Meio ambiente e um insignificante discurso bonito
Entrevistar uma fonte que sabe lidar com a imprensa é interessantíssimo. E não estou falando de políticos ou empresários que são treinados pelas assessorias e sim de pessoas comuns que percebem o que o repórter quer ouvir e vestem a fantasia de um personagem. Parte disso é deslize nosso, mas o mérito também é deles.
Acumulo histórias ouvidas ou vividas em anos de estrada: a do escravo liberto que inventou mulher e filhos para ganhar empatia, a do chefe indígena ambientalista radical (que depois descobriu-se ser um dos maiores vendedores de madeira da região), a do catador de material reciclável que narrou uma verdadeira trajetória do herói para contar suas “desventuras” – para depois descobrir que ele mentiu descaradamente a fim de ajudar um repórter que estava com uma pauta-pepino nas mãos. Como a velocidade na linha de produção da imprensa dificulta aos operários da notícia irem fundo nas biografias daqueles que entrevistam, o que fica é essa superficial conversa, muitas vezes construída sem o propósito de enganar. Apenas de tornar a vida mais interessante e palatável.
Tenho a impressão que, com pesquisas de opinião, ocorre a mesma coisa. Muitos respondem o que é mais socialmente aceito ou politicamente mais correto. Mas, na hora “H”, optam pela saída mais confortável individualmente. A lei e as regras devem ser feitas para o coletivo, não para mim.
Isso ajuda a explicar porque muitos defendem a mudança no comportamento da sociedade para combater o aquecimento global, mas que, no sigilo do carrinho de supermercado, vão continuar comprando produtos danosos ao meio ambiente. Autointulam-se ecoconscientes, porque é bonito e pega bem (é hype – como diria um amigo), mas sustentam uma pegada ecológica do tamanho de um quarteirão. Muitos são a favor de diminuir o crescimento econômico para combater as mudanças climáticas, mas quantos estão em priol da diminuição na geração de empregos não-verdes em setores poluidores?
No âmbito da disputa de discursos, a necessidade de garantir o futuro do planeta já está relativamente bem posicionado na sociedade brasileira, mesmo não sendo a sua prioridade principal. O problema é como esse discurso é usado ou absorvido. Por exemplo, muitos ruralistas usam o “desmatamento zero” como peça de “greenwashing”, a famosa lavagem de marca. Mas não explicitam as ressalvas – o que é igual àquelas propagandas de carros em que o cidadão vê apenas as “36 vezes de R$ 300,00”, mas quando vai comprar quase tem um ataque cardíaco porque na letrinha miúda aparecem outras quatro parcelas intermediárias de R$ 4000,00 que o anúncio não informou. Ou seja, sem mais desmate na Amazônia, mas com um perdão das burradas que já feitas, com a autorização para pôr o vizinho Cerrado abaixo, com rios de dinheiro para manter a floresta de pé, com a retirada de indígenas de lá…
Hoje, começa a conferência sobre mudança climática em Copenhague. Qualquer solução eficaz adotada vai passar por mudanças no comportamento de todos nós. Como diria Cecília Meireles no Romanceiro da Inconfidência, “todos querem a liberdade, mas quem por ela trabalha?” No Brasil, muito poucos. A maioria segue escondida no conforto do anonimato, defendendo o seu, fazendo meia dúzia de ações insignificantes para dormir sem o peso da consciência e o resto que se dane. Não querem mudanças no modelo de desenvolvimento que impactaria o “American Way of Life” que importamos, apenas reciclar latinhas de alumínio e dar três descargas a menos no vaso sanitário por dia. E seguem respondendo de boca cheia que fariam de tudo para ajudar o meio ambiente.
Fonte: Blog do Sakamoto
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