A Petrobras como chantagem: A jabuticaba amarga de Dilma Rousseff
Ana C. Carvalhaes
Dizia-se
no entorno do Planalto, no primeiro governo Lula, que o entusiasmado
presidente costumava cumprimentar o então CEO da maior empresa
brasileira, na época o petista Luís Eduardo Dutra, com a brincadeira: “E
então, como é que vai a nação amiga?”.
Lula
brincava, mas não exagerava. Com reservas hoje estimadas (depois do muy
questionável “bilhete premiado” do pré-sal) em 16,56 bilhões de barris
de óleo equivalente (boe, medida utilizada para incorporar também as
jazidas de gás), a Petrobras produz aproximadamente 2,6 milhões de boe
diários (2013), tem uma força de trabalho de mais de 100 mil mulheres e
homens, opera em 25 países, tem um lucro de R$ 23,6 bilhões e é 13ª
maior companhia de petróleo do mundo no ranking da revista Forbes. A
Petrobras é maior do que a economia de muitos Estados do mundo.
O
peso da empresa na economia nacional não se mede apenas pelo
estratégico papel de abastecer e fazer mover uma economia que os
poderosos, petistas incluídos, insistem em manter baseada na dupla
transporte rodoviário-combustíveis fosseis.
Os governos do PT se valeram do controle da “estatal ma non troppo” para
executar com sorte de iniciantes seu projeto
“liberal-desenvolvimentista”. De um lado, com uma política de incentivo à
indústria nacional na área de construção naval e componentes, que de
alguma maneira colaborou para as taxas tímidas de crescimento econômico.
De outro, com uma expansão subimperialista sobre os países
latino-americanos e alguns africanos.
E sempre
com controle da inflação por meio do controle dos preços de combustíveis
nas bombas – medida fundamental também para manter em trânsito a
crescente frota de automóveis (perto de 40 milhões de veículos), que faz
a festa de lucros da indústria automobilística, embora torne inviável o
dia-a-dia nas grandes cidades e o ar urbano no Brasil cada vez mais
irrespirável.
Projeto extrativista
Com
a descoberta da província petrolífera do pré-sal – algo como 14 bilhões
de barris de petróleo, que de cara duplicou com certeza as reservas do
país (podendo chegar a triplicar) –, o projeto do governo do PT-PMDB
para o petróleo e gás natural saltou em qualidade quase na mesma
proporção. Como anunciou Lula em 2006, já não se trataria apenas de
garantir a autossuficiência em derivados de petróleo para abastecer o
país, mas de investir para tornar o Brasil um exportador de óleo
refinado, ou seja, de derivados.
A partir
daquele momento, além de exportador de grãos (fundamentalmente soja) e
minérios, o Brasil neoextrativista seria também exportador de gasolina,
diesel, querosene de aviação, petroquímicos. E a Petrobras voltou-se
loucamente a investir e obter empréstimos pesados para duplicar a
produção do país até 2015 e triplicá-la até 2025 ou 2030. Os
megaprojetos da Refinaria Abreu e Lima, em Pernambuco, e do Comperj
(Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro), além das ampliações e
adaptações de outras 14 refinarias existentes, fazem parte do sonho
megalômano da cúpula petista convertida a tocadora de obras do capital
global. Este é o contexto que explica a atual situação de endividamento
da companhia (R$ 267,8 bilhões, sendo R$ 249 bilhões de longo prazo).
Ficou
evidente, nessa trajetória setorial, a completa irresponsabilidade do
governo brasileiro - como, aliás, até o momento, dos chamados “governos
progressistas” latino-americanos em geral – com a preservação ambiental
e a “sustentabilidade” que pregam em dias de festa e eleições e o total
descompromisso com um debate sério sobre um novo modelo econômico que
combata a desigualdade social histórica e a falácia do impossível
crescimento infinito, preservando as riquezas naturais e incentivando
novas fontes energéticas e novos meios de transporte e mobilidade.
Menos de meio estatal, mais de meio privada
Há
algo, no entanto, igualmente grave e merecedor de reflexão na
brincadeira do ex-presidente da República sobre a “nação amiga”. A
expressão com que Lula tratava a Petrobras era também uma ironia fina
com o poder da empresa. Um poder resultante de sua riqueza, êxito
tecnológico e econômico, mas também da autonomia advinda do modelo de
gestão resultante da privatização branca executada no segundo governo de
Fernando Henrique Cardoso.
FHC queria e podia
privatizar a Petrobras, como fez com a igualmente poderosa Vale do Rio
Doce. Depois da derrota da greve dos petroleiros de 1996 e a furiosa
repressão à organização sindical que se seguiu, as condições estavam
dadas.
Mas o projeto privatizante passava por
fatiar o sistema Petrobras e isso a poderosa (detentora de informação) e
qualificada (detentora de conhecimento técnico) burocracia dirigente da
casa não admitia. Aceitava a negociação em bloco, para valorizar seus
passes, segundo fontes fidedignas. Fatiamento, não.
