Contagem regressiva
O presidente Lula comentou, bem humorado, que, se a oposição continuar atuando assim, em breve ele terá 100% de aprovação popular. Melhor seria que os índices de aprovação não chegassem a tanto. Quando um governo, qualquer governo, está privado de oposição séria, costuma perder a cautela. Os adversários (e até os inimigos encarniçados) ajudam o homem de Estado, quando tocam na raiz dos problemas. Quando o governante não recebe reparos, e só colhe aplausos públicos e lisonjas em particular, abaixa a guarda e pode tornar-se vulnerável. A queda pode ser do tamanho da altura, de acordo com o ditado antigo.
Estamos em contagem regressiva, a caminho das eleições. Agora são apenas 11 meses e alguns dias que nos separam das urnas. Sabemos que estes meses costumam ser velozes e, sendo velozes, acidentados. Podemos aguardar o crescimento de denúncias de desvios de recursos públicos, de licitações fraudulentas, de extorsões, suborno, concussão. Sempre foi assim, e não será diferente. Também temos que nos acautelar contra as acusações forjadas, como as do Plano Cohen, da Carta Brandi, e tantas outras, que fazem parte da história obscura de nossas sucessões. É provável que personalidades dos partidos da base do governo, sem poupar o PT, venham a ser acusadas disso ou daquilo. Por mais imune seja o presidente, ele acabará atingido pelas acusações, que, ainda que não o visem, visam a candidatura de sua ministra.
Lula anuncia o propósito de sugerir ao Congresso que legisle para caracterizar a corrupção “crime hediondo”. Há circunstâncias que atenuam ou agravam os delitos, e há situações em que os atos de transgressão às normas sociais não chegam a constituir crimes, como roubar para matar a fome, ou matar em legítima defesa. Sua proposta indica a predisposição em limpar a política dessas práticas impuras. É duvidoso que o Parlamento, em ano eleitoral, venha a aprovar qualquer lei que endureça o combate ao desvio de dinheiro público para o financiamento das campanhas eleitorais.
Teremos, sim, mais denúncias cruzadas. O caso do Distrito Federal é um exemplo de como as coisas ocorrem. Aceitando ou não a legitimidade das provas divulgadas – e que constituem um libelo difícil de ser contestado – está claro que se trata de uma disputa entre criador e criatura. O que ali ocorre irá repetir-se, de uma forma ou de outra, em todo o país. Podemos nos preparar para assistir a cenas grotescas e repulsivas. Provavelmente algumas venham a ser forjadas, dada a facilidade técnica de manipular fotografias, fixas ou em movimento, com os recursos atuais da informática.
Como costumava dizer Tancredo Neves, estamos, como os aviões, em área de turbulência. Isso exige muita serenidade da tripulação, a começar pelo seu comandante.
Quando personalidades, de qualquer partido, que apoiam um candidato, são acusadas de corrupção, também o postulante se desgasta. Por outro lado, é um axioma eleitoral não dispensar apoios, venham de onde vierem. Quase todos os candidatos se veem, dessa forma, conduzidos a amenizar as suas declarações contra os acusados de corrupção, mesmo quando estão convencidos de sua conduta ilícita. O peso do combate fica por conta dos partidos ideológicos, que, sem esperança de vitória, estão poupados dessas preocupações.
A situação no entanto está mudando, com a crescente participação da cidadania nos atos de protesto e de repulsa contra os desmandos. Em Brasília, ontem, os policiais militares que retiraram os manifestantes da Câmara Distrital pareciam constrangidos em cumprir o mandato judicial, em evidente solidariedade com os estudantes.
Honduras
O Brasil teve outro êxito, no caso de Honduras, com a posição unânime dos chefes de Estado do Mercosul de não reconhecer a legitimidade das eleições e insistir no retorno de Zelaya ao poder, para cumprir o resto de seu mandato.
A posição firme da comunidade sul-americana, mesmo que não tenha obrigado os golpistas de Tegucigalpa a devolver o poder ao presidente deposto, é um aviso aos candidatos a tiranetes: o continente mudou, e não será tolerante contra os que violam os ritos democráticos de escolha. Outra decisão importante foi a de sugerir à OEA de que todo Estado membro que tenha sido suspenso da entidade só possa a ela retornar depois de cumprir as resoluções de sua assembleia geral.
Nenhum comentário:
Postar um comentário