles têm total conhecimento da verdade. Mas o que se vê pelas declarações oficiais é que em nenhum momento a investigação buscou seguir a linha investigativa que levaria ao oficial, verdadeiro autor do homicídio. Conheço bem como as coisas funcionam dentro da BM. Um subalterno aceitar assumir um delito cometido por um oficial está longe de ser uma prática incomum dentro da corporação. Ainda mais no caso em tela, em que o referido oficial, um tenente-coronel, é colega de turma do atual comandante-geral, e ambos são afilhados políticos do deputado federal José Otávio Germano (PP), homem com profunda influência dentro do governo, muito embora envolvido em pesadas denúncias de corrupção. Eu disse ainda, no dia do fato, que se tentassem imputar o crime a um soldado da corporação, eu, como filho de um soldado da Brigada Militar, apontaria o nome do verdadeiro autor. No entanto, o próprio soldado, sabe-se lá com que argumentos, foi levado a confessar o delito. Seria ilógico, nessas circunstâncias, em que houve uma confissão, eu contradizer quem está assumindo uma autoria, mesmo tendo a convicção de que o autor é outro.


O senhor disse, num artigo, que uma versão oficial sobre o assassinato do sem-terra Elton Brum já foi “devidamente ensaiada”. Por que o senhor possui tanta certeza de que dificilmente algo poderá ocorrer à pessoa que, de fato, matou Elton Brum?

Em minhas primeiras manifestações, ainda no dia do crime, alertei para a importância de serem imediatamente apreendidas todas as armas utilizadas na operação, sem exceção, bem como as suas cautelas, ou seja, os recibos que todos os policiais firmam e deixam em suas unidades de origem ao saírem em operação. Essa apreensão deveria ter sido solicitada pelo Ministério Público e determinada pelo Judiciário ainda naquele dia, e o material apreendido colocado sob uma guarda isenta. Não foi feito. Também não houve nenhuma preservação do local do crime, fundamental para a elucidação técnica do fato. A confissão do soldado se deu em uma madrugada, em que ele foi ouvido, sem a presença de advogado, pelo corregedor da Brigada Militar, pelo delegado de São Gabriel e por uma promotora de Justiça, essa bastante identificada com a sociedade gabrielense. Após a confissão, o Comando-Geral e a Secretaria de Segurança Pública divulgaram que apresentariam o autor e apenas aguardariam o retorno ao estado da governadora. Ela retornou e, na última hora, eles decidiram não só não apresentar o pretenso autor como sequer divulgaram o seu nome. Não tenho dúvidas de que não apenas não chegaremos ao verdadeiro autor do homicídio, como talvez o próprio soldado nem venha a ser pronunciado, ou seja, mandado a julgamento pelo Tribunal do Júri, eis que a estratégia de defesa possivelmente deve se basear, inicialmente, em um excludente de ilicitude, como a legítima defesa. E ainda assim, se for a julgamento, terá a seu favor um júri popular extremamente favorável, eis que realizado em São Gabriel , onde o combate ao MST é extremamente aguerrido e conta com o apoio da imensa maioria da comunidade local.


Com sua experiência tanto na ouvidoria agrária do Estado, como na Secretaria de Segurança Pública, as polêmicas ações da Brigada Militar, sobretudo as que se referem à reintegração de posse, se intensificaram nos últimos meses ou isso já ocorre há um bom tempo?

Intensificaram-se e tendem a se ampliar ainda mais, na mesma proporção em que se acentuam a crise política e ética que enfrenta o atual governo do Estado. Inserem-se em uma lógica de demonstração de força, não apenas frente ao MST e suas ações, e aos demais movimentos sociais e entidades representativas que estão entre os principais adversários de Yeda Rorato Crusius, mas também como uma forma de manutenção do apoio da base mais conservadora e reacionária da sociedade gaúcha, indispensável para a continuidade do governo e seu projeto político.Eu, que permaneci no governo por mais de dois anos, como Ouvidor-Geral da Segurança Pública e Ouvidor Agrário do Estado, pude perceber que a disposição para o diálogo foi diminuindo na mesma medida em que se agravavam a crise política e as denúncias de corrupção no governo. Um exemplo disso é a própria Ouvidoria de Polícia, que após minha exoneração ficou mais de um mês acéfala. Foi nomeado um substituto interino, que acumulava outra função no governo e que se demitiu, coincidentemente, um dia antes da operação que vitimou o sem terra Elton Brum da Silva. Hoje, a Ouvidoria-Geral da Segurança Pública está novamente sem titular e virtualmente extinta. É um governo desconectado da realidade, falacioso, abusado, desrespeitoso para com toda a sociedade e os cidadãos e que se recusa ao diálogo interna e externamente. Só se mantém ainda graças a uma assombrosa cumplicidade da grande mídia, a quem distribui fartas verbas publicitárias e benesses do Banco Estatal, o Banrisul; a uma postura submissa e igualmente cúmplice do Ministério Público Estadual; e pela prática contumaz de chantagens e pressão política, utilizando-se inclusive do aparato de segurança pública do Estado. Fato, aliás, que denunciei e que levou à minha exoneração, e que até hoje não foi apurado, permanecendo os agentes criminosos em seus respectivos cargos.
Fonte:Brasil de Fato.

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