E
assim se deu a negociação. A Petrobras escapou da privatização total,
mas tornou-se o que petistas notórios chamam de jabuticaba, algo que só
dá no Brasil. Uma empresa de capital aberto, com parte ínfima do capital
oferecido em 2000, com escândalo midiático aos trabalhadores, para
compra com parte do FGTS. Com ações em bolsa, inclusive em Nova York
(por meio de American Depositary Receipts, ADRs), mas com
controle do capital votante pelo governo brasileiro. Assim, meio barro,
meio tijolo. Mais de meio privada, menos de meio estatal. Fatiada em
“unidades de negócio”. Cada diretoria praticamente uma empresa à parte.
Controle de produtividade.
Com exceção em lei
para que não tenha que cumprir a lei de licitações dos órgãos públicos.
Controle de balanços pelos órgãos do mercado (como a Comissão de Valores
Mobiliários e sua similar americana, a SEC), muito superficialmente
pelo TCU. Nenhum controle da população e dos trabalhadores brasileiros.
No
mundo do petróleo, costuma-se dividir as grandes companhias em IOCs e
NOCs. As IOCs são as companhias internacionais privadas, como a
Exxon-Mobil norte-americana, a BP inglesa, a Royal-Dutch-Shell,
anglo-holandesa. E as NOCs são grandes estatais, como as companhias da
Arábia Saudita e do Irã. Pois a Petrobras é uma coisa à parte,
classificada como IOC, mas sempre “perseguida” pelas agências de
classificação de risco do mercado financeiro pelo inevitável “uso
político” de seus cargos e decisões, como o freio aos aumentos do preço
dos combustíveis, que, pela ótica dos investidores, prejudica o lucro
dos acionistas.
Os governos petistas não mexeram
um dedo, como em geral em qualquer área econômica, para reverter os
estragos da privatização branca de FHC. Ao contrário, vêm usando e
abusando, em particular desde que tiveram que assentar sua
governabilidade na aliança com o clube de caciques regionais que atende
pela sigla de PMDB, das diretorias e cargos da estatal nas negociações
políticas. Assentos na diretoria, nas subdiretorias da Petrobras, da
Transpetro e outras subsidiárias são moedas de troca corrente entre os
partidos da base aliada de Lula e agora de Dilma Rousseff.
Por
isso, já se tornou uma tradição tragicômica da política institucional
brasileira que, a cada novo ministério almejado pelo PMDB, surja a
ameaça de uma CPI da Petrobras. Desta vez, com o escândalo da compra da
Refinaria de Pasadena (Texas, Estados Unidos), Dilma Rousseff pagou para
ver até onde ia a chantagem de Eduardo Cunha (PMDB-RJ). Deverá pagar
por uns bons meses, senão pelo resto de seus dias pela aposta errada.
Os
“segredos” e surpresas da Petrobras, no entanto, não são um problema
apenas de Dilma Rousseff, de Lula, do PT e da fisiológica base aliada do
governo. O indefensável modelo de gestão da maior e mais simbólica
empresa brasileira é um problema de todas e todos que se propõem a
pensar um novo modelo de país e uma nova matriz energética para as novas
gerações (porque não haverá pesquisa na área sem colaboração dos
cérebros da Petrobras).
Afinal, não é admissível
que a crise aberta com o escândalo de Pasadena, com a investigação da
propina no caso da Holanda e com a necessária investigação sobre o
suposto superfaturamento da Refinaria Abreu e Lima sejam peças de
campanha eleitoral de Aécio Neves e de Eduardo Campos-Marina Silva. E
mais que isso: sejam utilizados, pelos mesmos ideólogos da jabuticaba,
para uma furibunda campanha pela privatização e fatiamento total da
companhia, cuja importância para o país ninguém põe em dúvida.
A
Petrobras precisa deixar de ser uma caixa preta na mão dos governos e
do condomínio de partidos fisiológicos por eles formados. As estatais
precisam de controle social, de transparência, começando pelo controle
de seus próprios trabalhadores, organizados de maneira independente. Mas
precisam também de representantes da sociedade civil nos seus conselhos
de administração: da OAB, da ABI, da Aepet (Associação dos Engenheiros
da Petrobras), dos Sindicatos, da FUP, da FNP, do movimento
ambientalista, do movimento estudantil, do movimento popular, do
Ministério Público.
Claro que, para que isso se
dê, é preciso renacionalizar a Petrobras, reconvertê-la em 100% estatal.
Defendê-la tal como era nos anos 50, sem mecanismo de controle social
democrático, é jogar água no moinho dos Aécios e dos Campos, ávidos por
abrir caminho para os abutres das petroleiras internacionais.
Ana C. Carvalhaes é jornalista e integrante da Executiva Estadual do PSOL/RJ
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